A comunicação não violenta (CNV) é uma prática desenvolvida pelo psicólogo estadunidense Marshall Bertram Rosenberg para que as pessoas se relacionem de forma clara e satisfatória. De acordo com psicóloga Lúcia Nabão, a técnica também pode ser utilizada pelos professores na relação com os alunos.

“A CNV abandona o universo do certo e errado, bom e ruim, concordo e discordo, para praticar a empatia e tentar entender o universo de cada pessoa”, resume.

Entre seus princípios está a premissa que todos os seres humanos possuem as mesmas necessidades, como ser amado, respeitado, ter segurança, proteção e apoio. “Entretanto, as pessoas não conseguem expressar isso com clareza, manifestando-se de uma forma violenta”, explica. “Mudar a linguagem, contudo, pode reverter a situação e promover uma conexão profunda”, destaca.

Segundo a CNV, o professor investigaria internamente qual a sua necessidade e a do estudante antes de começar um diálogo. “Entendo o que estou precisando atender, suprir. Isso exige uma escuta para compreensão, que é diferente da escuta para dar uma resposta”, ensina. “Investigo também os sentimentos daquele aluno, o momento de vida que está passando e suas carências antes de agir”, pondera.

Sem julgamento 

Outro princípio da CNV é nunca dar um diagnóstico sobre um estudante – você é isso ou aquilo – ou julgar o outro. Da mesma forma, não se deve aceitar como verdade o diagnóstico, xingamento, julgamento ou rótulo dado pelo outro. “Ou seja, não levar para o pessoal”, sintetiza a psicóloga.

“Por exemplo, o aluno diz que professor é idiota. O profissional não deve se conectar com isso, mas pensar ‘quais necessidades dele não estão sendo atendidas para ele se expressar assim?’. Ao fazer isso, o educador sai da lógica do ataque e contra-ataque e desconstrói uma relação que poderia ser violenta”, recomenda.

“Em outras palavras, a violência é barrada quando o adulto vai além do rótulo, do xingamento, e escuta o que está por trás disso. Às vezes, pode ser um pedido de ajuda”, sugere. “Isso, claro, não quer dizer que o docente concorde com a atitude do estudante”, lembra.

“Se o aluno diz algo que pode ser considerado violento e o professor responde, onde isso vai parar? Muitas guerras nascem assim”, reflete.

Mudança de cultura 

Trabalhar com a CNV também exige entender que todos estão na mesma ordem de importância: professor, diretor, funcionários e corpo discente. A hierarquia deixa de ser vertical. “É preciso disponibilidade para ouvir a todos e desconstruir o lugar de poder que você tem sobre o estudante. Abandonar a cultura que diz que o aluno só está lá para obedecer”, orienta.

Ainda é indicado inverter uma lógica de que o adulto sabe o que é melhor para todos. “Se age assim, ele deixa de ouvir a criança ou o jovem. Para Marshall, isso não produzia bons relacionamentos”, justifica Nabão. “Quando eu parto do princípio que eu não sei qual a resposta para resolver uma situação que se coloca, tenho curiosidade e vontade de compreender o outro. Estou aberto”, ilustra.

Também não vale usar a CNV para manipular o aluno para que ele cumpra o que o professor deseja. “Por exemplo, falar de um jeito delicado para, no fundo, querer que realize a minha vontade”, alerta.

Marshall ainda desencorajava a lógica de punição e recompensa. “É necessário abandonar a ideia de que isso educa. Para relativizar essa discussão, basta olhar para o encarceramento em massa: o indivíduo está sendo punido por crimes, mas ele não sai melhor do que entrou. Outro problema é que a punição pode vir com uma carga de humilhação”, explica.

Segundo a psicóloga, isso não significa que a CNV é permissiva em relação às regras. “A partir da escuta, eu crio acordo, combinados, que não são impostos, mas construídos em conjunto e que atenderão às necessidades de todos. Isso faz com que os alunos queiram colaborar”, diferencia.

“A CNV parte do princípio que todos os seres gostam de contribuir com o outro. Afinal,  a sobrevivência do ser humano no planeta se deu por agrupamento”, conta. “Mas, quando muitas necessidades deixam de ser atendidas e não há respeito, autonomia, poder de escolha e justiça, o estudante não vai desejar contribuir”, explica.

A psicóloga, contudo, reconhece que o trabalho com a CNV é mais árduo para adultos. “Exige descontruir hábitos de linguagem e de julgamento, que já estão enraizados, em prol da compreensão empática”, informa. “Porém, com o exercício diário, é possível garantir um processo educativo em que o ser humano é olhado por inteiro, e onde se ensina pelo exemplo”, finaliza.

Veja mais:
O que é Comunicação Não Violenta?
Mediação de conflitos é caminho para implantar cultura do diálogo na escola
Aplicar cultura de paz na escola exige práticas combinadas entre diversas disciplinas

Crédito da imagem: petrborn – iStock

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Talvez Você Também Goste

Desafios da educação: 6 temas para prestar atenção em 2025

Celulares proibidos, inteligência artificial e privatização são debates para os próximos meses

Emenda do Fundeb ameaça reajuste salarial dos professores

Segundo especialista, mudança no texto pode afetar recursos para pagamento de pessoal na educação

Obra de Tomie Ohtake ajuda a trabalhar arte abstrata na educação básica

A partir do acervo e da trajetória da artista é possível explorar o processo criativo, o papel social da mulher e a imigração

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.