Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

A pedagogia social educa crianças e adultos para a cidadania, por meio de práticas que se dão fora da escola e ensinam a convivência com a diversidade e a diferença na sociedade. “Pedagogia social é uma área de conhecimento das ciências da educação que busca, sobretudo, desenvolver uma teoria para explicar as práticas educativas que se dão no âmbito da própria sociedade. E o que a gente identifica que se faz no Brasil, historicamente, é educação popular, é educação social, é a educação comunitária”, resume o professor e doutor pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP) Roberto da Silva.

Mundo da vida

Ele explica que não é apenas o “ensino formal”, o chamado “mundo da escola”, que nos ensina, mas também o “mundo da vida”. “Com o pessoal do Senai, por exemplo, eu trabalho com eles para se aperceberem no ofício de uma cozinheira analfabeta. Ela sabe tudo de cozinha, é uma excelente cozinheira. Se levar ela para sala de aula para ela medir, quantificar e precificar tudo o que ela faz, ela não sabe, mas tem rudimentos. No ato de cozinhar tem rudimentos de física, de química, de biologia, de matemática”, ilustra Silva.

pedagogia social
Crianças aprendem brincando no Projeto Curumim no Sesc Interlagos (crédito: divulgação/ Alexandre Nunis)

Ele acredita na educação para a vida e para a cidadania e critica quem trata a pedagogia social como sinônimo de educação não-formal, entendendo que isso leva à precarização de profissionais dessa área. “Eles fazem um papel importante tanto na complementação da educação escolar quanto no preenchimento de lacunas que a educação escolar não dá conta, que é a relação com a família, a relação comunitária, é a ocupação do tempo livre dessas crianças, a possibilidade de apresentar para elas outros espaços e possibilidades de acesso à arte, à cultura, ao esporte, ao lazer e assim por diante”, conclui.

Veja mais:

Em novo livro, Christian Dunker aponta práticas do neoliberalismo que geram sofrimento psíquico

Boxe e formação cidadã: projeto em São Paulo une esporte e educação política

Transcrição do Áudio

Música: Introdução de “O Futuro que me Alcance”, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Roberto da Silva:
Eu fiz parte da primeira geração de crianças colocada sob tutela do regime militar brasileiro a partir de 1964, quando houve a estatização dos abrigos particulares no Brasil. Fiquei até os 12 anos de idade nesses abrigos, depois me transferiram para a Febem, onde eu fiquei os 18 anos de idade e depois que saí aquela vivência de rua, de incertezas, de pequenos delitos da rua, eu acabei ficando um total de 10 anos na prisão, mas eu sempre me interessei pela leitura, pelo estudo, e fui tentar entender como é que a sociedade legitima essa prática de exclusão, de marginalização de uma parte das suas crianças, da sua população e entender a dinâmica, a estrutura da sociedade pra ver se é possível modificar essa lógica.

Eu sou Roberto da Silva, eu sou professor na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Eu me identifico como um educador social, que trabalha a formação de profissionais que trabalham em outros espaços que não sejam escola e sala de aula.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Marcelo Abud:
A pedagogia social é uma prática que busca educar para a cidadania, ao entender que crianças e adultos atuam na comunidade, dividem o mesmo território e devem aprender a conviver com diversidade, justiça social e com o bem comum.

Roberto da Silva:
Pedagogia social é uma área de conhecimento das ciências da educação que busca, sobretudo, desenvolver uma teoria para explicar as práticas educativas que se dão no âmbito da própria sociedade. E o que a gente identifica que se faz no Brasil, historicamente, é educação popular, é educação social, é a educação comunitária. Então a pedagogia social ela trata, sobretudo, da questão da educabilidade social do sujeito. Então, quer dizer, aprender a viver em sociedade. E nesse sentido ela não é restrita aos setores marginalizados da sociedade, porque nós temos indivíduos mal-educados, nós temos famílias mal-educadas, nós temos escolas mal-educadas, temos igrejas mal-educadas, temos partidos políticos mal-educados, temos instituições republicanas mal-educadas, enfim, temos um país mal-educado. Então, pedagogia social é uma necessidade que perpassa toda a estrutura social, independente de classe, de formação, de cultura e de escolarização. É uma necessidade.

Marcelo Abud:
Roberto da Silva explica cada um dos três pilares relacionados à pedagogia social, no Brasil.

Roberto da Silva:
Educação comunitária talvez seja a prática mais antiga, que ainda persiste na sociedade, que é a educação intragrupal, é a educação feita dentro do próprio grupo pelo próprio grupo. Nós temos ainda muitos exemplos: as comunidades tradicionais remanescentes, como indígenas e quilombolas, fazem educação comunitária, as colônias de imigrantes que vieram para o Brasil fazem educação comunitária ou grupos da sociedade civil, como o MST e o Sem Terrinha, fazem educação comunitária.

Manifesto das Crianças Sem Terrinha lido por uma delas:
‘Fizemos esse Manifesto das Crianças Sem Terrinha, para juntas com as demais crianças, lutarmos por nossos direitos e crescermos num mundo sem desigualdade social e sermos felizes. Ser Sem Terrinha é muito legal! Brincamos na Ciranda Infantil, tomamos banho de rio, soltamos pipa, pulamos corda, brincamos de esconde-esconde, pega-pega…”

Roberto da Silva:
E tem algumas práticas de educação comunitária que extrapolaram o próprio grupo e precisam dialogar com outros grupos. Pegue, por exemplo, não dá mais para chamar a Liberdade, aqui em São Paulo, de um bairro japonês. Virou um bairro oriental, várias culturas se misturaram ali. Não dá para chamar a Mooca nem o Bixiga de bairro italiano, como não dá para chamar o Bom Retiro de um bairro judeu.
Então essa interpenetração dos grupos nos leva a prática de educação social. As pessoas precisam aprender a viver com a diversidade, com a diferença.

Música: “São Paulo, São Paulo”(Biafra / Claus / Marcelo / Oswaldo / Wa), com Premeditando o Breque (Premê)
A japonesa loura, a nordestina moura de São Paulo
Gatinhas punk, um jeito yankee de São Paulo

Roberto da Silva:
E por sua vez, a educação popular, no sentido freiriano que a gente atribui, é quando se usa elementos de cultura popular para fazer educação do povo.

Marcelo Abud:
A pedagogia social leva em conta os contextos, a troca e os saberes locais. Apesar de ser de fundamental importância, Silva comenta que é comum chamar educadores que se dedicam a ela como não-formais. Isso traz consequências a esses profissionais.

Roberto da Silva:
É a questão da precarização do trabalho, da negligência em relação aos direitos previdenciários e trabalhistas, porque o regime de trabalho dessas pessoas, a maioria são empregados no terceiro setor. A ausência de uma política de formação, a ausência da regulamentação da profissão, da carreira. Então eles tratam com a instituição como trabalhadores contratados para a prestação de serviço. Não se enxergam enquanto uma categoria profissional que tem força, que tem poder, que tem capacidade de mobilização.
E, na verdade, são educadores, eles fazem um papel importante tanto na complementação da educação escolar quanto no preenchimento de lacunas que a educação escolar não dá conta, que é a relação com a família, a relação comunitária, é a ocupação do tempo livre dessas crianças, a possibilidade de apresentar para elas outros espaços e possibilidades de acesso à arte, à cultura, o esporte, o lazer e assim por diante.

Marcelo Abud:
O educador social explica que não é apenas o chamado “mundo da escola” que nos ensina. Ele ressalta a importância que há no “mundo da vida”. Esse conceito foi pensado pelo filósofo e sociólogo alemão Habermas, em sua Teoria da Ação Comunicativa, a partir de 1981.

Roberto da Silva:
Como criar uma ponte entre o mundo da vida e o mundo da escola? Esta afirmação do Habermas, por exemplo, é muito pesada de que há um muro de impermeabilidade entre os saberes do mundo da vida e os saberes do mundo da escola. Porque os saberes do mundo da vida não entram dentro do mundo da escola – escola não deixa os meninos entrarem com as roupas que eles gostam, não deixa entrar de boné, não deixa usar o linguajar que eles usam no cotidiano, as brincadeiras – tudo isso é barrado no portão da escola.
E, por outro lado, os saberes ensinados no mundo da escola têm pouca utilidade prática no mundo da vida. A intersecção entre os dois é o mundo do trabalho. O mundo do trabalho sobretudo para o adolescente, para o jovem e para o adulto valorizar, certificar esses saberes constituídos. No mundo do trabalho eu digo no exercício de qualquer ofício que seja. Todos esses ofícios têm rudimentos de ciências que a escola não consegue aproveitar.

Beradêro (Chico César), com Zizi Possi
No peito dos sem peito uma seta
E a cigana analfabeta
Lendo a mão de Paulo Freire

Roberto da Silva:
Com o pessoal do Senai, por exemplo, eu trabalho com eles para eles aperceberem no ofício de uma cozinheira analfabeta. Ela sabe tudo de cozinha, é uma excelente cozinheira, mas se levar ela pra sala de aula pra ela medir, quantificar e precificar tudo o que ela faz ela não sabe, mas tem rudimentos. No ato de cozinhar tem rudimentos de física, de química, de biologia, de matemática.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Autoridade no assunto, Roberto da Silva vê na pedagogia social uma forma de educação para a vida.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.