Falta de aparelhos eletrônicos e dificuldades em acessar a internet excluem os alunos da rede pública do direito à educação durante a pandemia de covid-19. No entanto, os estudantes com deficiência apresentam vulnerabilidades ainda maiores. “O ideal seria criar uma plataforma já acessível a todos os perfis de alunos. O que ocorre, porém, é o uso de tecnologias que já existem e que precisam ser adaptadas posteriormente. No caso da rede pública, os docentes mantêm contato com a família e mandam atividades via WhatsApp, Facebook e Google Classroom”, conta o professor do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade Federal do Espirito Santo (UFES) e pessoa com deficiência visual Douglas Christian Ferrari de Melo.

“Vale lembrar que tecnologias acessíveis já existem e poderiam ser usadas. É uma decisão ideológica e política não termos plataformas mais acessíveis. Se para professores com deficiência no ensino superior a situação é difícil, para os de educação básica, com certeza é pior”, avalia. Melo, que participa de três grupos de pesquisa locais e nacionais sobre os impactos da pandemia de covid-19 na educação, critica a falta de envolvimento do Ministério de Educação com a temática. “Majoritariamente, as iniciativas vêm dos professores de classe e os auxiliares, que tentam acessar seus alunos”, observa.

Além disso, ele aponta como desafios a falta de materiais físicos adequados e formação para os professores que lecionam para a turma. Aulas em vídeo, por exemplo, precisam ser bastante descritivas para que alunos com deficiência consigam acompanhar. “Eles também necessitam de material em braile ”, salienta. Para ele, os problemas que surgem já existiam no ensino presencial. “As situações foram agravadas e escancaradas pelo coronavírus”, opina.

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Trabalho colaborativo

Jonathas Santos é professor de geografia no ensino fundamental II da rede municipal de São Paulo. Suas turmas possuem alunos com paralisia cerebral e intelectual, outros cadeirantes e alguns de baixa visão. “Em alguns casos, as atividades precisam necessariamente do trabalho de um profissional especializado da escola pública. Elas se tornaram um desafio ainda maior de forma remota”, explica.

Professor especializado do ensino médio na rede estadual de Roraima, Revelino Pereira Garcia concorda. “Os professores fazem as atividades, passam para a coordenação pedagógica e para nós, da orientação, que ajudamos a adaptar. Para facilitar a interação, nos encontramos esporadicamente de forma presencial na escola”, explica ele, que já foi infectado pelo coronavírus duas vezes. “Como vemos os professores de turma sobrecarregados, os próprios professores auxiliares acabam desenvolvendo e enviando atividades adaptadas, o que não é algo de praxe”, explica.

Por fim, ele ainda aponta a maior necessidade de apoio familiar no caso dos alunos com deficiência. “Mesmo que alguns dominem a tecnologia, são menos autônomos e precisam de mediação de um adulto. Para ajudar os pais, tentamos deixar as atividades melhor explicadas e o mais didáticas possível”, revela.

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“Um ponto positivo da pandemia foi esse trabalho colaborativo entre professores e família. Algo que espero que continue após superarmos essa fase”, confessa Melo. Ele se posiciona contra o ensino remoto para alunos com deficiência: “Porque nos exclui. Entendo a situação como uma redução de danos”. “Educação precisa ser coletiva e interativa para acontecer, o que não está sendo o caso no isolamento”, alerta.

Possibilidades

Paola Pithágoras de Freitas Durante é professora de apoio no 7° ano, do ensino fundamental II, da rede estadual paulista e um de seus alunos se enquadra no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ele mora em uma comunidade em vulnerabilidade social e precisa dividir o único celular da casa com a mãe. “Por isso, é difícil permanecer em videochamadas por muito tempo. Há também uma dificuldade de interação, comunicação e bloqueios. Então, costumo sempre fazer atividades mais lúdicas, como jogos, assim como indicar filmes”, conta.

professora e aluno durante a pandemia de covid-19
Professora Paola Durante e seu aluno durante a pandemia (crédito: acervo pessoal)

Para atender o público com deficiência, ela recomenda ações pedagógicas menos extensas e cansativas. “Fale e escreva de forma resumida para que a criança não perca o interesse, além de atividades sempre criativas para que o aluno fique ansioso esperando algo novo para a próxima aula”, ensina. “Estimulo sua autonomia e mostro desenhos e vídeos para facilitar o entendimento, tudo de forma alegre e objetiva”, complementa.

Garcia também aposta em recursos visuais, como fotos. “Física e química são disciplinas mais complexas para serem ensinadas no ensino virtual, ficando de fora”, diz. “Em contrapartida, os alunos respondem bem a história e geografia, nesse caso, com atividades mais imagéticas”, acrescenta.

Veja mais:

Com legislação vaga, atuação de professor que apoia aluno com deficiência em aula varia por rede

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