A alta prevalência de casos de bullying não é novidade nos dias de hoje. Com o advento da Internet e das redes sociais fica cada vez mais fácil intimidar, ameaçar e perseguir aqueles ou aquelas considerados mais frágeis ou que não se encaixam nos padrões de determinados grupos. Os meios eletrônicos têm sido, inclusive, usados para escolherem as vítimas, como é o caso de meninas que por serem "bonitas demais” e gostarem de se expor na Internet são agredidas e desfiguradas.
 
Em entrevista à Adital, o psicólogo e professor da Faculdade Santa Marcelina (FASM), em São Paulo, Breno Rosostolato, fala sobre o assunto. Um dos alertas do especialista é que, se não tratado na infância e adolescência, o bullying pode deixar marcas profundas e a vítima pode crescer carregando traumas, ansiedades e conflitos enraizados na violência sofrida.
Nos casos da prática de assédio moral no ambiente escolar, o papel da escola é propiciar um espaço de confraternização, respeito e diálogo; trabalhar questões de cidadania e valores. Além disso, Rosostolato aponta que o envolvimento dos pais é importante para estabelecer uma parceria entre a família e a instituição. No entanto, antes de tudo isso, a prevenção continua sendo a melhor maneira de encarar o problema.
Adital – O termo bullying surgiu para a maior parte da população brasileira recentemente, mas vem sendo estudado em países da Europa há mais de 10 anos, quando se decidiu analisar o que estava por trás de muitas tentativas de suicídio por parte de adolescentes. Hoje, com o advento da Internet e das mídias sociais, é possível que haja mais casos de bullyingque no passado?


Bruno Rosostolato – Bullying é um termo inglês originário de bully, que significa "valentão” ou "tiranete” que, especificamente, é aquele que abusa de sua autoridade ou posição para oprimir os que dele dependem. O termo bullying designa os atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos, praticados por um indivíduo ou grupo de indivíduos com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa (ou grupo de indivíduos) incapaz(es) de se defender (em).
Esse comportamento agressivo possui uma forma direta, como apelidos, xingamentos, roubos e gestos ofensivos. A forma indireta está relacionada com difamações, isolamento e indiferença, ou seja, quando a vítima está ausente.
Acredito que, com o advento da Internet, casos de bullying estão sendo mais divulgados e propiciando o cyberbulling, vídeos divulgados em redes sociais das agressões cometidas, brigas em escolas ou nas imediações das mesmas. Os casos de bullyingvêm aumentando de maneira alarmante e preocupante.
Adital – Todo tipo de violência que acontece dentro do ambiente escolar pode ser considerado bullying? Essa prática tem características e traços específicos? Os recentes casos de meninas agredidas "por serem muito bonitas” podem ser considerados bullying?

BR –
Saber identificar o bullyingé importante. Nem todo machucado ou arranhão é sinal de que a criança esteja sofrendo agressões. É sabido que os meninos, principalmente, possuem brincadeiras um pouco mais ríspidas. Natural. As crianças disputam brinquedos e, depois que passa o conflito, brincam juntas novamente.
Para se caracterizar o bullying, as agressões devem ser frequentes, ou seja, repetidas e intencionais. A criança passa por situações que causam dor ou sofrimento todos os dias. Se há desequilíbrio de poder é bullying. Se existe uma diferença de dois anos é preciso intervir.
Outros sinais que podem denunciar o bullyingsão quando a criança começa a dar muitas desculpas para não ir à escola. Chorar, ficar ansiosa e agitada são os sinais mais evidentes. Se a criança tinha um bom rendimento escolar e, subitamente, esse aproveitamento declina, é necessário averiguar o porquê disso. O baixo rendimento escolar pode ser consequência da violência sofrida na escola.
Os casos de violência contra meninas, com a absurda justificativa delas serem bonitas, pode ser considerado bullyinge uma violência contra a integridade do outro. Nesses casos específicos, a agressão possui a finalidade de desfigurar o outro, aniquilando-o internamente e externamente.
Adital – O que motiva uma criança ou adolescente a promover bullying? Pode-se dizer que o problema começa em casa a partir de falhas na educação, no ensinamento da ética e na imposição de limites por parte dos pais e/ou responsáveis?
BR – O problema pode começar em casa sim. A falta de limites, referências e orientação cria na criança e no adolescente agressor um estado emocional de abandono e desamparo. Agredir o outro, sem nenhuma razão, é uma maneira de atenuar essa dor e o estado conflitivo.
Adital – Esses menores têm um perfil definido (agressividade, dificuldades para obedecer a regras, baixo rendimento escolar, problemas familiares etc.)?
BR – Pessoas que possuem atitudes provocativas não gostam de ser contrariadas e costumam se impor através de atitudes violentas e agressivas. A dificuldade em se colocar no lugar do outro revela pouca apatia e, possivelmente, uma relação familiar sem vínculo afetivo. Não interiorizam regras, limites, normas e figuras de autoridade, desafiando-as.
Adital – E sobre as vítimas, existem alvos ou grupos específicos? São sempre homossexuais, obesas/os, tímidas/os ou qualquer criança/adolescente que não se encaixe nos padrões pode se tornar um alvo?
BR – Geralmente, as vítimas do bullying são pessoas frágeis, que não conseguem reagir e ter posicionamentos. Não possuem recursos para lutarem contra a agressão e aos poucos vão se rendendo às investidas do agressor. O aspecto emocional vai definhando e procuram fugir do problema, sem confrontar.
Um sentimento conformista toma conta das vítimas que, geralmente, são aquelas mais tímidas e retraídas, de preferência as que não oferecem resistência ao agressor ou que ele julga serem diferentes e que não façam parte do grupo de amigos dele.
 
Adital – Algumas notícias dão conta de que o bullying pode ser responsável por baixa autoestima, depressão, baixo rendimento escolar, dificuldades de relacionamento, mudanças de humor e até tentativas de suicídio. É possível que essas marcas da infância causem sequelas que permanecerão durante a vida adulta?
BR – Sim, é possível sim. As consequências dobullying para a criança, num primeiro momento, são baixa autoestima, choros frequentes, agitação e ansiedade, principalmente se esses comportamentos aparecerem um pouco antes da criança ir para a escola; medos inexplicáveis, insônia, falta de apetite e urinar na cama.
Num segundo momento, a criança apresenta estresse, dores de cabeça e pode apresentar um comportamento melancólico, ou seja, isolamento. A criança não brinca mais como antes, se afasta dos amigos e fica em casa, evitando sair. Dificuldade de concentração e baixo rendimento escolar, dificuldades de relacionamento e mudanças constantes de humor são agravantes que acompanham o estado emocional dessa criança.
Num momento mais acentuado do bullying, essa criança pode apresentar síndrome do pânico, automutilação, como arrancar o cabelo, se furar ou se cortar, depressão e até suicídio.
Na vida adulta, caso não aconteça uma intervenção terapêutica na infância e na adolescência, esse adulto pode reviver traumas, ansiedades e conflitos enraizados na violência sofrida anteriormente no bullying.
Adital – Nos países do Reino Unido, uma medida governamental garante a aplicação de políticas anti-bullying em todas as escolas. No Brasil, o que efetivamente poderia ser feito no âmbito escolar e familiar para combater essa prática tão prejudicial a crianças e adolescentes?
BR – O papel da escola é propiciar um espaço de confraternização, respeito e diálogo. Trabalhar questões de cidadania e valores, tão importantes para conscientizarem os alunos sobre direitos e deveres. A prevenção é sempre a melhor maneira de encarar o problema do bullying que, muitas vezes, é silencioso. Quanto mais cedo for identificado, mais eficazes serão os métodos de intervenção contra o ciclo conflituoso.
A escola deve ainda convocar uma reunião com os pais dos alunos envolvidos. O trabalho deve ser feito junto à família, pois o envolvimento dos pais é importante para estabelecer uma parceria entre a família e a instituição. Os pais devem ser exemplos para os filhos e devem participar da vida deles.
 
O professor possui um papel primordial para o combate ao bullying, pois, além de identificar autores, espectadores e alvos, deve intervir, imediatamente, numa situação de agressões gratuitas e propositivas entre os alunos. Esse posicionamento do professor é de respeito e, portanto, exemplar. Muitas vezes, se colocar no lugar da vítima é uma maneira satisfatória para distinguir a brincadeira inocente e a brincadeira agressiva. O professor deve comunicar o ocorrido à direção.
Atividades que estimulam a solidariedade e a cooperação são os instrumentos que o professor deve se valer nesse momento de conflito. Conversar com a sala de forma clara e direta sobre a importância de respeitar o colega. O trabalho didático deve proporcionar uma discussão sobre as diferenças, logo, trabalhando a tolerância.
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

Notícias

Veja 8 livros para compreender as políticas educacionais brasileiras

Conhecimento sobre o tema ajuda a entender a realidade escolar e capacita o professor para concursos

há 1 semana
Notícias

Veja 5 planos de aula para abordar educação ambiental

Roteiros voltados ao ensino fundamental podem ser aplicados separadamente ou em conjunto dentro de um projeto

há 1 semana
Notícias

Confira 8 livros para aproximar a física da realidade dos alunos

Obras ajudam a explicar conceitos de forma didática e sugerem experimentos aplicáveis na realidade escolar

há 2 semanas
Notícias

Conheça 9 podcasts sobre os livros da Fuvest 2025

Cada episódio analisa uma obra indicada na lista de leituras obrigatórias

há 1 mês

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.