O mundo é repleto de sons de todas as espécies. “Dependendo da caraterística, intensidade e local, eles podem ser agradáveis ou desagradáveis. A poluição sonora é quando o som se torna inadequado”, sintetiza a engenheira ambiental especialista em acústica e vibrações Elisa Murgel.

“Outra definição diz respeito ao impacto da pressão sonora na saúde humana: se isso ocorrer, estamos diante de uma poluição sonora”, esclarece o advogado Roberlei Belinati, que pesquisa a fiscalização do problema no Distrito Federal (DF). A poluição sonora é considerada, ainda, um problema ambiental. “Há um impacto físico, pois as ondas incidem sobre seres humanos e fauna”, completa Murgel.

“Assassina silenciosa”

A intensidade do som é medida pela escala de decibél (dB). Para a Organização Mundial de Saúde (OMS), a poluição sonora de 50 dB (decíbeis) prejudica a comunicação e, após 55 dB, causa problemas de saúde. A lista de sintomas causados por esses sons inclui estresse, ansiedade, depressão, dor de cabeça, insônia, cansaço e irritação. Em casos graves, pode ocorrer zumbido e perdas auditivas.

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“Nos humanos, o som atípico é entendido pelo cérebro como um sinal de ameaça, que prepara o corpo para lutar ou fugir. Há alterações fisiológicas como aumento da pressão arterial e de hormônios vinculados ao estresse, o que prejudica a saúde cardiorrespiratória”, alerta Murgel.

Por esse motivo, a professora holandesa Kirsten Van Den Bosh, da Universidade de Groningen, chama a poluição sonora de “assassina silenciosa”. “O cérebro não evoluiu para receber o impacto de tanto som ou ruído emanados pelas cidades. E poucos associam o problema de saúde ao barulho absorvido diariamente”, pontua Belinati.

Na fauna, a poluição sonora pode desequilibrar o ecossistema. “Algumas espécies mais sensíveis podem fugir e isso influencia na cadeia alimentar, porque pode faltar comida ou haver aumento de presas. Isso cria uma nova reconfiguração ecológica no local”, ensina Murgel. “A poluição sonora ainda altera o canto das aves; prejudica a comunicação entre as espécies; sua distribuição espacial; aumenta o nível de estresse animal e reduz reprodução e biodiversidade”, acrescenta Belinati.

Poluição ambiental x perturbação do sossego

Estabelecimentos comerciais, indústrias e obras são fontes de poluição sonora na cidade, porém, o trânsito é a principal delas.“Mais pela abrangência do que pela intensidade. Todas as cidades têm uma via de acesso e todos nós, como necessitamos nos locomover, estimulamos o problema”, explica Murgel.
Em 2020, foram registradas pela Polícia Militar do Distrito Federal mais de 50 mil ligações ao 190 reclamando de veículos. “Planejamento urbano e pensar as áreas que serão residenciais resolveria o problema, mas não é uma realidade”, acrescenta Murgel. Segundo a engenheira, o tráfego também é a fonte mais difícil de controlar. “É diferente de uma indústria, na qual você pode substituir o maquinário ou mesmo encapsulá-lo”, compara.

Mas como saber se o barulho é legalmente uma poluição ambiental? A Resolução nº 001/1990 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) reúne os critérios para os ruídos emitidos em atividades comerciais, industriais ou sociais. Já os valores permitidos em decibéis são listados pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) na norma 10.152 – Avaliação do Ruído em Áreas Habitadas. Ela divide os limites dos níveis de pressão sonora por tipos de áreas habitadas e por período diurno e noturno.

Em área estritamente residencial urbana ou com hospitais e escolas, o limite é 50 dB no período diurno e 45 dB no noturno. Os valores aumentam em áreas mistas de residência e comercio (55db); predominantemente comerciais (60db); industriais (70db) e em jornadas de trabalho em fábricas (85db). “Se a emissão é maior, pelo conceito legal, poderíamos falar que existe poluição sonora e o emissor poderia ser penalizado”, pontua Belinati.

Há ainda uma diferença entre poluição sonora e perturbação do sossego alheio. Enquanto a poluição sonora é crime ambiental estipulado no artigo 54 da Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), a perturbação está descrita no artigo 42 do Decreto Lei n.3.688 (Lei de Contravenções Penais).

“Na prática, ao acionar a polícia contra uma fonte de ruído, o policial não possui capacidade técnica para mensurar a pressão sonora, por meio do equipamento apropriado (decibelímetro). Portanto, lavra-se um boletim de ocorrência contra o poluidor, imputando-lhe a contravenção penal de perturbação do sossego, cuja pena é irrisória ou sequer há uma”, diz Belinati. “No Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) não existe condenação de poluidor sonoro por crime ambiental, apenas por contravenção penal por perturbação do sossego”, denuncia.

Evitando o problema

O incômodo causado pelo som é subjetivo: a música elevada que uma pessoa ouve pode ser a poluição sonora de outra, como explica Murgel: “O som de uma cachoeira pode ter altíssima intensidade, maior que a da estrada que leva a ela. Porém, é natural, agradável, e não será lido pela maioria das pessoas como poluição ambiental.”

O inverso também acontece. “Já fiz medição de sons que estavam com intensidade dentro da lei, mas, para o reclamante, era um incômodo”, compartilha Murgel. “Além da sensibilidade de cada um, vivemos em um país tropical com estruturas de paredes e janelas mais finas”, destaca a engenheira.

Combater a poluição ambiental exige consciência de que vivemos em comunidade e que todos nós podemos ser geradores do problema em potencial. “Assim, vale medidas como ouvir som em baixo volume, dirigir de janela fechada, arrumar o escapamento do carro e comprar eletrodomésticos menos ruidosos – todos possuem um selo do Inmetro que especifica a intensidade do som que emitem”, orienta Murgel.

“Contra o problema, instale janelas de revestimento acústico; observe a vizinhança antes de mudar para um imóvel; utilize protetores auriculares em trabalhos com ruído; discuta o tema nas assembleias dos condomínios e estipule multas para infratores. Vale ainda cobrar prefeitura e administradores públicos para fiscalização e novas políticas públicas sobre o problema”, ensina Belinati.

Já o órgão para denunciar um ruído insistente dependerá da fonte. “O órgão ambiental do estado é responsável pelas indústrias e o município por estabelecimentos comerciais e obras”, explica Belinati, destacando que a poluição sonora pode ser combatida nas três esferas: administrativa, cível e penal. “Na esfera administrativa, é possível denunciar a fonte de poluição perante os órgãos de fiscalização ambiental. O infrator pode ter seu estabelecimento interditado”, afirma.

“Na esfera cível, a vítima da poluição sonora pode requerer reparação de danos morais e materiais. Na esfera penal, pode-se ligar para a polícia militar e registrar um boletim de ocorrência”, diz Belinati.“Em todos os casos, vale um diálogo antes com o emissor da poluição ambiental para tentar negociar. Se uma obra, por exemplo, das máquinas não serem ligadas muito cedo”, recomenda Murgel.

Caso haja poluição ambiental, a engenheira lista três linhas de enfrentamento. A primeira é minimizar a emissão do ruído, como trocar equipamentos de uma obra por outros mais silenciosos.“O segundo é evitar a propagação do som por meio de barreiras acústicas. Por exemplo, encapsulando máquinas, como acontece nos prédios que colocam os geradores em contêiners”, indica. A última alternativa é proteger o receptor. “Por exemplo, instalando janelas antirruídos em sua casa”, conclui.

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