O futebol freestyle (ou futebol estilo livre) é uma modalidade esportiva em que são realizadas manobras com a bola, com o objetivo de demonstrar habilidade ao equilibrá-la de maneira criativa no corpo.
“São manobras com uma bola de futebol, onde você usa diversas partes do corpo e em diferentes momentos”, explica a atleta profissional e professora Marisa Cintra, ou Marisa Freestyler, como é conhecida nas redes sociais.
De acordo com Cintra, a Copa do Mundo de Futebol Feminino fez aumentar o interesse por atividades que envolvem o futebol freestyle. Entretanto ainda há barreiras para meninas brincarem ou jogarem bola. É o caso de Alícia Azevedo, de 14 anos, que acompanha as aulas do irmão de 11, no Parque Ibirapuera.
“É, às vezes, a gente fica intimidada de jogar porque tem muito menino jogando, a gente pensa na nossa cabeça que eles vão falar ‘nossa, você é muito ruim’, ‘não, você não joga porque você é menina, fica pra lá que você vai atrapalhar o nosso jogo’. Aí a gente fica meio intimidada. ‘Será que eu devo jogar mesmo, continuar jogando? Praticar mesmo? Eles não deixam eu jogar’, essas coisas”, revela.
Na infância, a atleta era proibida pelo pai de jogar bola com os irmãos. Curiosamente, foi isso que fez Cintra começar a descobrir a habilidade para fazer acrobacias sozinha.
“Claro, eu ficava muito triste. Ficar lá fora, olhando, e ‘poxa, eu não posso jogar’. Vem dessa época, desde casa, porque eu tinha campo em casa, eu moro em Sítio, então tinha campo em casa e eu lembro muito bem disso. Por isso que eu sei fazer embaixadinha, porque eu ficava muito tempo sozinha com a bola”, revela.
Representatividade e motivação
O impulso definitivo para desenvolver a habilidade com a bola veio ao assistir a um programa de tv com a participação da ex-jogadora do Corinthians Milene Domingues, que ficou conhecida como a “Rainha das Embaixadinhas” no final dos anos 1990. Foi naquele momento que Marisa Cintra encontrou o próprio caminho e, mais tarde, passou a incentivar outras meninas a praticarem o futebol freestyle.
“E aí eu vi a Milene Domingues parando bola nas costas, fazendo flexão… foi o primeiro movimento diferente que eu vi, para depois ver zerinho, outras coisas, né? E aí eu falei ‘nossa, que legal isso!’, porque é uma coisa que eu brincava com a bola, né, e aí eu comecei a treinar, mas eu nunca imaginei que eu tava começando um esporte na minha vida, sabe?”, confessa a atleta.
Cintra é pioneira no freestyle feminino e, além dos campeonatos que disputa, há mais de uma década dá aulas de futebol em estilo livre. Campeã brasileira e uma das melhores do mundo na modalidade, participa de demonstrações em espaços como o Sesc, com a ideia de mostrar que a mulher pode estar onde quiser.
“Tem muita criança e adulto que não têm controle de si próprio, então erra e dá aquele chute, sabe, não consegue se controlar, porque tá errando. Então freestyle hoje, ele não trabalha só habilidade do corpo, a motora, mas muito o mental (…) Em todo movimento que eu vou ensinar, eu faço primeiro a pessoa entender o movimento na mente dela”, explica.
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Música: “T-Rexed” – Áudio Hertz, fica de fundo.
Marisa Cintra:
Futebol freestyle são manobras com uma bola de futebol, onde você usa diversas partes do corpo e em diferentes momentos. Então o futebol freestyle, ele é dividido em quatro estilos. ‘Ground Moves’, que é bola no chão, que é o rolinho vale mais pontos do que o gol; depois vem o ‘Lower’, que é o atleta de pé realizando manobras; o ‘Sit Down’, que é o atleta sentado fazendo manobras; e o ‘Upper’, que é controlar a bola do ombro para cima.
E a partir daí você une as manobras, cria combos, transições entre os estilos, pra aí sim acontecer o campeonato.
Meu nome é Marisa Cintra, tenho 36 anos, sou atleta profissional de futebol freestyle, também ensino, sou professora nessa área. E sou campeã brasileira, vice latino-americana e ‘top four’ no mundo.
Alícia:
Eu fico com vergonha de fazer freestyle aqui com a Marisa, mas eu tenho vontade de fazer pra mostrar que eu sei fazer, que eu posso fazer, que uma menina pode fazer que nem a Marisa, sabe?
Eu me chamo Alícia, tenho 14 anos.
Vinheta: Instituto Claro – Cidadania
Música: “T-Rexed” – Áudio Hertz, fica de fundo
Marcelo Abud:
Até ser conhecida pela prática do futebol freestyle, Marisa Cintra, quando criança, teve de driblar o preconceito e criar seu próprio jeito de se divertir com o futebol. Com quatro irmãos incentivados a jogar bola pelo pai, Marisa era impedida de entrar na partida.
Marisa Cintra:
Claro, eu ficava muito triste. Ficar lá fora, olhando e ‘poxa, eu não posso jogar’. Vem dessa época, desde casa, porque eu tinha campo em casa, eu moro em Sítio, então tinha campo em casa, e eu lembro muito bem disso. Por isso que eu sei fazer embaixadinha, porque eu ficava muito tempo sozinha com a bola, e por morar em sítio, também, longe da escola, onde todo mundo jogava ali e brincava na rua aquelas brincadeiras de taco, golzinho na rua, eles ficavam brincando e eu tinha que voltar para casa, que era uma caminhada para chegar até o sítio. Então, pera aí, ficava longe, sem ninguém para brincar, então ficava brincando sozinha. E hoje as brincadeiras que eu fazia em casa eu passo para os meus alunos, que é usando a parede, que é fazendo sozinho alguma atividade, e eu tava, na verdade, treinando. Então hoje é vivência, né, que a gente passa.
Alícia:
É, às vezes, a gente fica intimidada de jogar porque tem muito menino jogando, a gente pensa na nossa cabeça que eles vão falar ‘nossa, você é muito ruim’; ‘não, você não joga porque você é menina, fica pra lá que você vai atrapalhar o nosso jogo’. Aí a gente fica meio intimidada. ‘Será que eu devo jogar mesmo, continuar jogando? Praticar mesmo? Eles não deixam eu jogar’, essas coisas.
Marcelo Abud:
As barreiras para as meninas jogarem bola fizeram Marisa se afastar do que mais gostava. Mas quando fazia faculdade de ciências da computação, viu vídeos de Ronaldinho, Robinho e do Falcão, do futebol de salão, se exibindo com a bola. E foi assistindo à tv que venceu de vez o preconceito vivido na infância.
Marisa Cintra:
E aí eu vi a Milene Domingues parando bola nas costas, fazendo inflexão… foi o primeiro momento diferente que eu vi, para depois ver zerinho, outras coisas, né? E aí eu falei ‘nossa, que legal isso!’, porque é uma coisa que eu brincava com a bola, né, e aí eu comecei a treinar, mas eu nunca imaginei que eu tava começando um esporte na minha vida, sabe?
Marcelo Abud:
A motivação que teve ao se inspirar em Milene Domingues gerou a vontade de ajudar outras meninas a ganharem força a partir do futebol freestyle, ou de estilo livre.
Marisa Cintra:
Eu gosto muito de incentivar as meninas porque a Marisa é a primeira geração do futebol freestyle, né? E eu quero que isso não acabe. Seria muito egoísmo da minha parte não ensinar, não passar o meu conhecimento, não incluir.
E essa questão de auto se desafiar. Quando acerta, eu falo que é até como se fosse um gol, né, acertar uma manobra assim, é uma emoção, é muito legal. Fala ‘poxa, eu não sabia fazer nem embaixadinha, agora já tô fazendo manobras’. Eu acho que isso sim serve de incentivo até mesmo se a pessoa não quer ser uma freestyler, né, viver do futebol freestyle. Mas ela tá fazendo uma atividade que ela tá auto se superando e, às vezes, que é o que eu tenho hoje, a irmã – então tem um irmão que treina – veio por causa do irmão. Só que aí a menina vê que ‘poxa, é uma menina que tá ensinando’. E aí vê que ou às vezes uma outra pessoa que fez e fala ‘nossa, eu acho que eu também consigo’. E aí começa a fazer.
Marcelo Abud:
Alícia Azevedo tem 14 anos e acompanha as aulas do irmão de 11, no Parque do Ibirapuera. No caso dela, apesar do incentivo do pai, ainda está se preparando para ter aulas com Marisa.
Alícia:
Tipo, que a Marisa é muito boa, então eu acho que aprendendo com ela qualquer pessoa pode melhorar muito. Eu não faço nem 5 embaixadinhas… eu puxo assim, dá uma, duas, já cai.
Marisa Cintra:
O futebol freestyle, ele inclui todo mundo porque um conteúdo básico as pessoas conseguem aprender, sabe, isso é muito legal. Quando eu comecei, eu não tinha essa noção. Foi quando eu comecei a ensinar, né, de 2015 para cá, que eu peguei tudo quanto é tipo de idade. Já dei aula para um autista para você ter uma ideia, porque eles têm assim um pouco mais de dificuldade de concentração, às vezes, mas quando a pessoa tem aquele interesse, gosta de bola… ele gostava de bola. Então eu tentei, sabe, a gente tentou estimular algumas coisas e tal. Eu tento incluir todo mundo, todo mundo mesmo assim. É muito difícil, né, são trabalhos assim que se for no individual é mais difícil, mas ‘opa, vamos fazer uma atividade hoje para todo mundo que tá aqui’. Legal, dá para fazer, sabe, todo mundo vai participar, não vai ficar excluído.
Marcelo Abud:
Marisa Cintra participa de atividades no Sesc e trabalha com pessoas de todas as idades. Ela explica o que as manobras com a bola podem ensinar a quem participa das aulas.
Marisa Cintra:
Tem muita criança e adulto que não têm controle de si próprio, então erra e dá aquele chute, sabe, não consegue se controlar, porque tá errando. Então freestyle hoje, ele não trabalha só habilidade do corpo – a motora – mas muito o mental. Eu dei aula para uma moça uma vez… ela saiu do treino e falou ‘nossa, minha cabeça tá doendo’. Eu falei ‘a cabeça tá doendo, poxa’… ‘não, é porque eu pensei muito’. Então assim em todo movimento que eu vou ensinar eu faço primeiro a pessoa entender o movimento na mente dela. Muitas das vezes, eu esqueço a bola, ‘vamos deixar a bola de lado, vamos treinar aqui o movimento sem bola’. Aí eu faço a pessoa repetir o movimento da perna ‘olha, encolhe o joelho’; ‘ah, não, estica o joelho’. ‘Coloca a pontinha do pé para cima’, ‘olha, no movimento da nuca’, ‘você vai trabalhar aqui a escápula para trás’. É muita coisa que vai trabalhar, então, mental, né, equilíbrio aí no futebol já é domínio, um pensamento rápido, isso é muito legal.
Marcelo Abud:
A atleta defende que o futebol freestyle é capaz de driblar preconceitos e, o principal, proporcionar felicidade.
Marisa Cintra:
Eu acho que todo mundo tem que ser o que quer e ser feliz. Se tem aquela vontade, porque a gente percebe principalmente na criança, né, que nem eu, eu pegava mais a bola do que a boneca. Então por que que eu não posso ficar brincando com a bola, sendo que eu me sentia melhor com a bola? Ou poderia ser o skate ou poderia ser um patins, porque eu sempre gostei de atividades mais assim de movimento. Não que seja errado brincar com a boneca, mas se você sente isso no teu filho, na tua filha, deixa à vontade. Eu acho que tem que deixar à vontade porque senão não vai ser feliz, né? Acho que o importante é você ser feliz em tudo que você escolhe.
Música: “T-Rexed” – Áudio Hertz, fica de fundo.
Marcelo Abud:
O futebol freestyle ou de estilo livre é uma forma de juntar todas as crianças e também adultos que gostam de jogar bola. Para além de treinar e competir, é uma maneira de se brincar e criar desafios divertidos.
Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.