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Fatos incontestáveis, como a existência do holocausto, têm sido negados por meio da construção de narrativas falsas e distorção da História. O professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Jaime Pinsky explica que a propagação de mentiras históricas e científicas não é um fenômeno novo, mas as redes sociais podem estar intensificando e acelerando esse processo.

“Nós temos governantes autoritários que, insatisfeitos em torturar a verdade, torturam a História, pra ver se ela confessa e declara aquilo que eles querem ouvir. Governantes antidemocráticos odeiam a verdade. Eles se alimentam e alimentam seus seguidores com mentira”, afirma Pinsky.

Com a expansão da internet, amplia-se também o campo para essa guerra de narrativas. A rede mundial de computadores é utilizada para transmitir notícias a todo segundo e tanto a informação quanto a desinformação convivem lado a lado. “Eventualmente você pega um texto sei lá de quem e atribui a um poeta do século XIX ou a um cientista do século XX, para dar validade – uma referência positiva – àquele texto. Então, hoje em dia, a internet permite essas distorções tremendas e faz com que as informações circulem rapidamente”, resume o historiador e escritor.
No áudio, ele explica também qual seria a diferença de narrativas sob diferentes pontos de vista e construções mentirosas, que negam os fatos históricos, com intenções, especialmente, políticas.

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Transcrição do Áudio

Música: “Balands” (Elphnt) fica de fundo

Jaime Pinsky:
Se a gente for atrás da história vai reparar que até Ramsés II, há mais de 2 milênios, tinha um hábito muito curioso: ele raspava as pedras onde estavam gravadas as conquistas dos seus antecessores e botava o nome dele, como se ele tivesse feito enormes conquistas bélicas que, de fato, ele não fez, ou seja, já naquela época, as pessoas mentiam. Então distorcer a história não é uma coisa nova.
Jaime Pinsky, professor titular da Unicamp; sou livre-docente e doutor da USP. Tenho 30 livros entre os escritos apenas por mim e escritos em solidariedade com outros colegas.

Vinheta: Instituto Claro – Cidadania

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Ramsés II foi um faraó que permaneceu no trono egípcio entre os anos de 1279 e 1213 antes de Cristo. Segundo o historiador, professor e coautor do livro “Novos Combates Pela História”, Jaime Pinsky, naquela época já havia pessoas que tentavam se favorecer, ao distorcer a narrativa. Nos dias de hoje, as mentiras ganham dimensão maior, a partir das chamadas fake news. Formuladas de forma estruturada e proposital, elas são espalhadas com a rapidez que a internet proporciona.

Jaime Pinsky
Nós temos governantes autoritários que, insatisfeitos em torturar a verdade, torturam a História, pra ver se ela confessa e declara aquilo que eles querem ouvir. Governantes antidemocráticos odeiam a verdade. Eles se alimentam e alimentam seus seguidores com mentira. Atentados contra a cidadania, a ciência, a natureza, a educação são perpetrados a toda hora e tenta-se escondê-los com a contratação de equipes de especialistas em marketing, orientando a propaganda governamental – verbas astronômicas desviadas de saúde, da educação, da habitação, do bem-estar dos cidadãos, são usadas em propaganda.
Ser infiel à verdade dos fatos é algo que governantes e políticos praticam há muitos séculos.

Música: “Um Só” (Gabriel O Pensador)
Banalizam a violência e a coerência some
Dominados por aquilo que consomem
Acreditam mais nas fake news do que nos próprios fatos

Jaime Pinsky:
A gente identifica se existe uma guerra de narrativas ou se simplesmente se aplica a mentira verificando se existe alguma relação concreta com os fatos. Quer dizer, quando alguém faz uma campanha anti-vacina, quando já se sabia que vacina é a única esperança real contra a Covid, você já sabe que existe uma mentira. Aqui nós não temos simplesmente uma guerra de narrativas, nós temos um apelo a uma narrativa que não corresponde aos fatos.

Marcelo Abud:
Pinsky explica a diferença entre ter pontos de vista e mentir sobre os acontecimentos.

Jaime Pinsky:
Eu costumo dizer que, na História, você pode ter olhares diferentes. Por exemplo, você bota o elefante no meio da sala e pede para alguém que está de frente para ele dizer o que é um elefante, que ele nunca viu antes. Ele vai dizer que é um bicho enorme que tem uma tromba enorme, mas quem está atrás, pode dizer que elefante é um bicho que tem um rabo pequeno. Isso é um conflito de narrativas, porque a perspectiva – o ponto de vista, melhor dizendo – é diferente. Não tem nada a ver com ele dizer o elefante é um bicho que é tem escamas, que nada fundo do mar. Quer dizer, aí nós temos uma mentira, uma falsidade. Então é muito importante que nós cidadãos – e a imprensa em particular – consiga estabelecer a diferença, faça uma investigação pra realçar a distinção entre o que é uma guerra de narrativas e o que é um apelo à falsidade.

Marcelo Abud:
O professor dá um exemplo de como narrativas falsas tentam mudar a História.

Jaime Pinsky:
Se disse muito que não houve um holocausto com relação aos judeus na 2ª Guerra Mundial. É um exemplo clássico, que todos os historiadores conhecem bem. Quando se diz que não existiu, você está falseando totalmente a verdade, porque existe fartíssima documentação escrita, fotográfica, de cinema, testemunhos pessoais, atestando que isso, de fato, aconteceu.
Por que que se narra de uma forma diferente? Por que que algumas pessoas, alguns historiadores até, de propósito, distorcem a verdade? Porque eles têm um objetivo político determinado; querem prejudicar um grupo político determinado, uma minoria específica etc. Então, claro que isso causa um mal tremendo.

Música: “Coisa Boa” (Edinei Moreira Da Silva Ferreira / Thiago Soares / Bruno Cunha Silva), com Diogo Nogueira
O futuro está todo escrito a giz
O passado não dá para apagar
O destino é eterno aprendiz
Preconceito aqui não tem lugar

Jaime Pinsky:
Atitudes preconceituosas frequentemente são narrativas que não correspondem à verdade. Quando alguém fala de raças diferentes e tenta mostrar uma suposta superioridade do branco sobre as demais raças, ele está falsificando a verdade. Não existe absolutamente nenhuma comprovação científica a respeito disso. Pelo contrário, todas as experiências feitas – mesmo por racistas – querendo encontrar a diferença, deixaram claro que pessoas de diferentes raças não podem ser separadas por sua capacidade intelectual. Quer dizer, não existe esta diferença, não dá pra dizer – em hipótese nenhuma – que o negro é menos ou mais inteligente do que o branco.
Então, as pessoas buscam, exatamente, justificar uma opressão contra o negro, por exemplo, a partir de mentiras desse tipo. Isso também é uma mentira. Eu me recuso a usar o termo narrativa – eu acho que é equivocado -, não é uma narrativa diferente, é uma mentira histórica.

Marcelo Abud:
A propagação de mentiras cresce na mesma velocidade do uso de redes sociais.

Jaime Pinsky:
As redes sociais aceleram o processo informativo. E quando eu digo informativo, eu estou dizendo desinformativo também. Ou seja, tanto uma verdade quanto uma mentira, pode ser passado muito rapidamente para um grupo de pessoas, que passa para outro grupo e assim sucessivamente.
Eu já tive uma oportunidade pessoal de receber, pela internet, artigos meus dos quais foram retirados o título original e o meu nome como autor e pessoas conhecidas minhas me passaram, dizendo ‘olha só que artigo legal’. Quer dizer, as pessoas perdem a sua identidade, porque o artigo circula sem o seu nome ou, no caso de pessoas evidentemente mais conhecidas, eventualmente você pega um texto sei lá de quem e atribui a um poeta do século 19 ou a um cientista do século 20, para dar validade – uma referência positiva – àquele texto escrito por você mesmo.
Então, hoje em dia, a internet permite essas distorções tremendas e faz com que as informações circulem rapidamente.

Marcelo Abud:
O conceito “ativismo de sofá” é usado em tom de crítica a pessoas que se manifestam apenas pela internet e não em termos práticos.
Jaime Pinsky observa que esse ativismo tem outras consequências quando envolve, por exemplo, um período eleitoral.

Jaime Pinsky:
Ele acaba deixando de ser um ativismo só de sofá, porque as pessoas vão votar em função de informações equivocadas – falsas – que recebem. E brigas enormes de família exigindo regulamentação do “WhatsApp da família”: ‘não, não pode falar de política… enfim, cada família tem suas regras, mas sabemos que existem. E tem gente que não se fala até hoje, nas mesmas famílias, por conta disso.
Agora, isso tudo pode, em grande parte, ser resolvido com alguém um pouco mais esperto, inteligente e honesto, que vá atrás das fontes, coteje e veja o que há de verdade, o que há de falsidade nas coisas. Acontece que quem posta uma mentira – às vezes, inocentemente – não se conforma em ser desmascarado publicamente e, aí, briga com a família e todo mundo da família se desencontra, mesmo cada um sentado no seu sofá.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, fica de fundo

Marcelo Abud:
Para Jaime Pinsky, a História pode e precisa ser defendida. Especialmente quando narrativas e mentiras têm a intenção de mudar fatos indiscutíveis.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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