Os casos de racismo no futebol brasileiro caíram 19,85% no último ano, segundo dados do 11º Relatório Anual da Discriminação Racial no Futebol – 2024, que será lançado no fim de novembro. Foram 109 casos monitorados entre janeiro e dezembro de 2024, contra 136 do mesmo período em 2023. Anteriormente, as únicas quedas registradas haviam sido no período de pandemia, quando o acesso aos estádios ficou restrito.

“Podemos dizer que houve efetivamente uma queda em 2024, já que a curva vinha em constante crescimento nos anos anteriores. Porém, não é uma redução significativa, porque continuamos com números elevados”, analisa o diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho.

“Essa queda pode ser atribuída ao aumento da conscientização e da educação. Estamos falando cada vez mais sobre racismo, há mais denúncias, e os jogadores entendem que atos racistas precisam ser combatidos e não podem ser normalizados com frases como ‘o que acontece em campo fica em campo’”, acrescenta.

No entanto, Carvalho alerta que não se pode ignorar o contexto global: “No Brasil e no mundo há um crescimento do fascismo, o que inevitavelmente tem reflexo no futebol.”

Ele destaca ainda que há subnotificação de casos. O relatório registra apenas casos que foram cobertos por veículos de comunicação.

“Mas nem todas as situações aparecem na mídia. Recebemos, por exemplo, inúmeras denúncias via redes sociais e outros canais do Observatório, mas nem sempre é possível atestar a veracidade das informações. Em vídeos, por exemplo, não sabemos se o ocorrido realmente foi no jogo que o denunciante afirma ter presenciado. Por isso, há subnotificação”, lamenta.

São Paulo lidera ranking

Entre os dados do relatório ainda inédito, São Paulo aparece como o estado com mais casos de racismo no futebol. “Dos dez relatórios anteriores, em oito o Rio Grande do Sul liderou o número de casos, intercalado ou seguido por São Paulo. Desta vez, a diferença foi grande: São Paulo teve 23 casos, contra 12 em Minas Gerais e seis no Rio Grande do Sul”, adianta Carvalho.

O Observatório também mapeou 18 casos de racismo contra jogadores brasileiros no exterior, sendo 14 deles contra Vinícius Júnior, jogador do Real Madrid, da Espanha.

Apesar das dificuldades, Carvalho vê avanços positivos no combate ao racismo no futebol. “No passado, o jogador que denunciava casos de racismo sofria retaliações e tinha a carreira encurtada. Isso mudou. O próprio Vinícius Júnior, com sua postura de não silenciar diante de situações racistas, influencia positivamente outros atletas”, afirma.

Racismo recreativo

Carvalho explica que, no Brasil, o racismo se manifesta principalmente nas torcidas, um formato classificado como “recreativo”.

“O racismo recreativo vem disfarçado de piada ou brincadeira, mas continua sendo racismo. Há casos de torcedores imitando macacos, mas também de comentários pejorativos sobre o cabelo e a cor do jogador negro”, ressalta.

Os casos de racismo no futebol são denunciados à Justiça Desportiva, que costuma julgar com mais rapidez — em até 60 dias. “Na justiça comum, isso levaria de cinco a dez anos”, compara Carvalho.

Mesmo assim, ele considera as penas brandas, o que passa uma sensação de impunidade para a sociedade. “A legislação esportiva que trata do crime de racismo é severa e prevê perda de pontos para o time, multa e até exclusão do campeonato. Mas, na prática, o que vemos são apenas multas”, comenta.

“Essas punições não inibem novos ataques e trazem sentimento de impunidade. Para a sociedade, uma multa de 10 mil ou 20 mil reais para um clube que fatura milhões é vista como inócua.”

Ainda assim, ele avalia que as multas são válidas. “A Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) estipula multa de até 100 mil dólares em casos de racismo na Copa Libertadores. Tanto não é pouco que os times recorrem para não pagar.”

Carvalho ressalta também que raramente a Justiça Desportiva impõe aos times campanhas educativas obrigatórias como punição ao preconceito racial. “Essas ações são necessárias, principalmente nas categorias de base, onde estão jogadoras e jogadores que serão os futuros profissionais e que irão sofrer ou reproduzir o racismo no esporte. As vítimas precisam saber que não precisam silenciar.”

Responsabilidade compartilhada

Carvalho lembra que os torcedores têm papel fundamental no combate ao racismo, já que os casos geralmente acontecem nas arquibancadas.

“Quando assistimos aos vídeos das denúncias, vemos torcedores ao redor da pessoa racista rindo. Nesses casos, torcedores e seguranças deveriam identificar o autor do ato e encaminhá-lo à polícia. Um torcedor não deve proteger alguém racista, mesmo que seja do seu time. Identificado, ele deveria ser proibido de frequentar futuros jogos. Isso ajudaria a inibir novas atitudes racistas”, defende.

Já aos clubes caberia criar campanhas de conscientização com atletas das categorias de base, seguranças de estádios, torcedores e sócios.

“A questão é que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e a Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) são associações de clubes. Assim, mesmo quando o presidente do conselho tenta pressionar por penas mais duras, os times que estão ali são contra. Ou seja, não basta o clube se declarar antirracista: seu conselho técnico precisa apoiar iniciativas que endureçam as punições”, defende Carvalho.

“Sem punição severa, as próprias campanhas de conscientização se tornam menos efetivas”, conclui.

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Crédito da imagem: tomazl – Getty Images

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