A botânica é o ramo da biologia que estuda as plantas, suas estruturas, funções, classificações e interações com o ambiente. Para potencializar o ensino desse conteúdo, é possível utilizar vegetais do cotidiano em atividades com os alunos.
Essa é a proposta do professor da pós-graduação em Ensino de Ciências, Ambiente e Sociedade da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) Marcelo Guerra Santos, que lançou um ebook gratuito, “Fruta, verdura ou legume: um guia sobre as plantas do nosso cotidiano“. O material é voltado para professores da educação básica.
“Nos vegetais comercializados em feiras, supermercados e mercearias há uma considerável diversidade morfológica, biológica e cultural que pode promover um ensino mais contextualizado da botânica”, explica.
Contextualizando as plantas
Para tratar o tema em sala de aula, Santos indica contextualizar que os frutos, por exemplo, são partes de um vegetal.
“Essa percepção é importante; caso contrário, pode-se construir a ideia de que eles ‘surgem nos supermercados’ sem conexão com a sua origem biológica, ciclo de vida e cadeia produtiva”.
Depois, ele recomenda contextualizar conceitos e conteúdos.
“Um vegetal é formado por diferentes órgãos com diferentes funções: raiz, caule, folha, flor, fruto e semente. Assim, devemos ter em mente que a laranja é somente uma parte do vegetal. Por isso, apresentar as outras partes que compõem uma laranjeira e o seu ciclo de vida são fundamentais para uma visão menos fragmentada das plantas”.
Também vale destacar a diferença entre fruto e fruta, relacionando conhecimentos científicos com populares. “O primeiro termo é botânico; o segundo, popular. Para a botânica, tomate, chuchu, pimentão, banana, laranja e outros são frutos”, reforça.
Para completar, aborde a origem dos vegetais. “Por exemplo, banana e manga, como a maioria dos que consumimos em nosso cotidiano, não são nativos da nossa flora, mas foram importantes para construir a cultura brasileira”.
Botânica por etapas
Para Santos, os vegetais comercializados no cotidiano podem ser utilizados em todas as etapas do ensino.
“No fundamental, podemos trabalhar diversidade morfológica dos órgãos vegetais, taxonomia vegetal, ciclo de vida das plantas, suas formas de reprodução, o uso e a importância econômica, histórica e cultural”, lista.
No ensino médio, eles podem exemplificar fenômenos fisiológicos e ecológicos das plantas, além de abordar o cultivo, a influência humana na distribuição geográfica e a importância econômica das plantas. “Outros tópicos são a produção de alimentos versus a biodiversidade e a influência das mudanças climáticas na produção de alimentos”, acrescenta.
Orientações em sala de aula
Para os professores que desejam trabalhar com vegetais do cotidiano no ensino de botânica, Santos indica estimular a observação de situações cotidianas.
“Por exemplo, quais vegetais brotam na geladeira, quais frutas não possuem sementes, as cores dos vegetais etc. Além de aguçar a curiosidade, elas serão pontes importantes para conteúdos e conceitos botânicos”, justifica.
Ele ainda indica encorajar os alunos a plantarem. “Exercita a paciência e o esperar de cada ciclo”, diz.
“E cuidado na manipulação das plantas, pois algumas podem ter espinhos ou provocar alergias”, ressalta.
A seguir, conheça seis atividades com vegetais do cotidiano para realizar com os alunos retiradas do livro “Fruta, verdura ou legume: um guia sobre as plantas do nosso cotidiano”.
1) Filho de ovário, fruto é.
O fruto é formado pelo desenvolvimento do ovário; as sementes, pelo desenvolvimento dos óvulos que estão presentes dentro do ovário da flor. Essa conexão de ideias é fundamental para a compreensão da origem dos frutos e o ciclo de vida das angiospermas. Que tal você fazer com os seus alunos uma comparação da morfologia dos ovários e seus respectivos frutos? O ideal é começar com flores que tenham um ovário grande e que possa ser visualizado a olho nu. Algumas flores do cotidiano são fáceis de serem encontradas, como, por exemplo, abóbora e mamão. Peça aos alunos para descreverem a morfologia do ovário e seu fruto, depois corte transversalmente tanto o ovário quanto o fruto e também faça a comparação. Questione se há ou não semelhanças entre as estruturas. Atenção: não deixe os alunos manipularem as lâminas de corte, evite acidentes
2) Entrando numa fria
Muitas pessoas se frustram ao colocarem sementes de maçã para germinar. Elas têm um segredinho: precisam entrar numa fria para germinar. Várias espécies que consumimos em nosso cotidiano (como pera e maçã) são originárias de países temperados, onde as estações do ano são bem definidas: primavera (estação das flores), verão (calor), outono (estação dos frutos) e inverno (frio, com neve). Perceba que, se os frutos e as sementes produzidas no outono germinarem logo após a sua dispersão, irão encontrar o inverno, uma estação não propícia ao desenvolvimento de plântulas. Então, quando as sementes passam pelo período de frio (inverno) é uma sinalização de que logo após virão estações favoráveis ao seu desenvolvimento, ou seja, a primavera e o verão. Experimente com os seus alunos colocar algumas sementes de maçã, envolvidas por um papel-toalha umedecido e dentro de um saquinho plástico fechado, dentro da geladeira (porta). A germinação pode acontecer em até três meses.
3) Formas e cores:
Você já parou para admirar a diversidade de formas e cores das folhas das plantas? Estimule nos seus alunos a curiosidade para observar essa diversidade. Peça para eles levarem folhas de plantas do seu cotidiano para a escola. Analisem as partes de cada folha e a sua morfologia. Depois, aproveite a diversidade das folhas para criar obras de arte com os seus alunos. Existe uma técnica muito simples em que as folhas das plantas podem ser utilizadas como carimbos para criar monotipias (veja o vídeo abaixo: “Primavera de Museus Monotipia: Formas de registrar um jardim!”). Utilizando um rolo, pincele as folhas com tinta guache (utilize diversas cores); depois, como um carimbo, aperte a folha da planta com a tinta sobre uma folha de papel e retire a folha vegetal. Deixe a criatividade das crianças aflorar!
4) Um berçário de plantas
Plantar e colocar sementes para germinar são experiências ímpares e que podem modificar nossa maneira de olhar para o mundo, especialmente as plantas. Quem já viu a germinação de sementes deve ter percebido que cada uma germina de uma maneira e com diferentes formas. Selecione algumas sementes e coloque-as para germinar com os seus alunos. Descreva a morfologia de cada uma quando ocorrer a germinação. Analise se há formas de germinação parecidas e se há plântulas (planta jovenzinha) com morfologias semelhantes. Caso haja, é um forte indício de que possam pertencer à mesma família botânica. Com o auxílio do atlas, estimule os seus alunos a analisar os resultados obtidos.
5) Truque de mágica
Sabe aquele truque de mágica em que o líquido de um copo é transferido para outro copo e muda de cor? Você pode fazer esse truque na sala de aula, e os seus alunos, em casa. Nas uvas violáceas, bem como em outros frutos e sementes, existe um pigmento chamado antocianina. Nos frutos ele serve para dar cor e atrair os dispersores das sementes. Deixe, por cerca de uma ou duas horas, um punhado de sementes de feijão preto dentro de meio copo com água. Quando perceber que a água adquiriu uma cor violácea já está pronto. Retire o feijão e divida a água tingida em vários copos. Agora, experimente pingar sobre o líquido tingido dos copos diferentes substâncias, por exemplo, água sanitária, vinagre, refrigerante incolor (limão) e outras que a sua curiosidade quiser. Você vai perceber que líquidos ácidos originam uma cor diferente de líquidos alcalinos. Isso é devido à presença da antocianina que reage com essas substâncias. O mesmo princípio acontece com as flores que mudam de cor nas plantas. A alteração do pH das pétalas das flores promove a alteração de sua cor.
6) A sedução das flores
As flores podem ter uma infinidade de cores e tonalidades, algumas cores mais raras (por exemplo, azul), outras nem tanto. Além das cores, as flores também podem ter diferentes aromas, morfologia, néctar e outros atrativos. Tudo isso para atrair animais para transportarem o pólen de uma flor para outra, a chamada polinização. Examine com os seus alunos as características de diferentes flores que os alunos conhecem do seu cotidiano e descubra os seus possíveis polinizadores. Aproveite também esse momento para que os alunos tenham uma experiência multissensorial: cheiro, visão, tato, paladar. Mas, cuidado: verifique antes se a planta não é tóxica. Existem várias flores que são comestíveis nas listas de plantas alimentícias não convencionais (Panc). Durante esse momento, não se prenda a padrões predeterminados, o mais importante será a relação estabelecida entre os alunos e as plantas e os sentimentos derivados desse contato. Por exemplo, cheiro bom/ruim lembra rosas; limão, casa da avó; e outras.
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Crédito da imagem: Marizza – Getty Images