Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

Faça o download do podcast
Confira a transcrição do áudio

Marcelo Abud

Há diferença entre dizer que a criança é preta ou negra? Quando usar representatividade ou representação? A possibilidade de violência obstétrica é maior para mães negras? O Instituto Claro conversou com as idealizadoras do projeto “Criando crianças pretas” – rede de apoio e comunicação antirracista –, Paula Batista e Débora Bastos, para responder essas perguntas. No áudio, elas compartilham e comentam cinco postagens que repercutiram nas redes sociais da iniciativa e que tocam em questões importantes como essas.

Débora Bastos e Paula Batista trabalham conceitos ligados à cultura negra nas redes sociais (crédito: divulgação)

 

“A motivação para valorizar a cultura negra vem do fato de termos sido crianças pretas e das questões que sentimos falta de serem trabalhadas na infância”, resume Paula.

A proposta de desconstruir o racismo em adultos e criar crianças livres de estereótipos já existia desde 2015, mas foi em 2019, quando o filho de Débora Bastos completou um ano, que a ideia ganhou as redes sociais.

“O tema da comemoração foi ‘O Pequeno Príncipe Preto no Reino de Wakanda’, uma proposta de reflexão para os convidados, inclusive, de que não tinham crianças negras na festa de aniversário, que o universo em que eu vivo é um ambiente majoritariamente de pessoas brancas”, revela Débora, que tem um casamento inter-racial e participa, por telefone, no áudio.

No podcast, você acompanha a análise deste e de outros quatro tópicos que se sobressaem nas redes sociais do projeto: o que distingue falar crianças pretas ou negras; porque a representação é importante, mas a representatividade é que promove mudanças; como o pensamento racista aumenta a violência obstétrica; e de que formas todos podem atuar na luta antirracista.

Uma das postagens de maior repercussão nas redes do “Criando crianças pretas” é o relato de Débora sobre as violências sofridas durante a gravidez e o parto (crédito: reprodução Facebook)

 

O projeto “Criando Crianças Pretas” está em redes como o Facebook e o Instagram e, segundo Paula, as postagens levam em conta perguntas e comentários vindos dos internautas.

“Vamos continuar fazendo posts sobre a importância de apresentar referências para além da beleza, para que a criança negra se veja em um lugar de potência, de pertencimento, de ser importante para a sociedade”, conclui.

 Crédito da imagem principal: divulgação

Transcrição do áudio

Canto para Oxalá (Domínio Público), com Rita Benneditto, de fundo

Paula:
A motivação foi muito da criança preta que nós fomos. A gente identificou muitas questões que, na nossa infância, na nossa adolescência, a gente sentiu falta de serem trabalhadas, como conscientização da nossa negritude, empoderamento, que nós gostaríamos de trazer isso pra todas as famílias, pra todas as pessoas.

Sou Paula Batista, sou jornalista, sou mestre em divulgação científica e cultural. Uma das idealizadoras do “Criando Crianças Pretas” junto com a Débora Bastos.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
O “Criando Crianças Pretas” atua nas redes sociais para desconstruir preconceitos. A ideia é auxiliar familiares a despertar a consciência para a cultura negra, desde a primeira infância.

Neste podcast, convidamos as idealizadoras do projeto, Paula Batista e Débora Bastos, para compartilharem as cinco postagens que, até hoje, mais repercutiram no canal.

Ao mesmo tempo em que visa desconstruir o racismo dos adultos, a ideia é criar crianças livres de estereótipos. É sobre isso que trata o primeiro assunto, uma postagem escrita por Débora para manter viva a negritude no filho.

Paula Batista:
A preocupação da Débora com o José, porque assim, ela já é uma negra de pele clara, tem um casamento inter-racial, o José é um menino negro de pele mais clara ainda. Qual referência que ele vai ter de identidade?

Débora Bastos:
Nós fizemos uma festa que é “O Pequeno Príncipe Preto no Reino de Wakanda”. “Pequeno Príncipe Preto” é uma peça de teatro maravilhosa, do Rodrigo França, e [trilha sonora do filme de fundo] Wakanda é esse lugar incrível, de tecnologia, falado muito no filme “Pantera Negra”. Esta festa era principalmente para os convidados, era uma proposta de reflexão, inclusive de que não tinham crianças negras na festa de aniversário, que o universo em que eu vivo é um ambiente majoritariamente de pessoas brancas. Era uma festa para causar esta reflexão.

Paula Batista:
Essa preocupação que a gente tem: qual a referência que nós estamos dando, para as crianças todas, de identidade e, para as crianças pretas, de pertencimento.

Música: “Menina pretinha” (MC Soffia)
“Devolva minhas bonecas / Quero brincar com elas / Minhas bonecas pretas / O que fizeram com elas? / Vou me divertir enquanto sou pequena / Barbie é legal, mas eu prefiro a Makena Africana”

Marcelo Abud:
A segunda postagem selecionada por Paula explica o que caracteriza uma pessoa preta e uma negra.

Paula Batista :
No texto a gente colocou que é assim: O IBGE tem a classificação de pretos, pardos, brancos, amarelos, indígenas. O IBGE criou esta classificação de pardos para que as pessoas também se autodeclarassem. E aí, para o IBGE, a soma de pretos e pardos é o que dá o negro. Então a gente entende que quando o IBGE bate na porta da sua casa e você fala assim ‘a minha família é uma família preta’, isso é uma autoafirmação da identidade. Por isso que a gente colocou “Criando Crianças Pretas” e não criando crianças negras. Há pessoas, inclusive, que não conseguem falar a palavra preto ou negro. Muitas pessoas falam ‘ah, fulano é moreno’, ‘fulano é pardo’. É uma dificuldade exatamente por esta questão do racismo não ser uma coisa superada no nosso país. Quando você se assume uma pessoa preta ou negra, tudo que vem junto muitas vezes são coisas ruins, então vem junto o preconceito, discriminação, o racismo. Vem junto a questão de classe, porque classe e raça no Brasil não se separa. Então, assim, muitas vezes aqui na porta da minha casa, já fui atender e as pessoas perguntaram onde está a dona da casa. Teve uma escola de samba esse ano, inclusive, que veio com o tema “Tinha que ser preto”.

Música: “É coisa de preto” (Gui Cruz, Rafael Falanga, Vitor Gabriel, Portuga, Imperial, Elias Aracati, Luciano Rosa, Reinaldo Marques, Marçal e Willian Tadeu), Samba-enredoTom Maior 2020
“É coisa de pele / É coisa de preto / A minha força pra calar o preconceito / É coisa de pele, é coisa de preto”

Paula Batista:
Porque a gente ouviu muito esta expressão de forma pejorativa e aí a escola traz coisas que as pessoas pretas trouxeram para o nosso país de cultura e tudo mais.

Marcelo Abud:
A terceira postagem trazida pelas idealizadoras do “Criando Crianças Pretas” é sobre violência obstétrica.

Paula Batista:
Eu e a Débora somos amigas há muito tempo. Então, a gravidez dela eu acompanhei, ela passou muito mal. Foi bem complicada. E aí ela foi à maternidade já próximo de ter o bebê…

Débora:
Quando a gente está falando de mulheres negras, elas sofrem coisas cruéis durante esse trabalho de parto, durante as cesarianas. Vão desde comentários sobre quando uma mulher usa tranças rastafári, que foi o meu caso, que a médica disse que eu ia ter que tirar isso da cabeça para entrar no centro cirúrgico; associam a gente a ter muito leite, o que não é verdade, muitas mulheres têm dificuldade para amamentar e sofrem muito com isso. Uma mulher negra recebe muito menos analgesia durante o trabalho de parto, porque entende-se que as mulheres negras são mais fortes. Então, a gente precisa muito olhar para essas mulheres que estão em trabalho de parto. enquanto mulheres negras, e o quanto essas mulheres são desumanizadas. Foi por isso que eu fiz este post fazendo meu relato e a gente precisa acolher as mulheres negras durante o trabalho de parto.

Marcelo Abud:
A quarta postagem é sobre representatividade e representação. Você tem ideia do que diferencia um termo do outro?

Paula Batista:
Muitas vezes as empresas, inclusive, acham que colocando no comercial uma pessoa preta, dando visibilidade para uma pessoa preta é representatividade e, na verdade é uma representação, porque representatividade é algo que uma pessoa possa fazer em prol de outras pessoas.

Música: “Negro é lindo” (Jorge Ben Jor)
“Eu só quero que / Deus me ajude / A ver meu filho / Nascer e crescer / E ser um campeão”

Paula Batista:
Então, a gente vê lá na bancada do jornal uma jornalista preta, a criança se identifica, isso é muito importante. Muito do que eu sou hoje, de ter escolhido a profissão como jornalista, é por conta que eu via uma mulher negra, jornalista, bem-sucedida, a Glória Maria. Então, essas referências são muito importantes para a construção da nossa identidade, porém ela não muda a estrutura. Dentro desse post, eu fiz um raciocínio para que a gente olhe ‘quando está se gravando um comercial, tem as pessoas pretas ali e tal, e a gente acha ‘está representando, representatividade importa’. Mas quando a gente olha para trás das câmeras, a gente vê que o diretor do set é branco, quem fez o ‘casting’, quem contratou a propaganda e tudo o mais são pessoas brancas. E aí a gente olhando para todo aquele set, quem são as pessoas que recebem o maior valor dentro daquele lugar. Então, a gente precisa entender que representação é muito importante sim, mas representatividade é o que vai mudar.

Música: “Negro é lindo” (Jorge Ben Jor)
“Negro é lindo”

Marcelo Abud:
Paula Batista revela qual o post do “Criando Crianças Pretas” que, até aqui, mais teve alcance e compartilhamentos.

Paula Batista:
É um post que a gente fala sobre dicas práticas para você ter uma postura antirracista. Aí as pessoas adoraram este post para poder ser bem didático de compreender e saber como que cada um, sendo branco ou preto, pode atuar nesta luta antirracista. Desde você enxergar as pessoas pretas no seu cotidiano; fazer o exercício de olhar e se incomodar de estar nos espaços e todas as pessoas serem brancas e não ter nenhum questionamento sobre isso. A gente também propõe, principalmente para ter essa postura antirracista com as crianças, de dar livros, brinquedos, mostrar animações, visitar lugares que contemplem a cultura afro-brasileira. Então este post foi mesmo para as pessoas enxergarem onde que elas podem conduzir uma educação antirracista para as crianças.

Trilha instrumental de Reynaldo Bessa fica de fundo

Marcelo Abud:
As postagens do “Criando Crianças Pretas” vão continuar a trazer referências para que a criança se veja no lugar de potência, pertencimento e de importância para a sociedade.

Paula Santos:
A gente fala que é uma luta de resistência, porque essa violência ainda está em curso.

Marcelo Abud:
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.