“Por um mundo digital inclusivo: inovação e tecnologia para a igualdade de gênero” é o tema do Dia Internacional das Mulheres de 2023. O assunto dialoga com a experiência da jovem ativista brasileira de direitos digitais e pela justiça de dados Luísa Franco Machado, de 23 anos.

Formada em ciência política e mestre em administração pública, Machado usa a tecnologia e as redes sociais para defender os direitos humanos. Por esse motivo, ela foi escolhida para estar entre os 17 jovens líderes da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Em entrevista, a ativista e pesquisadora explica como a tecnologia ainda promove desigualdade de gênero, mas também seus potenciais para mudar este panorama. Um exemplo é a necessidade de estimular mais mulheres na gestão das grandes plataformas digitais e nas equipes de tecnologias que desenvolvem inteligência artificial e códigos.

Luísa Franco Machado
Luísa Franco Machado fala sobre direitos digitais (crédito: ITU/D.Woldu)

“Os dados produzidos são enviesados contra mulheres e reproduzidos nessas plataformas. Exemplo são as inteligências artificiais usadas nas redes sociais para reconhecimento de fotos. O que as pesquisas apontam é que a maioria das fotos lidas como ofensivas são de mulheres”, explica. “Campanhas contra o câncer de mama, em prol da amamentação são algumas das situações classificadas como explícitas e bloqueadas por violarem políticas internas”, denuncia.

Instituto Claro: O que são direitos digitais?

Luísa Franco Machado: Podemos dizer que os direitos digitais são basicamente os direitos humanos transpostos para a era digital. Liberdade de expressão, de igualdade de gênero, de comunicação e de todos terem acesso à mesma educação são temas que estão presentes na Declaração Universal de Direitos Humanos adotada pela ONU em 1948 e que também devem ser garantidos em ambientes digitais. Então, é possível fazer esta adaptação e interpretação.

E o que é a justiça de dados?

Machado: Este é um termo que surgiu em âmbito acadêmico conforme a relação das grandes empresas de tecnologia e das plataformas digitais com a sociedade foi se estreitando. Apesar das diferentes definições, eu entendo a justiça de dados como o direito de o sujeito ter controle dos seus dados produzidos na internet e do que será feito com eles, ou seja, de ser proprietário deles. É entender que eu produzo dados ao utilizar meu celular e outros dispositivos, mas que eu posso decidir o destino deles. Um assunto que está no ramo da governança da internet, tema que tem ganhado destaque na política internacional e que mobiliza o poder público, as empresas privadas, as pesquisas acadêmicas e a sociedade civil. Basicamente, é reforçar que internet não é uma terra sem lei.

Como a tecnologia colabora hoje com a desigualdade de gênero?

Machado: Há muitos aspectos. Globalmente, mulheres têm menos acesso à internet e a dispositivos digitais. Se há um celular por família, é comum que o homem seja o usuário principal. Em termos de violência de gênero, o ambiente online é outro espaço onde ela pode ocorrer, agravado pelo anonimato e menos punições.

Um terceiro ponto é que grupos minorizados têm mais chances de ter dados explorados e de eles serem utilizados contra o sujeito. Você pode estar menos protegido quando depende da internet para acessar direitos básicos. Por exemplo, se uma pessoa precisa entrar em uma plataforma do governo para acessar um benefício social, esses dados precisam ser bem protegidos.

E essas pessoas geralmente são de baixa renda, negras, mães solteiras, entre outros. Há empresas que compram dados de plataformas para revenderem para terceiros. Esses dados podem determinar, por exemplo, se você vai pagar mais caro ou mais barato por um serviço, e muita gente não tem ideia disso.

Qual o papel das plataformas digitais e redes sociais nesse panorama?

Machado: Atualmente, as plataformas digitais têm muito controle sobre como as pessoas acessam a internet e estamos, como usuários, sujeitos às suas políticas 24 horas por dia. Um primeiro aspecto é que a maioria das pessoas que gerencia essas plataformas ou os criadores de códigos são homens e brancos. Então, há menos aplicativos e sites direcionados às necessidades de mulheres sem cair em estereótipos, por exemplo, como busca por beleza e compras.

Além disso, muitos dos dados produzidos são enviesados contra mulheres e reproduzidos pelos algoritmos nessas plataformas. Um exemplo simples são as inteligências artificiais utilizadas nas redes sociais para reconhecimento de fotos. O que as pesquisas apontam é que a maioria das fotos lidas como ofensivas são de mulheres.

Quando se compara fotos de homens e mulheres com o mesmo tipo de roupa, na mesma posição e com a mesma luz, o algoritmo tende a bloquear apenas a foto da mulher. Campanhas contra o câncer de mama, em prol da amamentação, são outros exemplos de fotos classificadas como explícitas e violadoras de políticas internas.

Eu mesma noto que, se faço um vídeo explicando algum tema político vestindo uma regata, ele é direcionado a menos pessoas do que quando estou com uma blusa. Ou seja, há o que chamamos de shadow banning, que é uma forma de censurar ou bloquear um usuário de forma sutil, sem que ele perceba. E ter uma foto excluída várias vezes aumenta a chance de a mulher ter sua conta bloqueada pela plataforma.

E como a tecnologia e os direitos digitais podem colaborar com a igualdade de gênero?

Machado: O acesso à tecnologia pode aumentar o acesso à educação, principalmente de mulheres que habitam áreas remotas, mães solteiras e chefes de famílias que têm filhos e uma carga de trabalho pesada. Quando há mais mulheres no desenvolvimento de tecnologias, há mais conteúdos, serviços e tecnologias feitas de mulheres para mulheres. Isso ajuda a transmitir temas além de estereótipos, por exemplo, como informações sobre violências de gênero, obstétrica, entre outras. Também ajuda a combater os vieses machistas que muitos códigos e algoritmos reproduzem.

Como você avalia o Brasil em termos de direitos digitais e igualdade de gênero?

Machado: Vejo um aumento da conscientização de questões de direitos digitais e justiça da dados na sociedade civil, que pressiona o poder público e os órgãos reguladores. Temos ONGs brasileiras reconhecidas internacionalmente no seu trabalho de conscientizar as pessoas sobre como as plataformas funcionam, como afetam negativamente mulheres e outros grupos minorizados, e a necessidade de elas serem regularizadas.

Citaria a Coalisão Direitos na Rede e a Coding Rights, que traz um olhar feminista sobre o uso das tecnologias. Muitas das políticas de dados e de conectividade desenvolvidas internacionalmente afetam o Brasil, e vejo que o país envia regularmente delegações para fóruns internacionais de governança da internet, seja para se inspirar nos aprendizados de outros países, seja também para fazer acordos. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) foi muito inspirada no Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (General Data Protection Regulation) da Europa, e vejo o mesmo caminho nas legislações que estão tratando as inteligências artificiais.

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