Os Adinkras são ideogramas criados pelos povos Akan, da região onde hoje ficam Gana e Costa do Marfim. “São símbolos estampados em tecidos, madeira e ferro, historicamente utilizados para transmitir ensinamentos, valores éticos, provérbios e registros importantes da vida comunitária”, resume a doutoranda em educação Renata Francisco Dias.

Adinkra significa “adeus”, e inicialmente apenas a realeza era digna de utilizar esses símbolos. “Os símbolos carregam significados profundos ligados à filosofia, à ancestralidade e à organização social desse povo. Seu uso era limitado a cerimônias como funerais, com o objetivo de homenagear ancestrais”, acrescenta a mestra em educação Lajara Janaína Correa.

Entre os Adinkras mais conhecidos estão o Sankofa, que mostra um pássaro voltando a cabeça para trás. “Ele representa a importância de aprender com o passado para construir o presente e o futuro, relacionando-se com memória, identidade e trajetórias de vida”, interpreta Dias.

Já o Adinkra Duafe é representado por um pente de madeira e simboliza autocuidado e harmonia.

“Os Adinkras eram como um pen drive, um disquete ou um DVD; ou seja, sintetizam uma grande quantidade de informação e conceitos para se refletir”, aponta o professor do ensino fundamental da Prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) Humberto dos Santos.

Segundo Dias, ensinar os Adinkras fortalece o cumprimento da Lei 10.639/03 ao trazer para o currículo conhecimentos africanos. “Ao estudá-los, os estudantes descobrem que a África possui sistemas próprios de escrita, arte, organização social complexa e filosofias, que seus povos produziam conhecimento, estética e ciência muito antes do contato colonial. Isso rompe com a visão limitada que reduz o continente à escravidão”, complementa Correa.

Atividades na escola

“Por serem símbolos, podem ser usados nas aulas de arte, em atividades como pintura em tecido ou transformados em esculturas de argila. Por envolver África e migrações, também podem ser trabalhados em geografia”, sugere Santos.

“Por meio deles, pode-se abordar a África pré-colonial nas aulas de história, e simetrias em matemática”, adiciona Dias.

Ela recomenda iniciar uma oficina escolar com Adinkras situando onde viviam os Akan e quais são seus valores fundamentais, especialmente a importância da família e da ancestralidade. “Também destacamos como os Akan resistiram a ataques e preservaram sua identidade ao longo dos séculos. Os estudantes compreendem que os símbolos não surgiram isoladamente, mas dentro de uma civilização sólida”, complementa.

Em “Adinkras: um projeto de valorização da cultura negra na escola” (2023), Dias e Correa desenvolveram com estudantes dos anos iniciais do ensino fundamental um projeto em que eles confeccionaram seus próprios carimbos de tecidos e criaram estampas inspiradas nos símbolos Adinkra. Cada grupo escolheu três ideogramas para trabalhar e explicou à turma o significado. Realizou-se uma oficina de estamparia e uma exposição dos tecidos para a comunidade escolar. Além disso, os alunos discutiram como os valores dos Adinkras podem ser aplicados à vida atual.

“Os símbolos trabalhados representam valores como união, coragem, sabedoria e justiça, que fazem parte do cotidiano escolar e favorecem reflexões sobre convivência. É possível inserir esses valores nas discussões escolares, ajudando a abordar temas como bullying, conflitos, convivência, identidade, pertencimento e autoestima”, aponta Correia.

Já Santos trabalha os Adinkras nas aulas de língua inglesa. “Inicio explicando que símbolos podem trazer sons, como acontece com as letras do alfabeto, mas também carregar valores. Depois de mostrar os Adinkras, peço para eles pensarem em símbolos para palavras em inglês como bravery (bravura) e courage (coragem).”

Cuidados com o tema

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Pode também haver situações de racismo religioso ligadas aos pais. Ele relata uma situação em que uma responsável por um aluno acusou os Adinkras de serem símbolos religiosos ligados à feitiçaria. “É importante o professor lembrar que ensinar a cultura africana e afro-brasileira é algo amparado pela legislação e pelos documentos oficiais e explicar que os Adinkras são uma forma de linguagem e comunicação, não de religião”, compartilha.

“O trabalho com Adinkras não é apenas uma atividade artística, mas um movimento político e pedagógico de valorização da cultura negra. Quando as crianças compreendem a riqueza da África, transformam sua visão de mundo e contribuem para construir uma escola e uma sociedade mais justas e humanas”, enfatiza Dias.

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Crédito da imagem: arquivo pessoal

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