Desenhar é uma forma da criança comunicar acontecimentos felizes ou tristes, ainda que de forma inconsciente. “Motivo pelo qual o professor não pode dar essa atividade para ‘tapar buraco’, quando o desenho vai para o lixo com informações importantes”, explica a mestra em arte e educação e escritora do livro “O desenho infantil” Nancy Rabello.

“Segundo Françoise Dolto, nada no desenho deve ser descartado, tudo tem um motivo de estar ali. É uma fotografia da alma”, acredita a pesquisadora.

Atividades de desenhos livres revelam informações do desenvolvimento e do estado cognitivo e emocional da criança, mas não só. “Mesmo quando o docente passa um tema para o aluno desenhar, ocorre a comunicação em traços, figuras e cores”, acrescenta a professora e autora do livro “A Interpretação do Desenho Infantil: Uma Reflexão Analítica”, Pollianna Benedito Rosa. Desenhos podem ser interpretados em qualquer idade, incluindo os de adolescentes, adultos e idosos. “O que muda são os simbolismos de cada faixa-etária”, diferencia Rabello.

Pistas escondidas

O desenvolvimento cognitivo da criança pode ser analisado nos desenhos por etapas. “O aluno começa desenhando gatuja, que são bonecos redondos, desformes e sem membros. Na sequencia, passa a dar vida a objetos até alcançar o realismo”, ensina Rosa. “Se com três anos uma criança ainda não desenha uma reta ou um circulo, algo não está bem”, alerta.

Já a parte emocional pode ser interpretada em traços e cores. “Quando tenso, o aluno pode repassar o lápis no mesmo lugar ou usar demais a borracha, ato menos comum na infância”, lembra Rabello, que destaca que traços fracos podem demonstrar fragilidade.

As figuras podem ajudar, ainda, a identificar situações de abuso físico e sexual. “A criança pode se retratar de costas, minúscula em relação ao abusador, chorando ou no canto do papel. Pode ter excesso de vermelho e preto, flores mortas ou mesmo ocupar todo o espaço da folha. Como se não quisesse deixar espaço para entrar o sofrimento”, descreve Rabello. “Certa vez, no desenho de uma criança abusada, notei flores esquisitas. Era o sexo masculino, que ela colocou pétalas depois”, compartilha.
Rosa também aponta corpos pela metade e ênfase nas genitálias. “Mas é preciso observar o contexto, pois crianças que se masturbam também podem se retratar assim”, adverte. Em caso de violência, é comum o aluno se retratar com mãos e pés grandes, assim como facas e paus. “É como se dissesse: ‘queria ser grande assim para me defender”, analisa Rabello.

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Carinhas tristes, bravas, mãos de monstros e garras também são alertas. “Desenhos repetidos podem ser um pedido de ajuda”, complementa. Já quando a criança desenha a sua família, é comum entes queridos estarem próximos a ela e, os menos tolerados, distantes. “Pessoas que ela ama ou rejeita podem aparecer gigantes. Caso de um menino que certa vez retratou o irmão recém-nascido, por quem sentia ciúmes, como um rapaz alto”, relata.

O aluno também pode retratar a família que gostaria de ter, não a real. “Em uma formação que ministrei, certa professora apresentou o desenho de sua aluna. Era uma família loira, excessivamente feliz e de mãos dadas. Porém, a menina era negra e vinha de um histórico de violência”, conta Rabello.

Limites do professor

Um único desenho não deve ser usado para análise, mas uma sequência que permita comparações. “A criança pode ter tido um dia ruim ou mesmo estar passando por uma situação difícil para ela, como mudança de casa”, exemplifica Rabello. “Além disso, é fundamental associar as informações vistas no desenho com o comportamento dela em classe”, acrescenta.

Se o aluno usou marrom, preto e vermelho, é preciso analisar se ele tinha mais opções de cores à disposição ou lápis apontados. Se notar algo atípico, converse com a criança e peça para ela explicar o que desenhou. “Se houver violências, repasse a situação à coordenadora pedagógica da escola, que pode acionar um psicólogo, conselho tutelar ou conversar com a família. O importante é saber o seu limite como professor”, aconselha Rabello.

Para saber mais sobre o assunto, a especialista indica cursos de formação específicos sobre o tema. “Não é um conteúdo comum nas graduações de pedagogia ou mesmo de psicopedagogia. Analise o histórico do formador e lembre que interpretar exige anos de estudo e prática”, enfatiza.

Para completar, Rabello aponta que a interpretação deve se apoiar em alguma base teórica, como arte terapia ou conceitos de Carl Gustav Jung. “Autores que também tratam sobre o tema e podem ser estudados são Luquet, Berson, Cognet, DI Léo e Gregg M Furth”, sugere.

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