Presente durante o estudo do Realismo nas aulas de literatura do ensino médio, Eça de Queiroz pode ser apresentado aos alunos antes dessa etapa. É o que sugere o professor do Departamento de Literatura e Linguística da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Antonio Augusto Nery.
“O autor escreveu diversas narrativas curtas, que podem ser uma forma de aproximar os estudantes de sua obra. Servem como porta de entrada para que se sintam seguros em ler os romances mais densos que aparecerão no ensino médio”, justifica.
Em 2020, é celebrado os 120 anos da morte do autor português, falecido em 16 de agosto de 1900. Entre suas obras mais conhecidas e trabalhadas pelos professores de literatura e língua portuguesa, estão “O crime do Padre Amaro” (1875), “O primo Basílio (1878)”, “A relíquia” (1887), “Os Maias” (1888) e “A cidade e as serras” (1901, póstumo).
Confira, a seguir, as dicas do professor Nery para o uso do autor nas aulas:
Quais as principais características da obra de Eça de Queiroz?
Antonio Augusto Nery: Ele é tido como um realista, sendo o principal nome dessa corrente em Portugal. Mas é necessário mencionar também que seus primeiros textos, quando jovem, aproximavam-se da estética romântica. Já no fim da vida, apresentou textos que extravasaram as características mais comuns do Realismo, como visto em “A cidade e as Serras”.
Quais temas o inspiraram?
Nery: Em linhas gerais, sua obra apresenta críticas sociais, vistas tanto na sua prosa quanto nas crônicas, como nas publicações de “As farpas”, escritas com Ramalho Ortigão em 1871 e 1872 – projeto que continuou nos anos seguintes sem Eça. Há uma preocupação com a educação, principalmente feminina. Em “O Primo Basílio”, a forma como Luísa foi educada explica muito do seu comportamento suscetível, principalmente em relação ao personagem que dá título ao livro. Outro ponto é a influência da Igreja Católica na sociedade portuguesa, entendida, naquele momento, como um atraso.
Ele pode ser apresentado aos alunos já no ensino fundamental?
Nery: Sim, inclusive tive experiências com o uso da obra de Eça nesta etapa, quando lecionava para a educação básica. Ele escreveu diversas narrativas curtas, e essa é uma forma de aproximar os estudantes do autor. Serve como porta de entrada para que se sintam seguros em ler os romances realistas mais densos que aparecerão no ensino médio.
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Como essa aproximação pode ser realizada?
Nery: Uma preocupação do professor costuma ser do aluno não se identificar com o vocabulário utilizado por um escritor do século 19. Mas como Eça trabalhou temas das relações humanas, que são universais, sugiro começar com contos que tragam temáticas que se fazem presente nos dias de hoje, como os relacionamentos afetivos. No conto “José Matias”, o personagem homônimo idealiza a mulher amada. Esta é mostrada sempre a frente do homem, algo diferente das narrativas de “conquistador” presentes no romantismo. Em “Singularidades de uma rapariga loura”, o narrador vê seu objeto de amor de forma irreal. Por fim, “No Moinho” é como um preâmbulo [parte preliminar] de “O Primo Basílio”.
De que forma o autor pode ser trazido no ensino médio?
Nery: Temos o estudo do Realismo, por volta do segundo ano. Eça foi um exímio construtor de personagens, que eram grandes caricaturas e simbolizavam instituições ou pensamentos do período. Assim, uma sugestão é trabalhar com os alunos o que eles acham que personagens como Luísa, de “O Primo Basílio”, ou mesmo o Padre Amaro, de “O crime do Padre Amaro” representavam. E quem poderiam ser eles nos dias de hoje?
É possível trabalhar a obra dele de forma interdisciplinar?
Nery: Sim, especialmente aliado às disciplinas de história e sociologia. Parafraseando o historiador Eric Hobsbawm, “vivemos em um longo século 19”. Ou seja, somos hoje a continuação da sociedade burguesa consolidada no período. O mesmo vale para o patriarcado, temas presentes naquele momento histórico e nos dias de hoje. É possível pensar esses conceitos e traçar paralelos com o agora.
Nesse caso, sugiro também “As Farpas”, que era uma síntese da sociedade da época e no qual os autores teciam críticas a temas diversos. Era como um post de Twitter. Além dessa obra, há os textos jornalísticos de Eça, quando estava em Paris e foi correspondente de jornais do Brasil e Portugal. Seus artigos refletem sobre fatos históricos, com comentários irônicos e críticos.
Onde os professores podem encontrar os textos de “As Farpas”?
Nery: O já diplomata Eça de Queiroz publicou sua contribuição em “As Farpas” em 1890 com o nome de “Uma Campanha Alegre”. A questão é que ele, provavelmente temendo que o conteúdo escrito quando jovem prejudicasse seu cargo, optou por editar o material. A versão original pode ser acessada no site da Biblioteca de Lisboa. Já alguns exemplos de textos jornalísticos podem ser encontrados em “Notas contemporâneas”.
Atualizada em 6/8/2020 às 17h45.
Crédito da imagem: Rafael Bordalo Pinheiro / Public domain (Wikicommons)