Da direita à esquerda, generais Castelo Branco e Ernesto Geisel (fundo).
De óculos à esquerda, general Costa e Silva

Uma das consequências do período da ditadura militar, que perdurou desde o golpe de 64 até 1985, foi o enfraquecimento da educação pública, de acordo com o sociólogo, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Emir Sader.
A interrupção do processo democrático que vinha em curso no país, antes da tomada do poder pelos militares, também afetou as reformas sociais. “Ainda, existe quem fale com orgulho do milagre econômico [crescimento ocorrido durante o período]. Na verdade, o ‘santo desse milagre’ era o arrocho salarial. Imagina o lucro de décadas baseado em uma política sem aumento de salário da população? Na ditadura, acentuou-se muito a desigualdade social”, explica. Confira abaixo a entrevista completa concedida ao NET Educação.
NET Educação – O que o golpe de 64 interditou no país?
Emir Sader – O Brasil vinha de um período de reação à Crise de 29, com governos de Getúlio Vargas e um primeiro regime ditatorial, depois Juscelino [Kubitschek] e o breve governo do Jango. De 1945 a 1954, ocorreu uma democracia política e também social. Começava a ver fortalecimento dos movimentos populares e isso se chocou com os interesses de concentrar renda e do consumo dos produtos de luxo, cuja compra de carros era emblemática.
Do ponto de vista político, o campo da direita antigetulista tinha sofrido três derrotas nas últimas eleições presidenciais. Ainda, quando ganhou com Jânio Quadros, foi frustrada com sua saída e assumiu o Jango [João Goulart]. Política e economicamente havia uma democratização que batia de frente com o que os conservadores queriam.
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NET Educação – Fatores externos também influenciaram o período?
Sader – Desde a fundação da Escola Superior de Guerra, principalmente dois dos golpistas de 1964, [os militares] Golbery [do Couto e Silva] e Castelo Branco, passaram a propagar aqui a linha política ideológica dos Estados Unidos. Os militares se apoiaram na Doutrina de Segurança Nacional, ou seja, militarizar o Estado para impedir um suposto “golpe comunista”. Então, os militares já tinham tentado golpes nos governos de Vargas e Juscelino, até sua consumação no do Jango.

“Os militares já tinham tentado golpes nos governos de Vargas
e Juscelino, até sua consumação no do Jango.”
NET Educação – Após o golpe, o que foi instituído no lugar?
Sader – Uma ofensiva repressiva contra tudo que aparecia com selo democrático, que os militares caracterizaram como subversivo. Modificaram alguns quadros de origem jurídica para adaptar à ordem do poder ditatorial. Houve intervenção nos sindicatos e assim, deixou de haver campanha por salários, culminando no arrocho salarial. Também, é instaurado um modelo de exportação e consumo de luxo e o resto ficava secundário. Assim, acontece uma enorme concentração de renda.
NET Educação – E no campo da educação?
Sader – Em termos educacionais, antes, a classe média e pobre tinham o mesmo espaço educativo. Com o golpe, veio a deterioração do sistema educacional e a classe média passou a fazer esforço enorme para colocar seus filhos no modelo privado. E passou a ter gastos com educação e saúde também, pois esses serviços não tinham mais qualidade.
A escola é o espaço de socialização das crianças, jovens e família. Criou-se um vazio grande nessa socialização especialmente das classes populares. Também, os recursos fundamentais ficaram canalizados para escolas privadas. A repressão ainda fez com que houvesse o temor pelo desenvolvimento do ensino crítico, então introduziram disciplinas específicas [Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira] na escola para tratar do país, Estado e do próprio regime militar.
NET Educação – Hoje, quais são os resquícios do período ditatorial?
Sader – O mais importante foi o enfraquecimento da educação pública, dos níveis pré-universitários. Essa foi maior perda, com o começo da desqualificação do ensino público. Os conteúdos mudaram e hoje há amplitude no acesso. Mas a perda da importância da socialização por meio da escola começou lá naquela época.
NET Educação – Quais são os equívocos mais comuns que se ouve dizer sobre esse período?
Sader – Uma das visões equivocadas propagadas era de que o governo de Jango era algo isolado. Mas não era, ele tinha sim apoio popular. Também, a ideia de que havia mais ordem naquela época. No entanto, era algo imposto militarmente, assim é claro que tinha uma ordem, mas com o preço da repressão.
Ainda, existe quem fale com orgulho do milagre econômico [crescimento ocorrido durante o período]. Na verdade, o ‘santo desse milagre’ era o arrocho salarial. Imagina o lucro de décadas baseado em uma política sem aumento de salário da população? Na ditadura, acentuou-se muito a desigualdade social. Isso foi resultado da política econômica de exclusão social.
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