Existem diversas formas de entender o termo medicalização da educação. “Alguns pesquisadores o compreendem somente como o uso abusivo de medicamentos – principalmente psiquiátricos – por alunos e professores. Assim como a formulação de patologias e produção de diagnósticos dentro do ambiente escolar. Muitos deles visando conter o corpo inquieto dos alunos”, pondera a professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia (UFBA) Lygia de Sousa Viegas.
Contudo, o fenômeno é mais abrangente. “A sociedade normatiza como alunos devem se comportar e agir, negando existências diversas que estão nas escolas, classificando-as como inadequadas, anormais ou problemáticas”, explica a pesquisadora. Assim, o fenômeno da medicalização está presente ainda que esse movimento não venha, necessariamente, acompanhado de um diagnóstico que patologize o comportamento ou de um medicamento que o controle.
Segundo Viegas, a desatenção dos alunos pode ser pensada também como fruto de uma escola obsoleta. Seria consequência, portanto, de um ensino denso em conteúdos, que não atende especificidades individuais e que exige alunos atentos à lousa durante longas jornadas. São somadas a isso cobranças sociais por indivíduos sempre ativos, produtivos e controlados. “Essa escola se organiza para ensinar alunos que estão na média. A medicalização atua naqueles que se encontram nos extremos da aprendizagem, mais rápidos ou mais lentos, que são categorizados como desajustados da norma”, esclarece.
Combatendo causas, não consequências
No caso dos professores, fenômenos como a síndrome de burnout e depressão não estão desassociados da falta de investimento na categoria ou na infraestrutura da escola pública. Isso empurra os docentes para salas superlotadas, longas jornadas de trabalho e, consequentemente, um cotidiano estressante.
“O medicamento e o diagnóstico pretendem ajudá-los a sobreviver nesse lugar de experiências sofridas. Porém, a medicalização atua somente sobre as consequências do problema, não causas. Com isso, responsabiliza-se o indivíduo, não o contexto”, acrescenta. “Caso nada seja feito sobre as causas, os números de pessoas da comunidade escolar querendo medicamentos aumentará cada vez mais”, alerta.
A seguir, confira 5 indicações de livros que ajudam a entender um pouco mais o debate.
A produção do fracasso escolar – Histórias de submissão e rebeldia
Maria Helena de Souza Patto, Intermeios, 1990.
Temas como desatenção e indisciplina são analisados a partir de um olhar pedagógico. “Apesar de não abordar especificamente a medicalização da escola, esse livro traz apontamentos atuais para entender que o fracasso na escola não é do indivíduo, mas do modelo de escolarização”, explica Viegas.
Medicalização de crianças e adolescentes: Conflitos silenciados pela redução de questões sociais a doenças de indivíduos
Conselho Regional de Psicologia SP, Casa do Psicólogo, 2011
O livro explica transtornos específicos – do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e dislexia a partir da contribuição de várias áreas de conhecimento, como a Psicologia, a Medicina, a Fonoaudiologia e a Educação. Além disso, apresenta modelos e situações alternativas à medicalização. “Os autores evidenciam o corrente reducionismo dos processos sociais relacionados à precarização das condições de vida e à uniformização de comportamentos, bem como discutem as implicações psicossociais da atribuição de patologias individuais a todos aqueles que fogem à norma abstrata e ideológica vigente”, explica a apresentação da obra.
Medicalização da educação e da sociedade: ciência ou mito?
Lygia de Sousa Viégas e outras (Org.), Edufba, 2015
A obra é resultado dos debates realizados no I Simpósio Internacional e I Simpósio Baiano Medicalização da Educação e da Sociedade: ciência ou mito? Os capítulos reúnem as falas de neurologistas e psiquiatras nacionais e internacionais, que se unem a educadores para discutir a patologização da vida cotidiana. “Traz ainda elementos da história e relatos das experiências”, indica Viegas.
Medicalização na educação e a formação do pedagogo
Vânia Aparecida calado, Editora CRV, 2020
O livro narra uma experiência prática na formação inicial de pedagogos, em uma universidade pública, sobre o que é medicalização na escola. “Os professores não conhecem esse fenômeno, então a aprendizagem de conceitos científicos sobre isso pode promover a conscientização, a compreensão do seu papel no enfrentamento e a elaboração de práticas pedagógicas nessa direção”, relata a autora.
Novas capturas, antigos diagnósticos na era dos transtornos
Cecília Azevedo Lima Collares e outros, Mercado das Letras, 2013
Pesquisadores brasileiros se reúnem para discutir um momento social no qual problemas políticos são tornados biológicos e inatos à pessoa. “As pessoas é que teriam problemas, seriam disfuncionais pois não se adaptam, seriam doentes pois não aprendem, teriam transtornos pois são indisciplinadas”, apresenta o prefácio. Uma vez classificadas como doentes, estas se tornam pacientes e consumidoras de tratamentos. “Estes transformam o próprio corpo e a mente em origem dos problemas que, na lógica patologizante, deveriam ser sanados individualmente”.
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