“A avaliação pode evidenciar as discriminações de gênero, raça, classe e deficiência e, a partir dessa evidenciação, desencadear debates coletivos que levem ao combate e ao enfrentamento dessas desigualdades”, explica a doutora em Educação Valéria Virgínia Lopes.

Ela e a professora da faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) Sandra Zákia Sousa foram as ganhadoras do Prêmio Jabuti Acadêmico em 2025, pelo livro “Avaliação educacional  – de aprendizagem; institucional; em larga escala” (editora Contexto).

“No caso das avaliações externas e em larga escala, o debate ainda precisa se realizar dentro das escolas para que seus impactos possam contribuir para a compreensão dos contextos e para o aprimoramento da qualidade do que se faz. Ainda há muita resistência, seja porque escolas não se identificam com os resultados, seja porque se sentem ameaçadas”, opina Lopes.

Em entrevista, Lopes avalia os diferentes papeis da avaliação, mudanças recentes em sua aplicação, assim como desafios e pressões atuais.

Instituto Claro: Qual é o papel da avaliação educacional?

Valéria Virgínia Lopes: Avaliar é atribuir valor. O papel central da avaliação educacional é conhecer e, com base em evidências, julgar a situação que se tem. O que se espera é que o uso dos resultados da avaliação permita tomar decisões informadas e organizar ações contextualizadas para conduzir à situação que se quer ter.

Esse papel tem sido cumprido?

Lopes: É possível que sim, em alguns casos; mas, de modo geral, não. No caso da educação, a avaliação, embora permita conhecer e julgar, muitas vezes parece algo “fora do contexto”, algo neutro, um procedimento que informa resultados, e esses resultados são entendidos como uma sentença, uma fatalidade e, ao mesmo tempo, um vaticínio, uma profecia. A avaliação, nesse caso, informa sobre a situação que se tem, e essa situação passa a ser o que se espera, em vez de ser um momento de reflexão, que possibilite rever os passos dados e planejar novas ações. A avaliação é dissociada do planejamento e da execução do processo educacional.

Quais são os principais tipos de avaliação educacional hoje e quais suas funções?

Lopes: Na educação, as avaliações podem ser internas, quando realizadas pelas pessoas diretamente envolvidas nos contextos investigados, como estudantes, professores, equipes técnicas e de gestão e comunidades escolares; e podem ser externas, quando realizadas por agentes vindos de outros contextos, como equipes das secretarias ou do Ministério da Educação, sobre a escola ou sobre as aprendizagens, ou mesmo por consultores.

Além disso, tradicionalmente se identificam três funções da avaliação: função diagnóstica, função formativa e função somativa. Esses nomes já informam do que se trata, mais ou menos como se fosse uma sequência: diagnosticar o ponto inicial, acompanhar o desenvolvimento e checar o alcance final.

Mas essas funções podem ser acionadas em diferentes momentos e não apenas de modo linear. No entanto, o que é importante destacar aqui é que o que define o tipo de avaliação, sua função e os procedimentos e instrumentos a serem utilizados para realizá-la é o que se quer com ela. Avaliar para quê? O que se quer com a avaliação? É preciso responder o que se quer saber e o que se pretende fazer com o resultado. A partir dessas definições pode decorrer toda a tecnicalidade, não antes.

“Avaliação educacional  – de aprendizagem; institucional; em larga escala”, ganhador do Jabuti Acadêmico 2025

O que mudou ao longo do tempo quando se trata de avaliação educacional?

Lopes: Há mudanças importantes na avaliação educacional, como é o caso da disseminação da avaliação externa e em larga escala como um mecanismo de aferição da qualidade. Mas a principal mudança está na compreensão de que os resultados das avaliações das aprendizagens expressam os contextos em que essas aprendizagens se produzem. E, nesse caso, a introdução da avaliação institucional nas escolas pode ser uma mudança profunda.

Quais são os desafios ou pressões que cercam a avaliação?

Lopes: São muitos, mas um dos principais é fazer com que a avaliação faça sentido para as pessoas e instituições envolvidas. Muitas vezes, na escola ou nas redes de ensino, estudantes, docentes, equipes escolares e comunidades não se reconhecem nos resultados das avaliações, e isso vai distanciando a avaliação das suas potencialidades. Desvinculada de sentido, a avaliação é temida ou ignorada.

É preciso que cada estudante, professoras, professores, profissionais das equipes técnicas e da gestão percebam a avaliação como fonte de informação para melhorar a sua atuação, alcançar objetivos e aprimorar qualidades.

Qual é o impacto das avaliações em larga escala na educação brasileira?

Lopes: Bem, assim como as demais vertentes avaliativas, os resultados e as potencialidades são pouco explorados. No caso das avaliações externas e em larga escala, o debate ainda precisa se realizar dentro das escolas para que seus impactos possam contribuir para a compreensão dos contextos e para o aprimoramento da qualidade do que se faz. Ainda há muita resistência, seja porque escolas não se identificam com os resultados, seja porque se sentem ameaçadas.

Do que trata o livro “Avaliação educacional: de aprendizagem, institucional, em larga escala”?

Lopes: O livro trata de cada uma dessas vertentes avaliativas e de suas possíveis articulações na escola de educação básica. Nele, buscamos apoiar as reflexões que poderão contribuir para a elaboração, revisão ou adoção de determinados modos de fazer a avaliação e de usar seus resultados.

O livro tem cinco capítulos: o primeiro apresenta aportes mais conceituais e comuns às três vertentes avaliativas abordadas; os três capítulos seguintes abordam as vertentes, suas características, finalidades, potencialidades e práticas vigentes; e o último capítulo articula as discussões anteriores e convida para prosseguir o debate.

O que motivou vocês a escreverem este livro sobre avaliação educacional? Vocês enxergavam lacunas sobre o tema?

Lopes: Na verdade, há uma vasta literatura sobre a avaliação educacional e um grande acúmulo de reflexões e sistematizações nesse campo, mas nem sempre essas reflexões são debatidas, atritadas ou mesmo questionadas na formação inicial docente ou no interior das escolas, onde o debate coletivo se dá. Então, o livro tem essa pretensão: de ser um aporte para as reflexões e um disparador do debate que visa contribuir para a atribuição individual e coletiva de sentidos na avaliação que acontece nos diversos contextos escolares.

A avaliação pode ser um instrumento para construir uma escola menos desigual?

Lopes: Sim, sem dúvida! A avalição deve servir para apoiar a existência de uma escola a cada dia menos desigual, na medida em que ela se torne indissociável do planejamento, compartilhada e debatida coletivamente e que seus resultados sejam compreendidos e reconhecidos pelas pessoas envolvidas – estudantes, suas famílias e equipes escolares.

A avaliação pode evidenciar as discriminações de gênero, raça, classe e deficiência e, a partir dessa evidenciação, pode desencadear debates coletivos que levem ao combate e ao enfrentamento dessas desigualdades, de modo que cada estudante possa desejar e ser o que quiser, agora e no futuro.

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Crédito da imagem: Gustavo Vilas Boas

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