O Teatro Cego é um formato teatral que chegou ao Brasil em 2012. As peças da companhia acontecem completamente no escuro e com a plateia no palco, perto do elenco. O diretor do grupo, Paulo Palado, afirma que teve contato com o estilo a partir de experiência pioneira em Córdoba (Argentina), em 1990.
“Uma pessoa cega vem aqui, ela senta e ela assiste em completa igualdade com qualquer pessoa. Não tem nenhum elemento cênico, nenhum elemento teatral que ela perca por ela não estar enxergando, pelo contrário”, afirma.
As apresentações convidam a plateia a “renunciar à visão”, para que a compreensão da trama aconteça por meio dos outros sentidos. Audição, olfato, paladar e tato são estimulados pelo uso de aromas, música e sensações táteis.
“Eles colocam a gente em cena, porque a gente fica no palco, a gente vê todos os movimentos, todos os ‘andados’, a gente sente a vibração deles ali no palco; a gente participa da cena sem estar. É um negócio indescritível isso que eu estou sentindo”, comenta o radialista Diego Barreto da Silva, deficiente visual que assistiu à peça “Clarear”, uma das quatro montagens do Teatro Cego.
Universo de sensações
No dia em que a produção do Instituto Claro gravou esse episódio, Silva esteve acompanhado de dois amigos: o também radialista e deficiente visual Gabriel da Silva Câmara e da vendedora Maria Clara Aparecida da Silva, que ficou fascinada pelo espetáculo.
“Foi uma experiência surreal. Para a gente, que enxerga, poder entrar nesse outro mundo é muito, muito interessante. A gente está próximo, a gente vê e vivencia isso: entrar no mundo de quem é cego, digamos assim”, comenta a vendedora, que é namorada de Câmara. “Eu consegui, pelo menos por 45 minutos, entrar no mundo dele, consegui ver a forma que ele enxerga o mundo”, completa.
A advogada Andréa Araújo conta que viveu uma “experiência indescritível”. “Porque talvez se nós enxergássemos o que está acontecendo, nós não teríamos tanta sensibilidade, porque aflora, as coisas vão aflorando. Com a visão, às vezes você perde detalhes que, sem a visão, você consegue detectar: sabores, cheiros, barulhos, música. É impressionante. É uma experiência singular”, confessa.
Clique no botão acima e ouça essa experiência com o Teatro Cego.
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Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo
Paulo Palado:
Quando a gente cria a peça e quando eu faço a direção da peça, a gente busca criar códigos na peça que substituam a visão. Então, ou na fala ou no cheiro ou na forma do personagem andar, na respiração… tem personagem que anda mais rápido, com passo mais largo, outro anda mais curto. Ou seja, a gente vai passando pro espectador essas características sem a visão.
O meu nome é Paulo Palado, diretor do Teatro Cego. Sou dramaturgo, escrevo também peças do Teatro Cego.
Vinheta: Instituto Claro – Cidadania
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
O Teatro Cego foi trazido para o Brasil em 2012. As peças acontecem completamente no escuro. O convite é para que se abra mão da visão e que a compreensão da trama aconteça por meio dos outros sentidos.
Paulo Palado:
Teatro Cego não é uma peça de teatro, né, ele é um formato teatral, e dentro desse formato a gente tem várias peças. Surgiu na Argentina, na cidade de Córdoba, em 1990, que é a ideia de fazer um teatro no escuro.
Quando a gente ficou sabendo que existia um formato de teatro assim, que acontecia no escuro, a gente achou que era um negócio legal, e a gente montou o nosso teatro cego aqui. A gente tem pessoas com deficiência visual na produção. A gente tem atores com deficiência visual e a gente tem uma plateia muito grande de pessoas com deficiência visual, porque essas pessoas podem assistir finalmente uma peça de teatro sem ter nenhuma interlocução.
Quando uma pessoa assiste uma peça de teatro convencional ou um filme, normalmente elas têm uma audiodescrição, que é uma coisa muito boa, incrível, mas a audiodescrição é uma interlocução. É alguém que está assistindo e que está passando para você. E aqui no Teatro Cego, não. Uma pessoa cega vem aqui, ela senta e ela assiste em completa igualdade com qualquer pessoa. Não tem nenhum elemento cênico, nenhum elemento teatral que ela perca por ela não estar enxergando, pelo contrário, né?
Marcelo Abud:
A produção do Instituto Claro acompanhou uma apresentação de “Clarear”, no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo. O espetáculo é uma peça leve e bem-humorada sobre inclusão. Na história, cinco jovens dividem a mesma república. Entre eles, uma deficiente visual, um deficiente auditivo e uma cadeirante.
Na plateia, Diego, que é deficiente visual, ficou surpreso com o que assistiu.
Diego (plateia):
Eles colocam a gente em cena, porque a gente fica no palco, a gente vê todos os movimentos, todos os andados, a gente sente a vibração deles ali no palco, é, praticamente, a gente participa da cena sem estar. É um negócio indescritível isso que eu estou sentindo.
Áudio da peça Clarear:
(sons de teclado de computador)
Rodolfo: Como foi seu dia, Estela?
Estela: Foi ótimo! Produtivo. Trabalhei bastante. E o seu?
Rodolfo: Também foi bom, mas não trabalhei muito. Nem estudei direito. Para você ver, ninguém é perfeito.
Paulo Palado:
Está na minha camiseta aqui o slogan do Teatro Cego, o slogan que a gente criou é “Você precisa não ver”, né, que é um trocadilho de “Tudo que você assiste você fala para o outro: Ah, assisti uma peça incrível. Você precisa ver”. A gente fala “Você precisa não ver”, e é um convite para as pessoas de você precisa não ver. Ou seja, você precisa experimentar a sensação de não ver.
O nosso auditivo, ele pode nos levar além, o nosso olfato pode nos levar além. O tato pode nos levar além do que a gente está aqui. Então a ideia é fazer com que o público compreenda que nem tudo que você enxerga com os olhos é a coisa como ela é.
A nossa visão é o nosso sentido mais sedutor, mas ela também é o mais traiçoeiro. Ela nos trai muito, porque a gente está vivendo num mundo muito visual, e a gente está deixando de lado esses outros nossos sentidos.
Andrea (plateia):
Meu nome é Andrea, eu tenho 53 anos. É uma experiência indescritível, porque talvez se nós enxergássemos o que está acontecendo, nós não teríamos tanta sensibilidade, porque aflora, as coisas vão aflorando. Com a visão, às vezes você perde detalhes que, sem a visão, você consegue detectar: sabores, cheiros, barulhos, música. É impressionante. É uma experiência singular, eu digo, né?
Paulo Palado:
E o que o Teatro Cego convida o público a fazer é a voltar a buscar os seus outros sentidos. A gente não quer que ninguém perca a visão, mas a gente quer que as pessoas usem os seus outros sentidos, e a gente fala de um sexto sentido, que é a intuição. A gente quer que as pessoas usem esse sentido para compreender melhor o mundo, para que esse mundo realmente seja mais bem compreendido, não só sendo focado na questão da visão.
Andrea (plateia):
Nunca passou pela minha cabeça que pudesse existir uma peça na qual nós entrássemos sem enxergar nada e sair sem enxergar nada e entender tudo com muita clareza.
Áudio da peça “Clarear”:
(barulhos de panelas e outras louças caindo)
Rodolfo: Ai meu Deus, deve ser a Mila que está na cozinha quebrando tudo. Jo voy lá ajudar.
Mila:
Não é a Mila, não, a Mila está aqui, ó, (barulhos de passos) vindo do quarto.
Quem deve estar provocando o terremoto lá na cozinha só pode ser a desastrada da Érica. Existe uma grande diferença entre ser cega e ser desastrada. E eu? Só sou cega.
(barulho de prato quebrando) Oh, Érica, tudo bem aí, amiga?
Érica:
Tudo. Só estou quebrando a louça, né? Digo, lavando a louça de ontem.
Mila:
Ah, então vem logo tomar café com a gente, né? Antes de acabar com a louça da casa. Por favor!
Marcelo Abud:
Gabriel, que também é deficiente visual, acompanhou a peça.
Gabriel:
Na hora que estão tomando café, você sente o cheiro do café. Na hora que fizeram pipoca, deu pra gente sentir o cheiro da pipoca. É surreal, é uma coisa, não basta só ouvir, sentir o cheiro também foi interessante, de você ser transportado, você se imergir pra dentro do que você está assistindo. É incrível, é demais.
Marcelo Abud:
Gabriel foi assistir à peça “Clarear” com amigos e com a namorada Maria Clara.
Maria Clara:
Foi uma experiência surreal para a gente que enxerga. Poder entrar nesse outro mundo é muito, muito interessante. A gente está próximo, a gente vê e vivenciar isso, entendeu? Entrar no mundo de quem é cego, digamos assim.
É igual eu falo para o Gabriel direto, eu consegui pelo menos por 45 minutos entrar no mundo dele, consegui ver a forma que ele enxerga o mundo.
Marcelo Abud:
Neste momento, o Teatro Cego também tem apresentado a peça “Um Outro Olhar”.
Paulo Palado:
É um texto que fala sobre duas mulheres que estão passando por um momento de câncer ao mesmo tempo. É uma patroa rica e a empregada dela, que é super pobre. A empregada já está quase curada e a patroa está entrando na doença.
Áudio da peça “Um Outro Olhar”:
Val:
Dona Sônia, boa tarde!
Dona Sônia:
Boa tarde, Val!
Val:
Olha, me desculpa, eu já tomei banho, já arrumei minhas coisas.
Dona Sônia:
Eu, eu posso me sentar?
Val:
(com espanto) Aqui? No quartinho?
Fique à vontade, faz de conta que a senhora está na sua casa?
Piada, né? Claro que aqui é a sua casa.
Paulo Palado:
Então, assim, a troca de experiência delas, a diferença social entre as duas. Como cada uma se trata. Uma se trata no Einstein, no Sírio Libanês, a outra pega a fila no hospital público, né?
Áudio da peça “Um Outro Olhar”:
Dona Sônia:
Val, você teve algum tipo de ajuda psicológica?
Val:
“Magina”, Dona Sônia, se eu sou capaz dessas coisas. A assistente social até disse que eu tinha direito, mas mal dá tempo de eu casar os horários, mal dá tempo de eu cuidar dos meus meninos.
Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo
Marcelo Abud:
A marca do Teatro Cego é tratar de temas como inclusão e desigualdade com leveza e bom humor. A ideia é despertar os sentidos de quem assiste para além da visão e fazer com que sua percepção sobre cada situação seja ampliada.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.