Diversos são os riscos aos quais crianças e adolescentes estão expostos ao jogar online sem supervisão. “Tais ameaças mudam de acordo com a faixa etária e o tipo de jogo”, explica a doutora em psicologia clínica, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e membro do Instituto Criança em Jogo Ivelise Fortim.
As ameaças mais comuns são:
- Ofensas e cyberbullying: “Ataques diretos, humilhações públicas nas salas de chat e exclusão de partidas, que podem afetar a autoestima e o bem-estar de crianças e adolescentes”, explica a doutoranda em psicologia e membro do Núcleo de Pesquisa e Intervenção em Famílias com Bebês e Crianças da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NUFABE/UFRGS) Indianara Sehaparini.
- Coleta de dados pessoais: “Podem vir disfarçados de ‘brincadeira’, sendo então usados em golpes”, acrescenta Sehaparini.
- Incentivo a comportamentos de risco: como uso de drogas, autolesão e ideação suicida.
- Discurso de ódio e incitação à violência: manifestações de racismo, sexismo, LGBTfobia, xenofobia e até apologia ao nazismo. “Para meninos, o risco mais frequente é ser aliciado para entrar em grupos extremistas”, adiciona Fortim.
- Ameaças e tentativas de extorsão: chantagens com uso de informações coletadas e intimidações para obter dinheiro ou mais dados pessoais.
- Exposição a conteúdo impróprio: vídeos, imagens ou links com violência extrema ou conteúdo sexual explícito.
- Assédio, importunação e exploração sexual: pedidos de fotos íntimas, conversas com conotação sexual e tentativas de grooming digital, processo em que um adulto conquista a confiança de uma criança ou adolescente gradativamente com o objetivo de exploração sexual. “No caso do grooming em jogos, os aliciadores elogiam habilidades, oferecem itens raros do jogo e ajudam em missões. Podem fingir ter a mesma idade, gostos e problemas que a criança, oferecendo escuta para criar dependência emocional. O processo pode durar meses até o envolvimento, que evolui para pedidos de conteúdo íntimo e, quando a criança se expõe, chantagem”, detalha Sehaparini.
Identificando problemas
Mudanças de comportamento, ansiedade para jogar em horários específicos, pedidos por privacidade, apagar frequentemente o histórico de conversas e permanecer muito tempo em aplicativos como Discord, WhatsApp ou Telegram sem permitir supervisão de um adulto podem indicar problemas, como aponta Sehaparini, que também sugere atenção com transações financeiras suspeitas em itens do jogo ou compras sem autorização.
“O ideal é monitorar os jogos o tempo todo, não esperar o sinal da mudança de comportamento para isso”, enfatiza Fortim.
Interação com desconhecidos
Nem todos os jogos permitem contato com desconhecidos. “Alguns possibilitam a criação de salas privadas para jogar apenas com amigos e pessoas conhecidas. Em alguns casos, o contato só é possível por meio da troca de códigos ou ‘pedidos de amizade’ prévios entre contas digitais”, ensina o psicólogo Pedro Goularte Lara.
“Além disso, o problema não está exatamente em jogar com desconhecidos, mas o tipo de interação que a plataforma ou que o jogo oferece. Quanto mais recursos disponibiliza, como chats de texto, voz e vídeo, maiores tendem a ser a exposição e o risco”, aponta.
“Aqueles que utilizam apenas emojis ou mensagens de texto predefinidas podem proporcionar experiências seguras mesmo nesse contexto”, diferencia.
No caso de jogos que permitem partidas abertas com desconhecidos e contato em diversos canais de comunicação, é possível limitar recursos.
“Os pais devem acompanhar a criação das contas porque essas restrições normalmente se baseiam na autodeclaração da idade, inserida pelo próprio jogador no momento do cadastro e que muitas vezes pode ser facilmente alterada”, diz Lara.
É também preciso orientar as crianças sobre essas interações, como alerta Fortim. “O conceito de pessoa desconhecida para um adulto pode não ser o mesmo para uma criança. Na perspectiva dela, um possível abusador pode ser visto como um colega de jogo”.
“Os pais devem orientar crianças e adolescentes para que entendam o ambiente online dos jogos como uma extensão presencial, onde nem todos são confiáveis e não se pode pedir segredos, favores ou conteúdos íntimos”, acrescenta Sehaparini.
14 dicas para colocar em prática
“A melhor proteção vem da combinação de configuração de segurança no jogo, preferência por ambientes com interação limitada, supervisão constante e diálogo franco com a criança”, resume Sehaparini.
A seguir, confira algumas dicas que ajudam a monitorar o uso de jogos por crianças e adolescentes.
1) “Estabeleça combinados claros sobre quanto tempo podem jogar, quantas partidas e em quais momentos da rotina”, defende Lara. “Combinem um acordo por escrito listando quais jogos podem ser jogados, com quem se pode falar, quando usar voz, o que fazer se receber convites suspeitos, como pedir ajuda e como será a supervisão dos responsáveis”, adiciona Sehaparini.
2) Não ameace retirar o celular da criança em casa de problemas. “Ela pode não querer relatar uma situação de abuso com medo dessa perda. Prefira conversar e negociar o que ela pode ou não fazer”, aponta Fortim.
3) Saiba o que seu filho joga. “Os jogos são diferentes entre si”, lembra Fortim.
4) Restringir o acesso a determinados jogos, com base em classificação indicativa. “Mais do que números, a classificação indicativa indica quais a conteúdos a criança poderá ser exposta, informação importante de se conhecer”, diz Fortim.
5) Ao descobrir os jogos que seu filme usa, busque vídeos de influenciadores que se filmam jogando o mesmo título. “Isso ajuda a entender o tipo de conteúdo ao qual ele será exposto”, ensina Fortim.
6) “Mostrar interesse genuíno pelo que a criança joga, sem desqualificar, cria diálogo, acolhimento e vínculo. Ela sente que o adulto quer integrar seu mundo”, aconselha a doutoranda em psicologia Gabriela Brito Pires.
7) “Peça para a criança ensinar você a jogar, explicando como ganha pontos ou como interage com colegas”, acrescenta Pires
8) Alerte a criança para ter cuidado com convites para migrar do jogo para outras plataformas, como WhatsApp e Telegram. “Os problemas podem começar aí, não no jogo”, alerta Fortim.
9) Segundo Fortim, controles parentais são eficazes com crianças até os dez anos. “Depois disso, elas podem aprender a burlar bloqueios, sendo mais efetivo o diálogo”.
10) “Alguns jogos e plataformas podem oferecer relatórios com estatísticas de uso, jogos acessados, tempo dedicado e com quem seu filho interagiu”, aponta Lara.
11) Limite participação ou funções de comunicação com outros jogadores online quando é permitido tal controle.
12) Controle ou bloqueie compras dentro dos jogos.
13) Ao suspeitar de manipulação ou exposição a conteúdo inadequado, priorize uma conversa aberta, acolhedora e sem culpabilização.
14) “O videogame não é só problema, também proporciona experiências incríveis. Ninguém joga para sofrer assédio ou bullying, mas porque aprende, se diverte e compartilha momentos. Um jogo pode gerar conexões e aprendizados — como aprender outro idioma, desenvolver trabalho em equipe ou viver momentos juntos, por exemplo, jogando com primos que estão em outros lugares”, finaliza Fortim.
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Crédito da imagem: Alistair Berg – Getty Images