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As forças armadas têm cumprido seu papel na democracia brasileira? E que papel seria esse? Neste podcast, o professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador em relações civis-militares Juliano Cortinhas analisa o tema.

“A partir do momento que temos muitos representantes do braço armado do Estado no governo assumindo uma postura ideológica, defendendo um lado específico do embate político, a gente passa a ter automaticamente uma piora da nossa qualidade democrática”, avalia.

Para Cortinhas, é necessário o reestabelecimento de um comando político e um posterior controle civil das forças armadas. “Há todo um descompasso entre o que (as forças armadas) querem, exigem e o que efetivamente é possível fazer, porque a política é a arte da negociação e não a arte da ordem. São mundos completamente diferentes”, comenta.
No áudio, o especialista ainda faz uma análise do papel social exercido pelas forças armadas, da atuação que tiveram ao longo da história e sobre o papel que foi definido para elas a partir da constituição de 1988.

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Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Juliano Cortinhas:
Historicamente, como o Brasil não teve ao longo do tempo ameaças claramente definidas vindas de outros países, as nossas forças armadas ocuparam funções que não deveriam ocupar.
Todas as grandes transições políticas do nosso país são marcadas por um protagonismo das forças armadas, desde a independência, passando pela Proclamação da República e ao longo do século 20 tiveram protagonismo em vários momentos, inclusive assumindo o governo do nosso país depois do golpe de 64 e estabelecendo uma ditadura que cometeu vários crimes contra a sua própria população.
Então, esse protagonismo das forças armadas, que é uma constante na nossa história, é algo que nós devemos rever a partir do amadurecimento das nossas instituições democráticas.
Meu nome é Juliano Cortinhas, eu sou professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) e tenho me especializado nas relações civis-militares. Já tenho experiência também no governo: um ano na Secretaria de Assuntos Estratégicos e depois três anos no próprio Ministério da Defesa.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Em democracias bem estabelecidas, as forças armadas cuidam do resguardo do território do país contra ameaças externas. Fora isso, só atuam em situações excepcionais nas quais são o último recurso do Estado. E no Brasil, qual o papel que a carta magna define para as forças armadas?

Juliano Cortinhas:
Na constituição de 88 houve uma série de negociações a respeito do tema. Era um momento bastante peculiar, saíamos de uma ditadura militar, e isso fez com que fosse difícil colocar o papel das forças armadas num ambiente de normalidade. Pensar isso era algo tanto quanto complexo.
É preciso também a gente lembrar que as forças armadas foram protagonistas das negociações do texto, o que, na minha opinião, foi muito ruim. As forças armadas conduziram o processo de abertura para a democracia. O próprio general Golbery do Couto e Silva, um dos articuladores desse processo, chamava de ‘abertura lenta e gradual’.

Música: “O Bêbado e a equilibrista” (Aldir Blanc / João Bosco), com Elis Regina
A esperança
Dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha
Pode se machucar

Juliano Cortinhas:
Então, elas tendo articulado essa abertura, acabaram sendo protagonistas também da redação do artigo que trata do tema. E aí, no artigo 142, há três funções básicas das forças armadas: garantir a defesa nacional, proteger as instituições do Estado e a garantia da lei e da ordem. Essa terceira, na minha opinião, ela tinha que ser excluída com a maior urgência possível da nossa constituição, até porque as nossas forças armadas têm uma tradição de participação na política nacional – de participação doméstica – e isso não cabe, não faz bem a um país que as suas forças armadas estejam com um olhar voltado pra dentro. É melhor que elas sempre estejam olhando pro sistema internacional, pra fora das fronteiras do país, pensando em quais são as possíveis ameaças que vão emergir e garantir a nossa soberania, garantir o nosso interesse nacional diante dessas potenciais ameaças.

Marcelo Abud:
As forças armadas brasileiras também comandam ações importantes de políticas sociais.

Juliano Cortinhas:
Em grande medida, né, as forças armadas ocupam funções excessivas porque as demais instituições do Estado brasileiro não conseguem cumprir o seu próprio papel. Veja, por exemplo, na Amazônia, em que há várias populações vivendo num grau de isolamento bastante importante. Muitas dessas populações têm a única percepção de Estado nas forças armadas.
A marinha, por exemplo, faz serviços médicos em todos os principais rios da Amazônia, a aeronáutica faz quaisquer tipos de transportes que são necessários, com rapidez. Há todo um papel social também: operação pipa, por exemplo, que durante muito tempo levou água às cidades distantes do nordeste brasileiro. Então, são locais com bastante isolamento e as forças armadas têm capacidade de logística para atuar nesses locais.

Marcelo Abud:
Cortinhas ressalta que o desempenho desse papel social pelas forças armadas não é o ideal.

Juliano Cortinhas:
O ideal é que saúde seja provida pelo Ministério da Saúde e pelas suas ferramentas. Políticas, né, de integração nacional sejam feitas pelo ministério específico e assim por diante. Não cabe às forças armadas fazer política social.
As forças armadas, em um país com instituições bem estabelecidas, fazem defesa. Se elas estão fazendo alguma coisa além disso, estamos distantes do ideal. O Brasil é um país que precisa amadurecer muito as suas instituições ainda e o grande problema – da atuação interna das forças armadas – é que elas são um braço armado do Estado. Elas são uma instituição diferente das demais.

Música: “Proteção” (Andre Seabra), com Plebe Rude
Tanques lá fora, exército de plantão
apontados aqui pro interior
e tudo isso para sua proteção

Juliano Cortinhas:
Quando as forças armadas tomam a decisão de fazer essa reentrada na política e esse processo de reentrada é um processo que se dá em bloco – não é um, não são dois generais da ativa e da reserva que entram na política, são vários, são incontáveis – e aí, quando eles tomam essa decisão, acabam se inserindo num mundo que, primeiro, não conhecem, segundo que não têm capacidade para gerenciar uma série de temas e políticas públicas específicas.
Há todo um descompasso entre o que querem, exigem e o que efetivamente é possível fazer, porque a política é a arte da negociação e não a arte da ordem. São mundos completamente diferentes.

Marcelo Abud:
A crescente participação de integrantes das forças armadas no governo federal representa uma real ameaça à democracia?

Juliano Cortinhas:
A partir do momento que temos muitos representantes do braço armado do Estado no governo assumindo uma postura ideológica, defendendo um lado específico do embate político, a gente passa a ter automaticamente uma piora da nossa qualidade democrática. Por que se o lado oposto vence a eleição, como é que vão se comportar as instituições militares que defenderam o seu adversário político? Então, o reestabelecimento de um comando político sobre as forças armadas e um posterior controle civil, né, vão ser desafios enormes pro presidente.
Eu, sinceramente, não acredito que as forças armadas vão ser protagonistas de uma ruptura institucional, independentemente do resultado da eleição, mas só o fato delas estarem se posicionando politicamente já é uma afronta aos nossos princípios democráticos. Já há esse risco, já há essa ameaça concreta. Elas já são protagonistas de um processo de ruptura da qualidade da nossa democracia. E infelizmente, nós estamos tendo de discutir esse tipo de ameaça à nossa democracia em pleno século 21.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Para Juliano Cortinhas, o caminho para o fortalecimento da democracia é a modernização dos equipamentos e da tecnologia no Ministério da Defesa, para que as forças armadas exerçam estritamente o papel de defesa do território brasileiro a eventuais ameaças externas.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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