Misoginia é o ódio, desprezo ou preconceito contra mulheres, conteúdo que tem alcançado cada vez mais meninos e adolescentes via redes sociais.
“Poucas famílias monitoram o que os filhos acessam nas redes e os deixam pensar que têm um suposto poder sobre as mulheres que deve ser exercido. E não há diálogo sobre isso”, analisa a professora da pós-graduação em educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM) Eliane Maio.
A misoginia se materializa de diferentes formas dentro da escola. “Os alunos objetificam as mulheres com falas que julgam e moralizam o comportamento sexual feminino. Mesmo crianças usam termos como ‘vagabunda’ para ofender”, relata a professora de psicologia escolar do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) Gabriela Martins Silva.
“Entre adolescentes, é comum se referirem às meninas de forma desrespeitosa, tratando seus corpos como objetos expostos ao julgamento e ao prazer masculino. Um exemplo disso são os ‘rankings’ de meninas ‘mais bonitas’ e das ‘mais feias’ feitos pelos alunos”, adiciona.
Ampliar repertório sobre gênero
Para Silva, o papel da escola é ampliar o repertório familiar sobre gênero, debatendo o assunto de forma crítica. “O contexto familiar de muitos alunos irá naturalizar violências. Por isso, o papel da escola é importante”, enfatiza.
Promover a igualdade de gênero, desconstruir estereótipos e educar para o respeito mútuo são algumas das ações que combatem a misoginia na escola e que devem abarcar meninos e meninas.
“A misoginia é parte do patriarcado, que impõe relações desiguais de gênero e normas que afetam e limitam a vida de meninas e meninos. Assim, é necessário falar com todos”, defende Silva.
“Meninos podem repensar a masculinidade hegemônica, que reprime emoções e resolve conflitos com violência, reforçando que a violência interpessoal mata muitos homens e alimenta a violência contra as mulheres. Formas de masculinidade mais acolhedoras e inclusivas são necessárias”, complementa Silva, idealizadora, em sua escola, do projeto Virando Homem: Masculinidades e Adolescência, com alunos dos anos finais do ensino fundamental.
“Conversar sobre misoginia é um passo para construirmos um mundo menos violento”, enfatiza Maio.
A seguir, confira 9 orientações para ajudar a discutir e combater a misoginia em ambiente escolar.
Invista em rodas de conversa
Silva utiliza esse recurso para discutir questões relacionadas à masculinidade. “As rodas de conversa criam uma conexão pessoal com os temas, mostrando como o machismo afeta a vida de todos e está na realidade. Trazer a reflexão para o nível pessoal é uma forma potente de ação”.
Para isso, ela utiliza filmes, textos e contos de fada recontados de forma feminista como gatilhos para as discussões. “Durante as conversas sobre violência sexual, é importante apresentar dados e discutir como a maioria das vítimas são mulheres e como o agressor é, quase sempre, homem”, explica. “Ao envolver os meninos nesse contexto, é possível fazê-los entender que também são vítimas do machismo”, adiciona.
Evite atividades que separem por gênero
Maio explica que atividades escolares que não segregam por gênero incentivam o respeito mútuo, o reconhecimento da diversidade e a quebra de estereótipos.
“Não há motivo pedagógico para fazer fila de meninos e fila de meninas, usar rosa para meninas e azul para meninos, que vivem em um mundo que é colorido. São sexismos que devem ser combatidos, atividades repensadas no dia a dia”, destaca.
Promova a interação e a sociabilidade entre meninos e meninas
Professor da pós-graduação em educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Seffner explica que promover a interação e a sociabilidade entre meninos e meninas permite que eles se reconheçam com direitos e capacidades semelhantes.
“A escola é o lugar de convívio de meninos e meninas. Nas várias disciplinas, podemos mostrar que diferenças não são motivos para desigualdades”, pontua.
Silva lembra da importância de incentivar a amizade entre todos os gêneros. “Assim, tensionamos a ideia que perpassa a infância de que meninos e meninas não podem ser amigos, que o menino amigo da menina é o namoradinho. Agindo de forma oposta, convidamos as crianças a se relacionarem de forma humanizada”.
Discuta contos de fada de forma crítica
Segundo Maio, discutir contos de fada de forma crítica permite questionar estereótipos de gênero naturalizados, como a passividade feminina e a dependência de um herói masculino, promovendo reflexões sobre igualdade e autonomia.
“Podemos discutir a história da Branca de Neve: ela é expulsa de casa, encontra sete homens e passa a morar com eles, fazendo serviços domésticos. Ao desmaiar, é beijada por um homem que nunca viu. Podemos perguntar: o que vocês acham de uma mulher ser expulsa de casa? De um homem tocar o corpo dela desacordada? E por que os outros homens não fazem as tarefas domésticas?”, sugere.
Letramento de gênero para professores
Segundo Silva, é importante que os professores tenham letramento de gênero para que possam identificar situações de preconceito e agir diante delas.
“Ele ajuda a desnaturalizar o que é visto como comum, permitindo que problemas sejam reconhecidos como tais — e, a partir disso, enfrentados. Afinal, o que não se enxerga não se transforma”, aponta.
Identifique e dialogue sobre outros preconceitos e radicalismos
Seffner lembra que os radicalismos se alimentam. “Combater a misoginia também exige combater a LGBTQIAPN+fobia, o racismo e outros preconceitos”, aponta. “São violências contra populações que o mesmo sujeito quer extinguir”, acrescenta Maio.
“Quando o letramento de gênero para professores não existe, expressões como ‘viado’ são tratadas com naturalidade, e manifestações de misoginia e homofobia passam despercebidas, como se fossem coisas distintas. A violência contra mulheres e pessoas LGBTQIAPN+ está interligada, e reconhecer isso exige formação específica”, conclui Silva.
Questione preconceitos contra mulheres já nos anos iniciais
No contexto dos anos iniciais, pode-se questionar o que é brincadeira de menino e de menina por meio do lúdico. “Por exemplo, quando alguém diz ‘fulano está correndo como mulherzinha’, é necessário refletir sobre isso. Em atividades como o ‘Dia de Fantasia’, no qual todos se vestem de princesa ou príncipe, pode-se refletir sobre o que é aprendido fora da escola, que meninos não usam maquiagem, que meninas não se vestem de super-herói”, aponta Silva.
Situações de misoginia exigem intervenção educativa
Em casos de misoginia explícita, a situação deve ser tratada com seriedade. “A violência de gênero é crime; por isso, é essencial que haja uma intervenção não apenas punitiva, mas educativa, não se limitando a advertências ou suspensões”, lembra Silva.
Após o ocorrido, pode-se envolver os estudantes em um processo de reflexão, permitindo que construam, coletivamente, formas de reparação. “A intervenção que envolve responsabilização e educação conscientiza e transforma o ambiente escolar”, afirma Silva.
Cuidado com o cancelamento
Ao tratar ações machistas, Silva alerta para se evitar práticas que se assemelhem ao ‘cancelamento’. “É necessário separar uma atitude machista da identidade do estudante, para não criar uma cultura de exclusão. O foco deve ser na ação, não na rotulação do aluno”, afirma.
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