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No final de 2021, a diversidade ganhou novos traços no universo das histórias em quadrinhos (HQ). A DC Comics anunciou uma segunda tiragem de “Superman: Son Of Kal-El #5”, em que o filho do Super-Homem, que durante algum tempo vai substituir o herói, se declara bissexual. No entanto, a presença de personagens LGBTI+ não é novidade nos quadrinhos.

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Primeiras representações

“O aparecimento de personagens LGBT se dá, principalmente, nas bordas, nos quadrinhos independentes, nos quadrinhos underground, desde a década de 1970. Para eles entrarem na grande indústria — a DC Comics, Marvel Comics, Disney – levou um pouco mais de tempo”. A afirmação é do professor Waldomiro Vergueiro, responsável pelo grupo de pesquisa Observatório dos Quadrinhos, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), ouvido neste podcast. Ele ressalta que a chamada “grande indústria” é normalmente conservadora, mas reflete a sociedade de seu tempo.

Waldomiro Vergueiro representatividade
Professor Waldomiro Vergueiro é o responsável pelo grupo de pesquisa Observatório dos Quadrinhos, da Escola de Comunicações e Artes, da USP (crédito: reprodução/ Cecília Bastos – USP Imagens)

“Grandes editoras não são boazinhas. Elas não estão preocupadas em respeitar as diversidades. Elas estão preocupadas em lucrar”, defende. E segue: “No início, você vai ter, inclusive, a grande indústria acompanhando a sociedade naquela postura de ostracismo desses personagens, de hostilização”. O professor aponta, no entanto, que as obras acabaram acompanhando um movimento mais recente da sociedade no sentido da inclusão e da diversidade.

Assim, Vergueiro só vê benefícios na presença de personagens LGBTI+ nos quadrinhos. “Na medida em que a sociedade compreende que essas pessoas fazem parte da dela como um todo, vamos incorporá-las muito melhor. Nas últimas décadas, a gente viu essa compreensão se ampliar no país, felizmente. Não que a gente viva num mundo perfeito, mas melhorou muito em relação há trinta anos atrás”, conclui.

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Transcrição do Áudio

Música: “O Futuro que me Alcance” (Reynaldo Bessa), versão instrumental

Waldomiro Vergueiro:
O importante é a gente pensar, quer dizer, quando a história em quadrinhos, mesmo que não seja na velocidade ou não seja como uma proposta de vanguarda, mas estando a reboque da sociedade – a indústria de quadrinhos incorpora essas ideias – ela está contribuindo para a propagação dessas ideias na sociedade pra melhor aceitação de todas as diversidades. Acho que isso que é importante.
Eu sou o professor Waldomiro Vergueiro, coordenador do Observatório de Histórias em Quadrinhos da USP – ECA (Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo), há quase quarenta anos trabalhando com pesquisas em quadrinhos.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcelo Abud:
Não é de hoje que as histórias em quadrinhos trazem personagens LGBTI+ em suas produções. No entanto, inicialmente eram vistos apenas no mercado independente. Logo, aparecem sem muito destaque na grande indústria, até ganharem força a partir dos anos 2000.

Waldomiro Vergueiro:
O que aparece mais para o público externo é a grande indústria de comunicação de massa, que são super-heróis, os quadrinhos infantis da Disney, os mangás e tudo o mais. Mas a indústria em quadrinhos também é composta pelos quadrinhos undergrounds, os quadrinhos independentes, os fanzines (produzidos diretamente pelo autor) e publicados fora da indústria.
Nesse contexto todo você tem o aparecimento de personagens LGBT e, principalmente, nas bordas, eu diria, nos quadrinhos independentes, nos quadrinhos underground, a gente vai ter a aparição desses personagens já desde a década de 70. Para eles entrarem na grande indústria, na indústria mais econômica, né – a DC Comics, Marvel Comics, Disney – levou um pouco mais de tempo. Porque essa indústria ela é, por natureza, mais conservadora. Então você vai ter só no final da década de 70, você vai ter alguns personagens dos super-heróis que vão aparecer…

Música: “Robocop Gay” (Alecsander Alves / Julio Cesar Barbosa), com Mamonas Assassinas
Um ser humano fantástico
Com poderes titânicos
Foi um moreno simpático
Por quem me apaixonei

Waldomiro Vergueiro:
No início, você vai ter, inclusive, a grande indústria acompanhando a sociedade naquela postura de ostracismo desses personagens, de hostilização desses personagens, né? Existe um personagem, o sidekick (personagem mirim) do Capitão América, que morre de AIDS e que se subentende que era homossexual. E assim, aos poucos, vão aparecendo alguns personagens nessa grande indústria. E essa indústria vai sentindo a mudança dos tempos e vai incorporando esses personagens no seu universo. Mas é sempre – a indústria está a reboque dos tempos – ela não está adiante.
A grande indústria – isso aí é válido para os quadrinhos, como é válido por qualquer outra grande indústria – ela vai sentir o ambiente e vai incorporar esses novos costumes ao poucos, até o momento em que eles fizerem parte da sociedade. Então ela está sempre a reboque, ela não vai estar antes da sociedade. A vanguarda, nos quadrinhos, vai surgir nos quadrinhos underground e nos quadrinhos independentes. Aí você vai ter a vanguarda.

Marcelo Abud:
As mudanças nos quadrinhos acompanham a sociedade em que eles estão inseridos e acontecem aos poucos.

Waldomiro Vergueiro:
Personagens secundários, depois um outro personagem que estava esquecido que se transforma – na DC Comics, você teve um determinado momento que se falou ‘não, o Lanterna Verde vai se declarar homossexual’. Na realidade, não era o Lanterna Verde, era o Lanterna Verde de uma terra paralela, que era um personagem que se achava até em segundo plano. Nem se explorava mais. Depois, a Batwoman, que se declarou homossexual. Daí essa teve um maior destaque, já teve até uma projeção maior no universo do personagem Batman, que mostrou para a editora que era uma jogada que podia dar lucro, que podia gerar boas perspectivas pra editora. Então foi um personagem que foi explorado bastante nas histórias em quadrinhos, que depois se transformou em série de televisão e tal, e explorando muito o aspecto diversidade…

Música: “Etérea” (Criolo)
É necessário quebrar os padrões
É necessário abrir discussões
Alento pra alma, amar sem portões
Amores aceitos sem imposições

Waldomiro Vergueiro:
E agora alguns personagens mais próximos do protagonismo (não são ainda as grandes estrelas, mas são bem próximos). Então, o último caso, é o filho do Super- Homem, que durante algum tempo vai substituir o herói como o Super-Homem e que se declara bissexual. Então as editoras estão incorporando cada vez e cada vez ousando mais. As grandes editoras não são boazinhas, elas não estão preocupadas em respeitar as diversidades, elas estão preocupadas em lucro, em se manter no negócio. Pra manter no negócio elas têm que incorporar a questão da diversidade nas suas histórias. Eu diria que, nesse momento, as grandes editoras estão experimentando, vendo como que é a reposta do público para depois ampliar mais a incorporação dos grupos LGBT.

Marcelo Abud:
O pesquisador afirma que a história em quadrinhos acompanha o tempo do público e que, se não falar do que acontece na sociedade, perde leitores.

Waldomiro Vergueiro:
Esses quadrinhos que estão incorporando as novas diversidades, digamos assim, eles têm um impacto forte no público e vendem mais, porque a sociedade se manifesta. Os fãs, os leitores, se manifestam se estão de acordo com isso ou não. E hoje a sociedade incorpora todas as diversidades de uma maneira muito mais tranquila. A experiência mostra que na medida em que as histórias em quadrinhos incorporam aquilo que existe na sociedade, elas crescem, né, porque estão falando do dia a dia. E se você olha, hoje em dia, todas as mídias falam das diversidades. Por que as histórias em quadrinhos não iriam falar?
Não há como fugir disso: ou elas abraçam as novas tendências, os novos costumes, ou elas vão ser rejeitadas pela sociedade, né, não há como. Ainda mais você pensar que a história em quadrinhos não está isolada da outras indústrias, ela está interligada com a indústria do cinema, televisão, com a indústria da telenovela, dos jogos, dos videogames e tudo o mais. Então, mais um motivo pra ela estar falando das mesmas coisas que as outras indústrias falam. Senão ela vai ficar isolada e daí é realmente um “tiro no pé”, daí realmente as histórias em quadrinhos caminham para sua extinção.

Música: “Gente aberta – Acorda Amor” (Erasmo Carlos), com Maria Gadú
Eu não quero mais conversa
Com quem não tem amor
Gente certa é gente aberta
Se o amor me chamar
Eu vou

Marcelo Abud:
Para Vergueiro, não faz sentido a investida de grupos conservadores que afirmam que este tipo de quadrinho influencia e traz algum prejuízo a crianças e adolescentes. Ao contrário, ele considera importante que a diversidade esteja cada vez mais representada nas histórias.

Waldomiro Vergueiro:
Ajudar a aceitação na sociedade, quer dizer, na medida em que a sociedade compreende que essas pessoas fazem parte da sociedade como um todo, não são diferentes umas das outras, vamos incorporá-las muito melhor, né? E isso já aconteceu, quer dizer, nas últimas décadas a gente viu essa compreensão se ampliar no país, felizmente. Não que a gente viva num mundo perfeito, mas melhorou muito em relação há trinta anos atrás, né, na minha adolescência e assim por diante.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcelo Abud:
A história mostra que os quadrinhos são influenciados pela evolução da sociedade, mas que também influenciam para que as novas gerações tenham menos preconceito.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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