Claudia Vivacqua de Figueiredo e Hermann Pohlmann viviam na Alemanha quando seus filhos começaram a participar de uma atividade na escola. Cada criança pagava uma quantia mensal para “adotar” uma vaca e receber, ao final do mês, uma cesta de laticínios produzidos por ela.

“Os agricultores familiares da região queriam expandir o modelo para a produção de vegetais orgânicos. Criamos um grupo e abraçamos a ideia”, relembra Figueiredo.

O formato tinha nome: Comunidade que Sustenta a Agricultura (CSA), com origem no Japão e Europa antes de ser sistematizada nos Estados Unidos, em 1980. A ideia é que pessoas apoiem um agricultor local em troca de produtos orgânicos semanais ou mensais.

Contudo, a pessoa que adota também divide as responsabilidades e riscos da produção – incluindo a perda da safra por intempéries com os produtores locais. Com isso, tornam-se “co-agricultores”.

“Divulgação, contas, distribuição dos alimentos, parcerias, compras extras e afins são via trabalho coletivo”, destaca o co-agricultor da CSA Comida da Terra, de São Paulo (SP), Bruno Bosso.

Como contrapartida, tais apoiadores consomem um alimento saudável, a preço justo, que não agride a natureza e que permite ao trabalhador continuar no campo. “Não se compra, mas se financia a atividade agrícola em prol do meio ambiente e de relações sociais igualitárias”, esclarece Bosso.

Alimento saudável e a preço justo produzido pelo trabalhador do campo. (Crédito: CSA Brasil/ Divulgação)

Problemas ignorados

De volta ao Brasil em 2011, Figueiredo e o marido fundaram a primeira CSA e passaram a difundir o modelo. Atualmente, há 150 unidades no país, de acordo com a associação CSA Brasil, assim como atividades similares nos Estados Unidos, Europa, Ásia e América Latina.

“Se a iniciativa surgiu, é porque algo não funcionava bem. No caso da produção de alimentos, os problemas são muitos”, aponta o membro do Laboratório de Comercialização Agricultura Familiar (Lacaf), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Oscar José Rover.

Primeiramente, o Brasil e o mundo enfrentam êxodo rural, com mais pessoas nas cidades do que no campo. “Com menos gente produzindo e mais consumidores, a agricultura se tornou industrial e química. A maioria dos alimentos industrializados não é natural e tem substâncias envolvidas”, assinala Rover.

A produção em larga escala trouxe o uso de agrotóxicos, contaminações e adulterações, com consequências para a saúde humana e meio ambiente.

Também, a diversidade de produção de alimentos foi substituída por monoculturas: campos de soja, milho ou trigo criados, geralmente, via queimadas e desmatamentos.

“Há ainda a perda de diversidade alimentar. A literatura acadêmica estima que 90% do consumo mundial venham de 15 culturas”, conta Rover.

No âmbito social, o processo gerou desvalorização do homem do campo. Sem terra e opção de sustento, ele tende a migrar para subempregos nas cidades ou fica sujeito a situações como a do trabalho escravo.

“A dificuldade do agricultor familiar é vender o que produz. As grandes redes compram por uma mixaria e revendem mais caro. Com isso, é difícil se manter ou concorrer com quem planta em larga escala ou usando agrotóxicos”, lamenta o agricultor de orgânicos de Santa Catarina (SC), Gilson Trabuco.

Pequenos agricultores são beneficiados pela Comunidade que Sustenta a Agricultura. (Crédito: CSA Brasil/ Divulgação)

Criando pontes

A estratégia então foi aproximar quem produz de quem consome por modelos chamados ‘circuitos curtos de alimentação’, no qual a CSA é um exemplo. “Esses eliminam atravessadores, como indústria e redes de supermercados, restando apenas as duas partes mais vulneráveis”, informa Rover.

Administrador de empresas de Bauru (SP), Wagner Santos se tornou co-agricultor de uma CSA da sua região. “Agricultores familiares cultivam e protegem a terra, não a exploram. Se não temos compromisso com eles, não estamos defendendo o meio ambiente”, analisa.

“Eu não sei plantar. Se entrar em uma horta, ela corre perigo. Mas percebi que posso colaborar de forma efetiva”, revela.

Cada unidade de CSA funciona de um jeito particular, na qual o pagamento, entrega de produtos e funções dos co-agricultores variam.

“Em comum, há ajuda mútua, diversificação da produção, aceitação de alimentos da época, preços justos, relações de amizade, distribuição independente, gestão democrática, aprendizagem mútua, produção e consumo local e estabilidade”, sintetiza Bosso.

Na de Figueiredo, os co-agricultores se responsabilizam por retirar os alimentos e usam a garagem de um deles como ponto de distribuição. “Não há uso de embalagens, sacolas plásticas ou desperdício”, comemora.

Como os agricultores respeitam a época de cada alimento, as cestas semanais contêm produtos diferentes e que variam conforme a estação. “Isso garante diversidade alimentar”, lembra a membro da CSA Brasil, Ariel Molina. “Já no âmbito social, a segurança estimula a juventude rural a continuar produzindo”, aponta.

Porém, a agricultora ecológica de frutas do Pará, Lenise Oliveira, lembra que a conscientização sobre esse novo modelo não é fácil. Sensibilizar o consumidor é um dos desafios. “A principal dificuldade é reunir as famílias para um maior engajamento nas atividades”, confessa.

Um mapa no site da CSA Brasil reúne as iniciativas do tipo. “Se não encontrar uma próxima, pode ser a oportunidade para reunir amigos e criar uma na sua região”, sugere Figueiredo.

 

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