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Durante uma década, a ativista e escritora Nana Queiroz focou nas mulheres para tentar combater o machismo. Entretanto, desde que se tornou mãe de seu primeiro filho, passou a acreditar que os meninos também podem ser a cura contra a sociedade patriarcal.  

“As pessoas que eu mais amo no mundo são homens: tenho dois filhos homens, meu marido, meu pai, meus irmãos. É importante que a gente possa conciliar esses afetos com uma crítica social, política e educacional contundente.”

Feminismo amoroso
Nana Queiroz e um dos filhos (crédito: acervo pessoal)

Feminismo Amoroso

Inspirada pela obra da autora, professora, teórica feminista e antirracista estadunidense Bell Hooks, Queiroz defende a educação feminista amorosa como vacina contra o machismo. 

“A gente quer resgatar as crianças antes que elas se tornem abusadoras, né? Ninguém nasce abusador, ninguém nasce estuprador, ninguém nasce feminicida. As pessoas vão desenvolvendo essas características, conforme a criação em que elas são colocadas.” 

No áudio, Queiroz comenta dois exemplos dessa educação para meninos: o dia em que o filho mais velho pediu uma boneca e o porquê é bom que o filho chore — e chore muito. “Isso começa no ‘menino não chora’, mas vai muito além. Fico sempre observando o meu filho de quatro anos, quando ele sai com a prima dele que tem seis aninhos… Todo mundo, quando vai falar com a prima dele, que é até um pouco mais velha, fala assim: ‘oi, Heleninha nã nã nã nã’. Mas com ele é assim: ‘e aí, cara?!’, ‘e aí, mano?!’. Você vê que a ele, mesmo sendo menor, não é dado o mesmo afeto”, analisa. 

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Transcrição do Áudio

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Nana Queiroz: 

A educação é para que os filhos dessas mulheres não reproduzam os padrões que eles viram dos pais. E por que amorosa? Porque mais tare na minha vida comecei a perceber, como a Bell Hooks, né, fui muito convencida por ela, inclusive, que o feminismo tem que ser uma revolução de afetos ou ele vai ser uma revolução capenga. 

Porque as mulheres não vivem isoladas. As pessoas que eu mais amo no mundo são homens: tenho dois filhos homens, meu marido, meu pai, meus irmãos. É importante que a gente possa conciliar esses afetos com uma crítica social, política e educacional contundente. 

Oi, eu sou a Nana Queiroz. Eu sou escritora, comunicóloga e pesquisadora feminista. 

Vinheta: Instituto Claro — Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Nana Queiroz é autora, entre outros livros, de “Os Meninos são a cura do Machismo”. Ela defende a existência de muitos tipos de feminismo e acredita que o que une todos eles é o fato de ser uma forma de transformar o pensamento e o mundo ao nosso redor para que homens e mulheres tenham acesso a direitos e deveres com equivalência. 

Nana Queiroz:

Essa coisa de não ser só um movimento político e social, mas também educativo, era muito forte pra mim, porque o político e o social transformam o hoje e punem o ontem, mas o que transforma o amanhã? É o educacional. 

Então você precisa ter essas diversas vertentes, porque a educação é como você vai vacinar as crianças — e aí digo meninos e meninas — contra o vírus do machismo. A gente quer resgatar as crianças antes que elas se tornem abusadoras, né? Ninguém nasce abusador, ninguém nasce estuprador, ninguém nasce feminicida. As pessoas vão desenvolvendo essas características, conforme a criação que são colocadas. 

Então acredito que a educação feminista amorosa de meninos e meninas ela é a vacina contra a pandemia patriarcal. 

Marcelo Abud:

Queiroz alerta que, nessa pandemia patriarcal, a taxa de mortalidade é altíssima. 

Nana Queiroz:

Maridos que matam mulheres, pais que agridem crianças, violência doméstica, estupro. É também a taxa desse vírus outros sintomas, que não são mortais, mas que causam danos bem graves à saúde social. Por exemplo, que muitas meninas não consigam estudar tanto quanto os meninos ou, então, porque os pais tiram da escola para que elas façam tarefas domésticas; que as meninas não consigam brincar, porque elas estão assumindo tarefas domésticas sérias, né — até como cozinhar, que representa um certo risco, e passar roupa, que tem que mexer com fogo e ferro quente – muito mais cedo do que os meninos têm. Então elas têm que desenvolver uma maturidade muito antes do que elas estariam preparadas, isso não permite que elas desenvolvam o seu lado lúdico, o brincar mesmo que a infância deveria ter. 

Música: “Promete” (Ana Vilela)
E hoje corre pela sala
Brinca de existir
Giz de cera, pega-pega
Eu só sei sorrir

Nana Queiroz:

E é uma doença social que está matando principalmente mulheres, mas não só. Atinge homens também, né? Os homens também são vítimas desse vírus. Eles são o hospedeiro desse vírus. Então dizer que os homens são a doença do machismo é muito enganoso. 

A chance de um menino morrer na juventude é muito maior do que uma menina morrer na juventude. Esse tipo desse desafio que acontece principalmente na adolescência, no começo da vida adulta, de que ‘você é macho, você vai apostar racha, você vai apostar corrida, você vai brigar no bar’… Esses comportamentos que, durante muito tempo, a gente justificou como se fosse uma masculinidade natural e que, cada dia mais, o avanço da ciência tem mostrado para gente que não é verdadeira essa justificativa, eles são todos sintomas que atingem também os homens. 

Como diz a Bell Hooks: ‘as maiores vítimas do patriarcado não são as mulheres, são as crianças’. Então, na infância, meninos e meninas são igualmente submetidos a violências para se enquadrar nas expectativas machistas sobre quem elas são. Os meninos apanham muito, principalmente se eles têm qualquer atitude considerada de menina ou de gay, né?

Marcelo Abud:

Queiroz escolheu acreditar, também, nos meninos. No Instagram, ela publica postagens tendo a educação feminista amorosa como motivação. 

Nana Queiroz:

Os meninos são impedidos de brincar de boneca, de cozinha e de casinha. E quando eles crescem, a gente na vida adulta vive criticando os pais ausentes, os pais que abandonam os filhos que não pagam a pensão, ou então, aqueles pais que são meros provedores — chegam em casa à noite, dão dinheiro, comem, vão dormir, saem, não dá nem beijo na criança de manhã, não sabe o que a criança está aprendendo na escola, não sabe nada, não tem nenhuma participação. 

Mas como que você espera que esses meninos se desenvolvam em pais amorosos, sendo que você não ensinou eles como amar um ser mais frágil que eles. Essa é a função da boneca. 

Marcelo Abud:

Em uma das postagens, a mãe conta sobre o dia em que o filho mais velho pediu uma boneca de presente.

Nana Queiroz:

E eu lembro que, quando o irmão dele ia nascer, eu comprei um boneco — uma boneca-menino, né? — E ele estava numa fase que queria muito ser médico, então era uma boneca que vinha com as coisas para ele cuidar de médico da boneca, dar mamadeira, tal. E aquela boneca foi muito importante para ele elaborar como o irmão estava chegando. 

Ele aprendeu a nanar, a dar banhinho, a dar comidinha. Quando o irmão nasceu, o irmão era uma grande brincadeira, também, para ele. E aquilo ajudou ele a elaborar a chegada de maneira menos dolorosa. 

Acho que a paternidade é, hoje, uma das maneiras mais fáceis dos homens curarem a relação deles com uma criação que foi dolorosa para eles. E eu espero que um dia os homens entendam a paternidade não só como uma obrigação. ‘Ah, você fez, agora você é homem, você vai lá e sustenta’, ‘você tem que levar na escola’, ‘você tem que’… Não! Você tem o direito de, que delícia que você possa usufruir da paternidade como um direito, porque você aprendeu que os afetos são bons, fazem parte do viver gostoso a que você tem direito. 

Música: “Ao que vai chegar” (Toquinho e Mutinho), com Toquinho e Padre Fabio de Melo)
Convida as luas cheia, minguante e crescente
E de onde se planta a paz,
Da paz quero a raiz

Nana Queiroz:

Você homem que está me ouvindo, você tem o direito aos afetos, você tem direito à felicidade que os afetos te proporcionam. E é curando essa sua dor de ter sido impedido de ter afetos que você vai conseguir ser também mais justo, mais calmo, mais atento e mais respeitoso com as mulheres ao seu redor. 

Marcelo Abud:

Em outra mensagem no @nana.queiroz, ela fala sobre a repressão ao choro nos meninos. 

Nana Queiroz:

Isso começa no ‘menino não chora’, mas vai muito além. Eu fico sempre observando o meu filho de quatro anos, quando ele sai com a prima dele que tem seis aninhos… Todo mundo, quando vai falar com a prima dele, que é até um pouco mais velha que ele, fala assim: ‘oi, Heleninha nã nã nã nã’. Mas com ele é assim: ‘e aí, cara?!’, ‘e aí, mano?!’. Você vê que ele, mesmo sendo menor, a ele não é dado o mesmo afeto. Você fala de uma maneira muito mais firme, né?

Isso são os sintomas de uma doença social que se chama machismo. É uma doença que está sacrificando o desenvolvimento natural e saudável do nosso cérebro, das nossas emoções, nosso controle emocional, por isso que você deveria querer que seu filho chore, chore muito, chore sempre que ele achar necessário e que ele aprenda, ao chorar, como segurar o choro para mais tarde, também, quando for o momento. Não reprima, converse com ele sobre o motivo dele estar chorando, tente entender. 

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:

Depois de trabalhar ao longo de uma década com foco nas mulheres, Queiroz acredita nos meninos. Mãe de dois, ela defende que eles podem ser a cura do machismo, a partir de uma educação feminista amorosa. 

Marcelo Abud para o podcast de Cidadania do Instituto Claro.

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