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Um estudo publicado em março de 2020 na Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação (RBBD) intitulado “Idosos, fake news e letramento informacional” aponta que as pessoas acima dos 60 anos estão mais sujeitas às notícias falsas. A conclusão veio de um grupo de pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul. Para chegar nesse resultado, foram analisados sete artigos, quatro internacionais e três nacionais, e a conclusão foi de que um dos motivos para essa vulnerabilidade está no fato de os mais velhos não serem nativos digitais.

“Eles [idosos] estão começando a entrar nesse universo e vão levar um tempo até dominar a mídia, as ferramentas, para depois, num segundo momento, começar a se formarem como leitores mais críticos ou mais desconfiados”, concorda a mestre em comunicação social e educomunicadora, Januária Cristina Alves, que é coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news”.

Idosos não são nativos digitais e estão aprendendo a lidar com esse novo ambiente (crédito: Giulio Fornasar – iStock)

Já o doutor em psicologia social e gerontólogo, José Carlos Ferrigno, pondera que há uma parcela de idosos que estão mais sujeitos a acreditar e repassar conteúdos mentirosos, mas que não é aconselhável generalizar. Para ele, tudo depende da educação que a pessoa teve e é aí que está um dos problemas. “Nós temos na faixa etária da velhice o maior índice de analfabetismo. E quando a gente fala de analfabeto, a gente fala de analfabetismo funcional: pessoas que não chegam nem a compreender aquilo que leem na sua plenitude”, afirma Ferrigno.

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Os dois são ouvidos no podcast, em que explicam os fatores que fazem com que as pessoas espalhem fake news com mais rapidez do que notícias verdadeiras, como revelou um outro estudo publicado em março de 2018 na revista científica Science, realizado por pesquisadores do MIT, dos Estados Unidos. Ele indica que, por meio das redes sociais, as mentiras têm 70% mais chances de serem retransmitidas do que os fatos.

Transcrição do Áudio

Música “Light Years Away” (Doug Maxwell), de fundo

Januária Alves:
As fake news são entendidas como notícias falsas, mas elas são parte de um fenômeno maior que se chama desinformação, esse movimento que existe, que desacredita da ciência, que desacredita da medicina, da educação e que propaga ideias, conceitos que não necessariamente estão amparados em fatos.

O meu nome é Januária Cristina Alves, eu sou jornalista, sou mestre em comunicação social pela Eca-USP, educomunicadora.

José Carlos Ferrigno:
A gente vive uma situação, aí não vale só para os idosos, mas vale para os idosos também: que é humano desejar, em primeiro lugar, pertencer a um grupo; em segundo lugar, ser reconhecido e prestigiado nesse grupo. Isso desde tempos imemoriais, na história da humanidade foi assim.

José Carlos Ferrigno, psicólogo, especialista em gerontologia e relações intergeracionais.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Um artigo publicado agora em março de 2020 intitulado “Idosos, fake news e letramento informacional”, aponta que esse grupo é mais vulnerável à disseminação de notícias falsas. Nele, pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul analisam outros sete artigos, quatro internacionais e três nacionais, e concluem que um dos motivos para isso é o fato de os idosos não serem nativos digitais e estarem aprendendo a lidar com esse novo ambiente.

Para discutir o assunto, o Instituto Claro conversa com a coautora do livro “Como não ser enganado pelas fake news”, Januária Alves, e com o doutor em psicologia social e gerontólogo, José Carlos Ferrigno. Ele começa definindo quem é considerado idoso no Brasil.

José Carlos Ferrigno:
Nos países em desenvolvimento, por condições sociais e econômicas, a velhice é colocada a partir dos 60 anos. É o caso do Brasil… o estatuto do idoso é um conjunto de recomendações das pessoas acima dos 60 anos de idade.

Januária Alves:
Não é só porque o idoso é mais ingênuo ou ele sabe manipular menos os artefatos digitais. Eles – como qualquer um de nós – têm essa questão de acabar acreditando ou em coisas que reforçam aquilo que eles acreditam, que a isso a gente chama de viés de confirmação. E todos nós fazemos isso, né, se a gente tem uma determinada posição e vê um artigo, vê um post de alguém defendendo uma posição que é igual à nossa é quase que natural a gente repassar e nem checa. Isso acontece também com os mais idosos, porque eles têm também, com toda experiência de vida, algumas opiniões já muito fundamentadas, muito formadas, então, às vezes é mais difícil rever essa ideia, mas esse fenômeno acontece com todos nós.

Música: “O Homem velho” (Caetano Veloso)
“O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais / O homem velho é o rei dos animais”

Januária Alves:
Está crescendo o consumo das mídias sociais pelos idosos, eles estão começando a entrar nesse universo, e vão levar um tempo até dominar a mídia, dominar as ferramentas, para depois, num segundo momento, começar a se formarem como leitores mais críticos ou mais desconfiados.

Marcelo Abud:
Ferrigno defende que não é possível generalizar e que cair ou não em fake news depende muito da educação que a pessoa teve. Para ele, é preciso ter a inteligência emocional e a capacidade de empatia desenvolvidas desde a infância para não produzir ou espalhar fake news quando adulto.

José Carlos Ferrigno:
De fato, a gente tem no Brasil uma realidade cruel. Nós temos na faixa etária da velhice o maior índice de analfabetismo. E quando a gente fala de analfabeto, a gente fala de analfabetismo funcional: pessoas que não chegam nem a compreender aquilo que leem na sua plenitude.

Música: “Você não entende nada” (Caetano Veloso)
“Você não está / Entendendo nada do que eu digo”

Januária Alves:
As fake news se espalham muito mais rápido do que as notícias verdadeiras, revela o maior estudo sobre o assunto publicado em março de 2018 na revista científica Science e realizado por pesquisadores do MIT, dos Estados Unidos. O mesmo estudo revela que por meio das redes sociais as mentiras, além de se alastrarem numa velocidade assustadora, têm 70% mais de chance de serem retransmitidas do que as notícias verdadeiras.

José Carlos Ferrigno:
Eu já tive oportunidade várias vezes de escutar alguém que diz assim: “eu sou médico e gostaria de dizer o que está acontecendo de verdadeiro em relação às características dessa epidemia etc e tal”. O sujeito desenvolve uma narrativa toda rebuscada, toda cheia de termos supostamente técnicos-científicos pra passar uma informação mentirosa ou que não tem uma comprovação científica.

Januária Alves:
A análise que a gente faz é que as fake news trabalham com elementos que são da emoção humana. Elas apelam para medo ou pra solidariedade da gente, desejo que o ser humano tem de fazer alguma coisa pelo outro, e se utilizam dessa linguagem dramática. Por isso que eu gosto de fazer sempre essa correlação com a ficção.

José Carlos Ferrigno:
Então as pessoas criam um personagem, simulam ser quem não é, na verdade, muitas vezes é a mesma pessoa travestida de outra indumentária, de identificação.

Januária Alves:
Antes que a gente consiga pensar, a gente já repassou, porque aquilo nos tocou de alguma maneira. Então fica muito complicado colocar consciência, análise, criticidade, num movimento que acaba passando por outros canais, né, pela emoção do ser humano.

José Carlos Ferrigno:
Nos anos 70, 80, a psicologia desenvolveu vários experimentos e vários estudos em torno do que ela chamou de consonância ou dissonância cognitiva, partindo da ideia de que todos nós temos um sistema de crenças. E partindo do princípio de que a gente se sente ameaçado, ansioso, inseguro, quando vê determinadas crenças, de certa forma, serem questionadas.

Outra coisa que eu gostaria de dizer é que a gente vive uma polarização política – nesse momento a gente vê isso numa exacerbação impressionante – de modo que a autocrítica é muito pouco exercida no reconhecimento de que eventualmente o outro grupo possa ter razão em relação àquilo que nós acreditamos.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Notícias falsas não são novidade, mas as redes sociais impulsionam sua propagação. Todos estão sujeitos a elas, porém, os idosos, por não serem nativos digitais, exigem atenção especial.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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