O marco temporal é uma tese que estipula o direito sobre a demarcação de terras apenas para etnias indígenas que estivessem naquele território até o dia cinco de outubro de 1988, a data em que a Constituição Federal Brasileira foi promulgada.
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade da pauta. Paralelo a isso, foi aprovado na Câmara Federal, com apoio da bancada ruralista, um projeto de lei (PL 490/2007) que também tento o instituir. O texto tramita agora no Senado como PL 2.903/2023.
“O julgamento do STF é importante porque fala sobre o modelo de país que queremos seguir: se o de uma herança colonial ou o que respeita a constituição, os direitos humanos, a diversidade cultural e, sobretudo, o direito dos povos indígenas sobre seus territórios”, introduz o coordenador Jurídico na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), Maurício Terena.
A seguir, cinco perguntas explicam o que é o marco temporal de terras indígenas e suas consequências caso aprovado.
1) O que é o marco temporal de terras indígenas?
É uma teoria que estabelece o critério de reconhecimento do direito de demarcação de terras exclusivamente para povos indígenas que estavam presentes em seus territórios até cinco de outubro de 1988, quando a Constituição Federal Brasileira foi promulgada.
2) Quais são os argumentos a favor?
O marco temporal tem o apoio dos ruralistas e de setores que possuem interesse econômico nos recursos presentes em territórios indígenas, tais como mineradoras, madeireiras, setores de pesca industrial e da indústria petroleira.
Estes defendem que os indígenas já estão integrados à sociedade brasileira e, assim, não necessitariam da demarcação de terras para manter suas tradições. Acreditam haver muita terra para poucos indígenas — seriam 117 milhões de hectares de terras indígenas segundo Fundação Nacional dos Povos Indígena (Funai), e o uso delas poderia estimular o desenvolvimento do país.
Para completar, a aprovação do marco temporal seria um parâmetro para as demais demarcações de terras e traria segurança jurídica.
“Uma frase comum utilizada pelos latifundiários é que os indígenas vão querer demarcar todo o Brasil, até Copacabana, se não houver um marco temporal, o que é uma mentira”, aponta Terena.
3) Quais são os argumentos contrários?
Indígenas, ambientalistas e a Defensoria Pública da União (DPU) recomendam a rejeição total do marco temporal. Um primeiro ponto é que ele desconsidera todos os povos indígenas expulsos de suas terras após invasões e ameaças de garimpeiros, grileiros, latifundiários, madeireiros, pescadores ilegais, entre outros. Dessa forma, desconsidera a violência atual e histórica sofrida pelos povos indígenas, além de não reconhecer seu direito sobre suas terras.
A tese também é tida como inconstitucional. “O artigo 231 da Constituição lembra que os direitos indígenas são originários, antecedendo a formação do Estado”, justifica o advogado da APIB.
“Assim, podemos dizer que o marco temporal é uma tese que, por mais que tentem travesti-la de jurídica, é política”, analisa Terena.
4) Quais as consequências caso o marco temporal seja aprovado?
Para Terena, a aprovação do marco temporário levaria a paralisação das demarcações de terras indígenas, já que ele serviria como referência para os processos que estão em tramitação.
“A demarcação de terras no Brasil é um processo complexo e demora anos. Isso abriria brecha para que terras demarcadas fossem questionadas na justiça, o que já acontece no judiciário brasileiro”.
Nota técnica da DPU de maio de 2023 aponta como outra consequência as graves violações de direitos humanos contra povos indígenas. “Haveria mais animosidade no campo, com pessoas se sentindo legitimadas a atacar e violentar povos indígenas”, contextualiza.
Como são áreas protegidas, haveria reflexos ambientais também. O desmatamento das florestas para plantações de monoculturas ou de pasto para gado reduziria a capacidade de absorção de CO₂ e aumento destes na atmosfera, provocando efeito estufa. Também alteraria umidade do ar e os padrões de chuva, impactando negativamente a agricultura e as fontes de água de todo o Brasil. Em escala global, contribuiria para o aquecimento do planeta e mudanças climáticas.
Outra preocupação é que a ocupação de terras indígenas pelo garimpo provoca contaminação de rios e fauna por mercúrio e aumento dos casos de malária.
“Isso colocaria indígenas e não indígenas em situação de vulnerabilidade, motivo pelo qual a pauta do marco legal deve ser de interesse de todos, não apenas dos povos tradicionais”, enfatiza Terena.
“Assim, rejeitar o marco temporal é proteger o meio ambiente e colocar o país no cumprimento das metas do acordo de Paris”, lembra o advogado.
5) O marco temporal é constitucional?
Segundo a nota técnica da DPU, não. Isso porque a tese vai contra o artigo 231 da Constituição Federal, que afirma: “são reconhecidos aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
Além disso, a DPU afirma que a Constituição Federal reconhece o Brasil como nação multicultural e não estabelece nenhum marco temporal para o reconhecimento de terras indígenas.
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Atualizado em 25/06/2024, às 10h48.