Os comentários que o professor escreve nos textos dos alunos funcionam como mediação de aprendizagem. Eles ajudam na compreensão de que há um destinatário e uma relação de alteridade na escrita. “Um texto escrito existe se há um leitor, e o professor será este leitor para o aluno. Ao apontar, por exemplo, que um determinado trecho não está claro, ele mostra à criança ou ao jovem que escrevemos para um alguém que está fora da nossa cabeça. Algo que não é natural, mas apreendido”, explica a mestre em educação e professora de Língua Portuguesa Tatiana Fadel. Ela é autora da dissertação “A escrita do professor sobre o texto do aluno: notas em um duplo lugar”.
“A criança não tem essa percepção e acaba fazendo passagens e transições rápidas em sua escrita. Com auxílio do professor, ela entenderá que o texto escrito é diferente da fala: não posso usar gestos ou voltar para explicar”, complementa. A depender do objetivo da atividade pedida, os comentários deixados pelo professor no texto do aluno terão diferentes desdobramentos. “Se é uma redação, com necessidade de nota, o professor faz o papel de um corretor ortográfico. Sua avaliação é realizada baseada na falta e no equívoco, e ele se concentrará em lacunas e ‘erros’”, diferencia Fadel.
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“Já quando a redação é produzida em um processo, sem tempo limitado, o professor exercerá um papel de editor ou coautor. Ele aparece como alguém hábil, que está ajudando no desenvolvimento do jovem e para que o texto cumpra sua função. Deixa de ser crítico para ser colaborador”, descreve.
Correção ou colaboração?
Mestre em educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Eugênia D’Elia estudou em sua dissertação se os comentários dos professores na primeira versão interferiam nas alterações realizadas pelos alunos durante a reescrita do texto. Para isso, analisou bilhetes deixados pelas professoras nos textos produzidos por alunos de 3º e 4º séries do ensino fundamental.
“Havia dois tipos de comentários: o que trazia apenas aspectos a serem corrigidos e os de um professor leitor. Os primeiros focavam no que era necessário modificar para o texto ganhar coesão, coerência, tirar repetições de palavras e ficar mais completo”, compartilha. “O segundo trazia emoções e era mais eficiente. O professor revelava ao aluno o que mais gostou, que riu com a história, que ficou com medo do fantasma, que achou interessante a construção do personagem. Isso é valioso para os estudantes”, revela.
Havia, porém, comentários do docente que não atingiam as crianças. “Eles usavam vocabulário abstrato que os alunos não compreendem, como ‘faltou coerência’ ou ‘ faltou completude de ideias’”, exemplifica. Em casos somente de correção, ao solicitar que a criança reescreva um texto, pode ser natural ela acrescentar outras mudanças na história. “Assim, nem se corrige o que havia sido proposto e nem se atinge o objetivo da rescrita”, diz D’Elia.
É comum, ainda, os comentários trazerem apontamentos que o professor deixa para ele mesmo. “Ele precisa se basear em critérios, e escreve para acompanhar a evolução da criança e não esquecer pontos importantes. Afinal, são muitos alunos”, confessa a professora.
Comentários incentivam
Os comentários do professor na primeira versão do texto interferem na segunda versão quando possuem objetivos colaborativos, aponta Fadel. “Se forem genéricos, apenas apontando falta de vírgula ou repetição de palavras, as alterações serão básicas e insignificantes”, diz. Para ela, é preciso abandonar a dicotomia “gostei e não gostei”. “Dizer ‘ adorei seu texto’ ajuda a manter uma relação de confiança com a criança, mas é fundamental explicar do que se gostou ou não”, pontua.
Além disso, o foco deve ser o texto, não a criança. “Retornos como ‘você não cumpriu a proposta’ focam, de forma subjetiva, no que a criança errou, não no texto. Ao comentar e explicar o texto, o professor não está dizendo que é o aluno o confuso, o desatento ou o descuidado, mas que o texto pode ser melhor”, diferencia Fadel.
Como cuidado, D’Elia recomenda sempre valorizar o que a criança traz. Como atividade, indica a correção coletiva para uma aprendizagem significativa. “Escolha o trecho de um texto do aluno, por exemplo, que não usou vírgula. Converse com a classe usando o exemplo, como se fosse um estudo de caso”, orienta.
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