Ir ao estádio para assistir livremente aos jogos do time de coração ainda não é uma realidade para os torcedores LGBTI+ dos grandes clubes de futebol. As arquibancadas não são seguras para essas pessoas, que precisam evitar ser reconhecidas como LGBTI+ para não sofrerem agressões físicas e verbais.“O futebol não é um espaço à parte da sociedade. Se temos uma sociedade que ainda é racista, machista, que mata LGBTI+ e nega a existência da identidade de gênero de muitos cidadãos, isso também se reflete no esporte e vice-versa”, explica um dos fundadores da torcida Palmeiras Livre William De Lucca.

“Da mesma forma, não são apenas as torcidas que são lgbtfóbicas, mas também os clubes, seus conselheiros, as federações, estádios e jogadores. É institucionalizado”, resume. Para ele, o futebol ainda é o espaço de exacerbação da masculinidade tóxica, que recrimina qualquer menção ao feminino que não seja pejorativa. “Vide os cantos das torcidas, que utilizam expressões machistas ou contra LGBTI+ para ridicularizar os adversários”, acrescenta.

William De Lucca
William De Lucca com a camisa de sua torcida (crédito: acervo pessoal)

“É como se esse espaço não fosse pensando para essas pessoas. Não há tantos casos de homofobia ou transfobia porque estes nem chegam a ir aos estádios, a não ser como invisíveis”, afirma De Lucca. “É necessário ter responsabilidade para tratar o tema. Não adianta falar para o torcedor dar a mão para o seu companheiro ou abrir uma bandeira LGBTI+ na arquibancada que será tranquilo. Infelizmente, a sua existência estará em risco”, lamenta.

Educar para transformar

Contra o problema, tem crescido as torcidas de grandes times que reúnem torcedores LGBTI+. Caso da Marias de Minas, criada pelo cruzeirense Yuri Senna. “O nome resgata um termo pejorativo que os atleticanos usam para se dirigir aos torcedores do Cruzeiro”, conta. Tudo começou quando Yuri respondeu uma mensagem homofóbica no Twitter de uma torcedora do seu próprio time, que viralizou. “Muitos entraram em contato e eu percebi que não era o único LGBTI+ apaixonado por futebol”, relembra.

Leia também: Times de futebol LGBTQ+ criam ambiente seguro para essa população praticar o esporte

No início, a ideia era apenas reunir amigos para os dias de jogo. “Porém, a sequencia de ameaças recebidas pela internet estimulou os participantes a se entenderem como um coletivo para prevenir a LGBTfobia no futebol”, assinala. Em 2019, Yuri e o namorado chegaram ser fotografados de mãos dadas em um estádio, sem autorização. “A imagem viralizou e eu precisei fazer boletins de ocorrência contra 25 pessoas, incluindo sobre duas ameaças de morte”, conta.
De lá para cá, as Marias de Minas passaram a criar material educativo sobre o tema para os clubes, federação mineira de futebol e estádios. Para completar, também se reuniram com outras 17 torcidas LGBTI+ nacionais de grandes clubes para criar o Coletivo Nacional de Torcidas LGBTQ Canarinhos Arco-Íris. “Cada torcida é referência em seus clubes, estados e regiões. Mas era preciso um espaço de articulação em âmbito nacional, além do clubes. Para monitorar o tema, trocarmos experiências e nos posicionarmos de forma coletiva”, aponta Yuri.

Mudança interna

A presença de torcedores LGBTI+ nos times também faz com que estes revisem suas políticas para a diversidade. Exemplo foi a Coral Pride, torcida do Santa Cruz tocada por June Silva. Ela, uma técnica e uma jogadora do time feminino de futebol haviam sido convidadas para participar de um vídeo sobre diversidade em homenagem ao aniversário do clube. “Recebi mais ameaças da torcida do próprio time do que dos rivais”, relembra.

A partir desse momento, o clube passou a ouvir mais as demandas da torcida LGBTI+ e, em 2020, convidou June para ser coordenadora de um núcleo de diversidade interno. “Sinto falta principalmente de conscientizar funcionários sobre o tema, porque há o risco de ataques no deslocamento até o estádio. Se houver uma agressão por LGBTfobia, a vítima precisa ser bem acolhida”, observa.

torcida coral pride
Torcida Coral Pride (crédito: divulgação)

Para Yuri, educar os jogadores também é fundamental. “Eles não percebem o quanto influenciam os torcedores, e precisam ser conscientizados para não reproduzir preconceitos”, enfatiza. Algumas mudanças positivas já são vistas nos últimos dois anos.

Um monitoramento de redes sociais feito pela Marias de Minas mostrou que mais clubes estão se engajando na semana do Orgulho LGBTI+, com tentativas de educar a torcida contra o preconceito que seus torcedores sofrem. “Da série A, apenas dois clubes não fizeram no último ano. Ainda que sejam postagens tímidas, é um avanço”, opina Yuri. “São essas medidas em prol da diversidade que fazem um time ser realmente considerado ‘do povo’. Caso contrário, vira apenas um grito de arquibancada sem significado”, conclui June.

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Atualizado em 09/06/2021, às 09h55

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