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Em 16 de outubro, a apresentadora Isadora Basile foi demitida do canal de games do Xbox no Youtube. A empresa alegou que essa era uma forma de proteger a jovem, que vinha recebendo ataques nas redes sociais de homens que não aceitavam uma mulher no comando dos vídeos. O fato repercutiu na internet e escancarou o machismo que há nesse mercado, mesmo com o público feminino no centro do consumo.

Elas são mais da metade (53,7%) entre quem joga videogames, segundo a Pesquisa Game Brasil, divulgada em junho deste ano. Por outro lado, mulheres representam apenas 15% da mão de obra da indústria de jogos no Brasil. “Muita mina tá ali, tá na cena gamer, tá produzindo conteúdo, mas continuar ali é uma questão que envolve a nossa saúde mental, a segurança do nosso corpo”, atesta a professora de sociologia, produtora e apresentadora de conteúdos para blogs e sites do segmento, Juliana de Oliveira.

Juh Oliveira é apresentadora na Rádio online Geek Br (crédito: divulgação)

 

Sofrimento real

Entrevistada neste podcast, Juh, como é conhecida, afirma que o preconceito não se restringe ao Brasil. Na verdade, envolve toda essa indústria, que hoje é mais rentável do que a do cinema de Hollywood. Ela cita uma recente denúncia no universo dos jogos referente à criação da personagem Seraphine para o game League of Legends (LoL). Uma jovem norte-americana que teria tido relacionamento com funcionário da desenvolvedora do game alega que a heroína é inspirada nela.

“Todo aquele rolê, né? Se relacionou com alguém, terminou, e aí o cara monta ali todo um personagem igualzinho a ela, que, segundo os próprios jogadores, é uma personagem ‘de suporte’, que é fraca”.

Seraphine, do jogo League of Legends, e a jovem que afirma ter a imagem usada por funcionário da Riot Games (crédito: reprodução Medium)

 

Segundo Juh Oliveira, o game deve representar entretenimento e aprendizado. “Para muitas pessoas é a fuga daquilo que a gente está sofrendo no real e não faz sentido a gente sofrer, enfim, bullying, violência, machismo na vida real, e ir para o virtual para tentar ali se sentir bem, se sentir acolhido, se sentir parte de um grupo e sofrer isso também”, defende.

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Transcrição do Áudio

Música “Cell Phone Aura”, de Verified Picasso, de fundo

Juliana de Oliveira:
Ah, realmente, muita mina tá ali, tá na cena gamer, tá produzindo conteúdo; mas continuar ali é uma questão que envolve a nossa saúde mental, a segurança do nosso corpo – isso virtualmente, presencialmente – e a gente acaba tendo que se proteger de muitas formas que outras pessoas não necessariamente precisam.
Eu sou a Juliana de Oliveira, mais conhecida como Juh Oliveira, professora de história e de sociologia. E no mundo gamer eu apresento programas na rádio Geek BR, principalmente, quando se relaciona ali com as questões das minorias, alguns debates polêmicos.

Vinheta “Instituto Claro – Cidadania”

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
A pesquisa Game Brasil 2020, divulgada em junho deste ano, mostra que mais da metade das pessoas que consomem games no país são mulheres. Por outro lado, mais de 80% de quem atua na indústria de jogos são homens. Diante desse cenário, o machismo impera também neste mercado.

Juliana de Oliveira:
Sempre se tem aquela ideia de que eu estou acompanhando o homem. É o namorado, ou é um amigo, ou é alguém que tá me ensinando algo; ou, enfim, né, ‘se tá aqui nesse evento, mas é o seu namorado que gosta, né?’; ‘ah, mas jogo é coisa de menino’; ‘como que você gosta desse jogo de tiro?’. Então eu acabo fazendo parte de grupos de outras mulheres, de outras pessoas negras ou mesmo da galera LGBTQIA+. Então são espaços que vão ser rede de apoio e ambiente seguro, justamente porque é um ambiente tóxico demais o ambiente gamer.

Música: “100% Feminista” (Karol Conka / MC Carol)
Sou mulher independente não aceito opressão
Abaixa sua voz, abaixa sua mão

Juliana de Oliveira:
Enquanto mulher, enquanto gamer o que eu já ouvi do famoso ‘ganhou ponto comigo’; ‘fazer o que com esse ponto, maluco? ‘Ganhar milhas, viajar pro mundo?’ Gostaria! Ou: ‘nossa, você é nerd mesmo, você é gamer mesmo, hein?’. Meu filho, eu não estou aqui fazendo entrevista! Não estou querendo pedir um emprego pra você. São coisas assim que a gente vai, infelizmente, vivendo dessas narrativas.

Marcelo Abud:
Juh Oliveira demonstra como acontece o preconceito em torno da mulher que é bem-sucedida, no ambiente dos games.

Juliana de Oliveira:
Inclusive no lance do emprego mesmo, né? Hoje em dia é uma fonte de renda pra muitas pessoas. Então se a mina ela é gamer, mas também é mãe, entra na mesma questão de quando a mina que é mãe vai pra uma festa, vai pra um barzinho. ‘Aonde tá a criança?’. E da mesma maneira no mundo dos games tem esse rolê, a mulher ela vai tá ali dentro de um padrãozinho. Se não é isso então é como se fosse “um dos nossos”, é um “parsa”, né? Ou você é visto como parsa, ou você é visto como ‘ali, aquela deusa, musa inspiradora’ (risos). Doideira, né?!

Marcelo Abud:
Uma recente denúncia no universo dos jogos envolve a criação da personagem Seraphine para o game League of Legends, ou simplesmente LOL. Uma jovem norte-americana, que teria tido relacionamento com um funcionário da desenvolvedora do game, alega que a heroína é inspirada nela.

Juliana de Oliveira:
Uma polêmica recente, da Seraphine: todo aquele rolê, né? Se relacionou com alguém, terminou, e aí o cara monta ali todo um personagem igualzinho a ela; que é um personagem que, segundo os próprios jogadores, né, é alguém “de suporte”, alguém que é fraco. Então gerou todo um hate pra cima da personagem e, por consequência, tendo toda uma polêmica envolvendo a mina, né, que agora tá recorrendo as questões legais e tudo o mais.

Música: “Garota normal” (Dulce Quental), com Sempre Livre
Informático
Tão lunático
Me sintoniza no seu canal
Eu sou seu audiovisual

Juliana de Oliveira:
Então pra você ver… é aquele cara do ‘ah, nenhuma dessas minas me quer e tal, então eu vou ser violento com elas’. E tem muitos fóruns, principalmente nesse ramo dos games, que são extremamente misóginos. ‘Então eu vou causar ali um terror, eu vou agir com violência, eu vou mandar a mulher calar a boca porque ela não entende de nada, pra ela voltar pra cozinha; que eu vou mandar ali a pessoa negra voltar pra senzala’. Tipo, coisas pesadíssimas.

Marcelo Abud:
Outro caso, este ocorrido no Brasil, em outubro: a apresentadora Isadora Basile havia sido contratada para comandar o canal do Xbox, no Youtube. Após amaças que recebeu nas redes sociais, inclusive de estupro e de morte, a Microsoft, dona da marca Xbox, demite a jovem e alega que a decisão foi tomada para protegê-la.

Juliana de Oliveira:
A questão da Isadora Basile: fazia parte ali, né, tal, apresentando o canal do Xbox, da Microsoft no Youtube, e aí nisso: ‘aí é pra sua segurança, é para o seu bem, mas a gente vai te demitir’. É pra minha segurança? É pro meu bem? E as mulheres estão cansadas de ouvir esses tipos de falas em outros espaços. É o famoso ‘eu tô forte, eu sou forte’. Mas eu tô muito casada e aí não se torna mais um espaço seguro. Então as mulheres, num geral, elas vão se agrupar ali, né, com quem vai se identificar. Então eu não vou por a minha cara a tapa pra falar para um pessoal que vai agir dessa maneira comigo. Depois eu vou ter que ficar mal, de cama, medicada, né, e haja terapia e psicólogo, psiquiatra pra poder dar um suporte, pra que eu consiga lidar com tudo isso. Não é tipo a lidar com a fama, antes fosse, né? A gente muitas vezes não está recebendo ali de acordo com isso.

Marcelo Abud:
Além de apresentadora da Rádio Geek, Juh Oliveira é professora de sociologia e de história na Escola Municipal de Ensino Fundamental Modesto Scagliusi, em Campo Limpo, zona Sul de São Paulo. Ela conta como atua para que, no futuro, o mundo dos games passe a ser realmente plural.

Juliana de Oliveira:
No ano passado, na festa junina da escola, eu coordenei a sala de games. Então tinha o game de dança, tinha o game de futebol e era pra todo mundo. Mas ainda se tem aquela ideia, né, dos adultos – às vezes dos próprios professores – ‘não, futebol é para os meninos e esse da dança é para as meninas’. ‘Ih, fulano tá dançando’; ‘ih, fulana tá jogando futebol’. Gente, tá todo mundo se divertindo, que é o ideal, né? Quando a gente tá ali, nesse mundo todo, é o entretenimento, é aprendizado, é um mundo virtual que pra muitas pessoas é a fuga daquilo que a gente está sofrendo no real e não faz sentido a gente sofrer, enfim, bullying, violência, machismo na vida real, e ir para o virtual pra tentar ali se sentir bem, se sentir acolhido, se sentir parte de um grupo e sofrer isso também.

Marcelo Abud:
Você saiba que há meninas que usam nicks de meninos para não sofrer violência no mundo dos games? Para retratar o que as jovens costumam passar, a campanha “My game, my name” colocou alguns dos gamers mais famosos do Brasil para jogar com nicks femininos e sentir na pele o que elas passam.

Áudio do vídeo da campanha “#MyGameMyName”
Voz de “hater”:
– Estragou minha moto… pô, tinha que ser mulher mesmo, né? Meu, você tem que pilotar é fogão.
Gamer:
– O cara tá loucão já, não fiz nada…

Marcelo Abud:
Campanhas e canais de games que valorizam a presença feminina ajudam a combater o machismo e a virar o jogo do preconceito.
Por isso, a gente termina esta edição com o recado de algumas gamers em depoimentos para a campanha “My Game My Name”.

Jovens gamers:
(com trilha sonora vibrante, do vídeo de fundo)
– Os caras ficam revoltados comigo, porque ‘ah, não, não posso perder para uma mulher’.
– Se tem um nick feminino lá, já começa ‘manda nude’. Daí eu fico, ‘cara, gente, eu tô aqui pra jogar’.
– É como se as meninas não estivessem lá. Elas estão e em grande número!

Marcelo Abud:
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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