Maria Eunice de Brito Calda, de 65 anos, mora no município de Cruz das Almas, próximo ao campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Um dia, quando estava na biblioteca da cidade, uma funcionária do local lhe mostrou um cartaz sobre o Programa da Maturidade (Promat) – proposta de Universidade Aberta à Terceira Idade (UATI) que acontece na UFRB.
“Eu gosto muito de fazer atividades e conhecer coisas novas. A bibliotecária sabia e me disse que provavelmente iria gostar de participar do projeto. Ingressei a primeira vez em 2016 e já cursei disciplinas como ecologia aplicada, agroecologia e paisagismo”, revela. As UATI são projetos de extensão das universidades que visam a integração e formação de pessoas com mais de 60 anos.
“A proposta é abrir atividades para além da qualificação, capacitação profissional ou elevação de escolaridade. São atividades livres com objetivos outros que não acadêmicos, como maior inclusão dessa população que, muitas vezes, não pode acessar o ensino superior”, explica a coordenadora do Promat na UFRB, Tábata Figueiredo.
Formatos variados
Coordenador do programa USP 60+, da Universidade de São Paulo, Egídio Dórea destaca que as UATI surgiram em Toulouse, na França, na década de 1970. “O objetivo principal era oferecer algumas atividades recreativas para a população idosa que estava aumentando em termos demográficos. O sucesso fez a proposta se expandir pela Europa, algumas focando mais atividades culturais e outras em recapacitarão profissional”, conta.
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A maioria das UATI funciona gratuitamente e não exige formação prévia. “O foco pode mudar, com algumas enfatizando ações de saúde e qualidade de vida; outras oferecendo atividades apenas para pessoas 60+, sem integração com outras faixa-etárias”, contextualiza Figueiredo.
Na UFRB, a opção foi oferecer o programa gratuitamente e visando integrar os participantes do Promat com os alunos de cursos regulares da universidade, na maioria, jovens. “Os docentes dos cursos regulares abrem de duas a cinco vagas para a maturidade em suas disciplinas. Os participantes escolhem duas para cursar e possuem os mesmos direitos e deveres que os alunos regulares do curso. Ao final, recebem o certificado”, afirma Figueiredo.
Na UFRB, a seleção é realizada pela idade dos participantes, sendo os mais velhos priorizados. Também não há obrigatoriedade de formação anterior, como ensino médio completo. “Aferir conhecimentos seria um fator de exclusão. Muitos participantes vieram de zonas rurais no interior do estado, nas quais não tiveram oportunidade de escolarização. Inclusive, já tivemos um não-alfabetizado que cursou um componente curricular”, explica Figueiredo.
“Porém, estamos avaliando abrir também vagas para pessoas com formação anterior. Ao se aproximarem da universidade, muitos participantes percebem que é possível ser aluno e demonstram desejo de prestar vestibular e entrar em um curso regular. Assim, eles poderiam aproveitar os créditos das matérias cursadas”, justifica.
Na USP 60+, as atividades estão estruturadas em três grades: atividades culturais específicas para o público 60+; as da grade curricular, onde os 60+ compartilham das aulas com os alunos da graduação; e atividades esportivas para grupos somente 60+ ou de faixas etárias variadas. “Todas as atividades são gratuitas e somente é necessário a inscrição e disponibilidade de vagas”, informa o coordenador.
Interação entre gerações
Muitos são os benefícios das UATI, como a interação intergeracional. “Os professores incentivam trabalhos em grupo entre nós e os alunos regulares. Assim, podemos mostrar um pouco do que sabemos e aprender com eles, que estão na universidade no dia a dia”, avalia Calda.
“Os docentes sempre relatam como a presença de pessoas mais velhas traz ganhos aos alunos regulares, como explorar novas formas de comunicação e exercer a solidariedade”, pontua Figueiredo. Segundo a coordenadora, outro ganho é os participantes maduros perceberem que a universidade pública é um local para eles. “Há casos de discentes da maturidade que escreveram e publicaram artigo científico com professores”, assinala.
Além das oportunidades de aprendizado, fortalecimento das relações e inserção social, há melhora da saúde física e mental. “Os participantes adquirem propósitos, melhoram a autoestima e participação social”, enfatiza Dórea.
Mudança social
Com o aumento da população 60+ no país, as UATI também passam por mudanças. No caso do projeto da USP, iniciado em 1994, o nome foi alterado para USP 60+ em 2020. A intenção foi se referir ao público acima dos 60 anos de forma mais inclusiva, sem juízo de valor ou cargas negativas.
“Estamos falando de um novo panorama de curso de vida — não mais em uma vida de três estágios. Vivemos uma evolução da longevidade e múltiplas oportunidades de ressignificação pessoal e profissional”, ressalta Dórea. “Este segmento populacional é o único que tem crescido e crescerá nas próximas décadas — vide os novos dados do IBGE. Necessitamos de políticas públicas para um envelhecimento saudável e a USP 60+ é uma delas”, avalia.
Caldas conta que recomenda as UATI para amigos e parentes. “Muitos ainda acham que a universidade é coisa para jovem, quando é importante ter contato com coisas diferentes e não passar todo o tempo recluso em casa”, finaliza.
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