A última versão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino médio foi entregue pelo Ministério da Educação (MEC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE) no dia 3 de abril de 2018. O documento propõe apenas obrigatoriedade das áreas de linguagens e matemática no currículo. Assim, os campos de ciências da natureza, humanas e sociais aplicadas passam a ser distribuídos em caráter interdisciplinar e a critério de cada rede.

Para a professora integrante do Observatório do Ensino Médio da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Monica Ribeiro, a medida precariza a formação do jovem brasileiro.

“A justificativa para a extrema ênfase nas duas disciplinas é atender ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), exame que influencia o modo do Brasil ser visto no exterior e cujo mal desempenho dos alunos atestaria a incompetência do governo”, contextualiza. “O problema é que se negligencia a formação completa do estudante e se padroniza um currículo apenas para atender a um exame”, acrescenta.

Opinião semelhante possui o coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, que considera a BNCC “reducionista e com uma concepção retrógrada da educação”. “O problema é que ir bem em uma avaliação de larga escala, como o Pisa, não garante emprego, realização de projeto de vida ou felicidade ao jovem. Só serve de propaganda do gestor público”, acrescenta.

“O artigo 205 da Constituição Federal é claro: a missão da educação é garantir o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. O foco apenas na língua portuguesa e na matemática não garante isso”, indica.

Baixa criticidade

Segundo Ribeiro, o pouco destaque aos campos humanos e científicos deixa de estimular o estudante a pensar criticamente. “Ele pode até sair sabendo melhor português e matemática, mas não terá a capacidade de analisar de maneira crítica a realidade em todas as suas manifestações: artísticas, científicas e éticas – algo que se espera do ensino médio”, decreta.

Para a professora do Grupo de Pesquisas em Políticas, Educação e Sociedade (Gppes) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Dirce Djanira Pacheco e Zan, a pouca ênfase em disciplinas como, história e sociologia, prejudicam “a compreensão do processo histórico e a capacidade de analisar com profundidade a dinâmica social contemporânea”.

“Difícil imaginar a possibilidade de constituição de um país, de uma sociedade avançada, condizente com os desafios atuais, dedicando um espaço pequeno para essas disciplinas no currículo escolar”, decreta.

Agrupamento de disciplinas

Outro ponto que levanta dúvidas entre os educadores é como a interdisciplinaridade será aplicada na prática. “A Base esfarela as disciplinas e apenas as agrupa, sem especificar como esse diálogo ocorrerá”, assinala Ribeiro.

De acordo com Zan, os problemas estruturais vivenciados atualmente pelos professores – que inclui dificuldades no cumprimento da remuneração por atividades pedagógicas ocorridas extraclasse, baixos salários e a necessidade de complementar sua jornada com turnos em diversas escolas – também pode ser um empecilho para a elaboração de aulas interdisciplinares.

“A Base pressupõe trabalho coletivo entre professores de diferentes disciplinas e planejamento articulado em áreas. Ou seja, docentes com jornadas de trabalho remuneradas para exercerem tarefas além das horas em que atuam em sala de aula”, lembra Zan.

Além disso, os entrevistados não enxergam uma relação entre a versão apresentada pelo MEC com a que foi discutida com a sociedade nos anos de 2015 e 2016. “Discutia-se uma BNCC focada em direito e aprendizagens, mas o governo Temer resgata a ideia dos anos 90 de habilidades e competências, muito criticada”, relata Ribeiro. “Basicamente, os conhecimentos da humanidade são apresentados no currículo escolar. Mas nesta BNCC, a formação integral é negligenciada em prol apenas do saber fazer”, aponta.

“O processo foi atropelado e apressado, inviabilizando participação efetiva. Uma prática comum desse governo: encaminhar rapidamente, sem discussão com a sociedade, pautas que interessam ao projeto político em curso”, critica Zan.

Por fim, Ribeiro acredita que as chances do educador brasileiro não se identificar com a BNCC são grandes. “Esse é o preço de fazer um documento que não é discutido com professores, que não os enxerga e não dialoga com a realidade das escolas brasileiras”, finaliza.

Atualizada em 05/4/18 às 10h22.

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