No dia 24 de outubro de 2015, jovens pacientes do Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer (Graac) realizaram o Enem dentro do hospital da instituição. Mesmo em situação frágil, eles solicitaram a hora adicional – pessoas internadas têm direito a 60 minutos mais para finalizarem a prova – e permaneceram na sala até o final. “Eles usaram todo o tempo para brigar por uma vaga. É um grande desafio se você pensar que muitos deles estão há meses sem ir a uma escola regular e sem fazer uma prova desta extensão”, conta a coordenadora da Escola Móvel do Graac, Amália Covic.
De acordo com o Censo Escolar da Educação Básica de 2014, existem aproximadamente 3.968 alunos matriculados em classes hospitalares no Brasil, vinculados a 73 estabelecimentos de ensino. As instituições recebem desde alunos da educação infantil a adolescentes que sonham em passar no vestibular.
As aulas podem acontecer em grupos ou – o mais comum – por meio de atendimentos individuais, no leito. Para isso, os primeiros passos são entrevistar o aluno e contatar sua antiga escola para saber quais conteúdos estão sendo ensinados. “Perguntamos onde ele parou, o que estava estudando e quanto tempo ele está fora da escola”, conta Amália. “A cada três meses, enviamos um relatório para a escola sobre as habilidades que estão sendo trabalhadas e, a partir deles, a escola fecha a nota do aluno”, explica.
Planejamento individualizado
No Graac, 16 professores atendem aproximadamente 250 alunos. Os docentes possuem uma reunião diária, onde relatam para o grupo o que trabalharam com cada criança, e outra semanal, para aprofundarem casos mais complexos. Além disso, todos os professores são vinculados a um programa de especialização da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de 30 horas semanais. “Os professores fazem uma parte teórica junto com os residentes e outra ligada especificamente à educação”, assinala Amália.
Para a coordenadora, o diferencial do atendimento escolar hospitalar é que o planejamento de aula foca nas particularidades do aluno, não no ano letivo. “A aula é agora. Às vezes, o paciente está bem nesta semana e pode estudar um tempo a mais. Na semana seguinte, ele fará quimioterapia e pode ter reações colaterais, então as aulas são temporariamente suspensas”, descreve. “Outro diferencial é que o professor precisa saber transitar por esse espaço que não é escolar, e dividir seu trabalho com outros grupos de profissionais”, aponta.
Ressignificação
Para a chefe do setor de Pedagogia do Hospital Infantil Joana de Gusmão (SC), Claudia Mattos Silva, as aulas são benéficas para o bem-estar do aluno-paciente. “A internação hospitalar promove mudanças que de alguma forma desequilibra o ritual de vida da criança ou adolescente. Nesse espaço que se estabelece, a referência da escola é extremamente positiva. A figura do professor possibilita ressignificar o processo de internação e aprendizagem”, opina.
Segundo ainda a professora, um dos grandes desafios é lidar com as eventuais perdas dos alunos durante o tratamento. “É uma tarefa nada fácil”, confessa.
Veja mais:
– “Estamos desvendando o conceito de cada quarto de hospital ser uma sala de aula”
– Pedagogia hospitalar
– ‘Educação integral é fundamental para tornar cidades mais educadoras’