Adolescentes e jovens negros morrem mais de forma violenta do que os brancos. É o mostram dados nacionais e regionais, como a Pesquisa Homicídios na Infância e Adolescência no Brasil (2009 a 2019), realizada pela ONG Visão Mundial. O estudo aponta que 76% das vítimas de homicídios nessa faixa etária no Brasil são negras. Foi para refletir sobre o papel da educação na transformação desta realidade que o pesquisador Juliano Gonçalves Pereira elaborou a tese de doutorado “Para não ter que dizer adeus: a educação como suporte para redução de homicídios de adolescentes negras e negros, a experiência de Belo Horizonte/MG” (2020).
Em entrevista, ele detalha como a escola pode se envolver em alternativas locais de proteção, além da necessidade da Educação estar presente nas discussões sobre segurança pública.
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Instituto Claro: A educação pode ser um suporte para a redução de homicídios contra jovens e adolescentes negros?
Juliano Gonçalves Pereira: Defendo que sim. Primeiro, pela minha experiência pessoal. Sou homem negro e a educação foi uma oportunidade para me proteger do que me vulnerabilizava no território, ainda que relações de violência e questões sociais, como drogas, também estivessem presentes. A partir da pesquisa, a escola se revelou como suporte para proteger os estudantes da violência letal, mesmo que nela também existissem conflitos.
Como é a vivência de alunos negros em escolas das periferias e outras áreas vulneráveis do Brasil?
Pereira: A gente sabe que escolas de territórios vulneráveis entregam menos qualidade de educação. Ainda assim, são um lugar “neutro” em certa medida, pois o estudante pode aprender coisas que não estão presentes na sua comunidade. O entorno oferece oportunidades não-formais de vida, não raro relacionadas ao tráfico de drogas. Estar na escola para o jovem negro ainda não é fácil. O currículo é eurocêntrico e branco, e há o desafio de aprender algo que faça sentido para ele. Quando isso é superado, a escola se torna um lugar de trocas. O aluno aprende coisas novas e potencializa o que já sabia, retornando ao seu território para transformá-lo.
Como esse assunto é tratado hoje dentro da escola?
Pereira: No passado, havia uma lógica de que a violência era permitida apenas do portão da escola para fora. Como no jargão entre estudantes: “te pego na saída”. À medida que ela está nesse ambiente, são necessárias ferramentas para lidar com os conflitos. De certa forma, a lei 10.639, sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira na escola, obrigou a repensar a questão dos negros na sociedade. A violência é a principal consequência para o genocídio da juventude negra e são necessários aparatos que os protejam, incluindo no sistema educacional.
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Como essa violência que gera morte de alunos negros poderia ou deveria ser tratada na escola?
Pereira: Primeiro, há a necessidade de ações intersectoriais. Políticas de segurança pública devem envolver a escola nas discussões. Essa também deve ficar atenta ao seu território e aos movimentos sociais. Não há melhor ator social para debater a construção de ferramentas de proteção do que os próprios moradores do entorno. Às vezes, a escola se preocupa em ouvir intelectuais e não as lideranças comunitárias, religiosas e culturais. Ou seja, é necessária uma escuta qualificada. Por exemplo, um grafiteiro da região que tem compressão sobre o tema pode conseguir elaborar imagens que ajudem todos a refletirem. Trata-se de uma ação inovadora que transforma o território. As ações pensadas em conjunto ajudam a fazer sentido para aquela comunidade. Há diferenças entre a violência de uma escola em São Paulo e no Amapá.
Quais as orientações para professores, coordenação pedagógica e diretores agirem?
Pereira: Depois da militarização, com diretores chamando a polícia para resolver conflitos na escola, vejo agora uma intervenção do judiciário nesses ambientes. Esse não deve ser o caminho, mas é preciso pensar em ações pedagógicas contra violências como racismo, homofobia, xenofobia, gordofobia, etc. Quando um conflito escolar termina com uma medida judicial, você pode categorizar e transformar aquele estudante que cometeu um erro em potencial criminoso ao invés de educá-lo.
Quais os limites dos professores nessa questão?
Pereira: O desafio é o suporte e a infraestrutura aos docentes para que consigam fazer esses enfrentamentos por meio de projetos e práticas inovadoras. Por exemplo, você pode discutir essa violência letal contra jovens negros por meio de gamificação ou pelo debate sobre masculinidades tóxicas, isto é, como a construção do masculino impõe a naturalização das violências. Exige tempo e uma formação continuada nessas questões.
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