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No livro “É hora de mudarmos de via: As lições do coronavírus”, lançado no final do ano passado na França, o sociólogo Edgar Morin traz 15 apontamentos em busca de um novo caminho para a humanidade a partir da pandemia de Covid-19. No centenário do sociólogo, este podcast traz alguns trechos do lançamento da obra, que aconteceu durante o evento “Uma Época Formidável”. Realizado na Universidade de Lyon, em novembro de 2020, o evento marca uma das mais recentes aparições de Morin em público.

Às vésperas de completar 100 anos — no próximo dia 8 de julho — e considerado um dos mais importantes pensadores vivos do mundo, ele vê nas diferentes crises que já testemunhou lições para um futuro incerto. “Esta pandemia revela a fraqueza desta humanidade que se acredita indestrutível, porque lança mísseis. De fato, é uma humanidade poderosa, que tem as mais prodigiosas tecnologias, mas também que fica paralisada perante a dor, a doença e a morte. Portanto, o seu interesse é o progresso material, mas este é acompanhado por uma regressão intelectual e moral”, afirma.

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Retrocessos

Para Morin, o momento que estamos atravessando já era esperado e aponta para dois caminhos possíveis: ou a humanidade busca uma nova via ou trilhamos para a catástrofe mundial. “Estamos caminhando para um tempo de regressão que começou já 20 anos antes da pandemia, em todos os lugares do mundo: a crise das democracias com o aumento do poder do dinheiro em toda parte e as desigualdades; o descontentamento popular em todo o planeta; a impotência, diante da repressão, em caso do povo manifestar suas necessidades”, observa.

Sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, quando participou da resistência francesa ao nazismo, Morin vê retrocessos na sociedade, justamente em um momento em que a sobrevivência do planeta depende do resgate do humanismo. Para ele, o coronavírus veio mostrar a fragilidade humana e pode ser a esperança de que o mundo mude de via.

“O fato de nos inserirmos nesta luta transforma as forças da união, do convívio, da compreensão, do amor, da fraternidade. Lutamos contra as forças de desintegração, do reino do desprezo, da destruição. O fato de que possamos nos engajar com todos aqueles que estão nessa busca é algo animador que nos faz sentir bem”, acredita.

Entre as lições destacadas pelo pensador francês para um futuro melhor no pós-pandemia estão a necessidade de admitir que a ciência é muito importante, mas que não é possível deixar tudo por conta dela; de se resgatar a convivência entre as pessoas e revigorar o humanismo para que se viva bem em sociedade.

Para Morin, o amanhã ainda pode apontar para a regeneração da política, a proteção do planeta e para a humanização da sociedade, mas, para isso, é urgente mudarmos de via. E assim como o pensamento que teve quando resistiu à guerra, conclui: “Acho que esperança consiste em participar daquilo que pensamos ser certo e bom. Temos a vontade de continuar essa luta para viver melhor, e é nisso que deposito as minhas alegrias”.

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Transcrição do Áudio

Música: “O Futuro que me Alcance”, versão instrumental, de Reynaldo Bessa, fica de fundo

Edgar Morrin / Daniel Grecco:
Lembro-me de como fui na resistência durante a ocupação, onde as condições eram péssimas, além de muito ameaçadoras. Apesar disso, eu me sentia bem comigo mesmo, porque sentia que estava fazendo o que achava certo. Acho que esperança consiste em participar daquilo que pensamos ser certo e bom. Temos a vontade de continuar essa luta para viver melhor, e é nisso que deposito as minhas alegrias.

Marcelo Abud:
Esse é um trecho do discurso de Edgar Morin sobre a participação dele na Resistência Francesa ao Nazismo, durante a Segunda Guerra Mundial. A fala fez parte do evento “Uma Época Formidável”, realizado na Universidade de Lyon e que marcou o lançamento do livro “É hora de mudarmos de via: As lições do coronavírus”.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Entre 1918 e 1920, o mundo foi devastado pela gripe espanhola. O número de mortes foi calculado em 50 milhões de pessoas. Muitos dos que sobreviveram, tiveram sequelas. É o caso de uma jovem chamada Luna Nahum, que passa a conviver com problemas cardíacos, após se recuperar da doença. Ela também foi alertada pelos médicos para o fato de não poder ter filhos, pois isso representaria risco de morte. Quando se casa e acaba engravidando a primeira vez, consegue abortar. Na segunda gravidez, porém, a abortista clandestina dá a ela produtos que não funcionam. No parto, o bebê quase é estrangulado pelo cordão umbilical, mas sobrevive e torna-se um dos principais pensadores do século.
Luna, a mãe de Edgar Morin, morre às vésperas dele completar 10 anos de idade. O contato com essa perda precoce foi só um dos muitos momentos em que o sociólogo precisou de resiliência.
Agora, em seu centenário, Morin observa a fragilidade humana diante da crise da democracia e dos limites da ciência. Temas que fazem parte do livro que lançado na França em outubro do ano passado e que já conta com versão em português.

Edgar Morin / Daniel Grecco:
A pandemia chega para nos mostrar os limites da ciência, que acreditávamos triunfante. Devemos lembrar que no final do século passado, pensávamos ter eliminado bactérias e vírus conhecidos, mas eles são indestrutíveis e se reproduzem muito unidos, se espalham. Esta pandemia revela a fraqueza desta humanidade que se acredita indestrutível, porque lança mísseis. De fato, é uma humanidade poderosa, que tem e possui as suas mais prodigiosas tecnologias, mas também que fica paralisada perante a dor, a doença, e a morte. Portanto, o seu interesse é o progresso material, mas esse é acompanhado por uma regressão intelectual e moral. A crise da modernidade – a última expressão dela – já começou, é a pandemia. E é por isso que nos obriga a pensar em modos de vida. Precisamos de um novo olhar sobre a antropologia e a história.

Música: “Nada se Repete” (Teago Oliveira)
Eu já vivi por muito tempo
Até depois cansar de tudo
Sobrevivi a grandes guerras
Gargalhei do fim do mundo

Marcelo Abud:
Diante da globalização e da dependência econômica entre os países, Morin acredita ser pouco provável uma guerra nuclear generalizada. Por outro lado, a crise ampliada pela pandemia do novo Coronavírus pode intensificar um caminho de retrocessos com o qual estamos convivendo há anos.

Edgar Morin / Daniel Grecco:
Eu creio que estamos caminhando para um tempo de regressão que começou já 20 anos antes da pandemia, em todos os lugares do mundo: a crise das democracias com o aumento do poder do dinheiro em toda parte e as desigualdades; o descontentamento popular em todo o planeta; a impotência, diante da repressão, em caso do povo manifestar suas necessidades. E esse fenômeno de retrocesso que começamos, alguém poderia pensar que a consciência da pandemia seria muito forte para mudar as atuais regras, mas tenho a impressão que as probabilidades não são uma certeza. Sinto que os retrocessos podem continuar. Não só esses retrocessos ou uma destruição das liberdades de cada vez mais democracias, mas também uma regressão onde vemos os conflitos se agravarem e se internacionalizarem.

Marcelo Abud:
No livro “É hora de mudarmos de via: As lições do coronavírus”, Morin demonstra – mesmo diante do cenário de retrocessos e da dimensão alcançada pelo vírus – ter razões para acreditar em dias melhores.

Edgar Morin / Daniel Grecco:
A primeira razão é mesmo a incerteza da aventura humana, que é de todas as pessoas e de toda a humanidade. Não queremos ter a certeza do pior. O pior nunca é certo, como dizemos. Claro que o melhor também não é certo. Mas o fato de nos inserirmos nesta luta transforma as forças da união, do convívio, da compreensão, do amor, da fraternidade… e lutamos contra as forças de desintegração, do reino do desprezo, da destruição. O fato de que possamos nos engajar com todos aqueles que estão nessa busca é algo animador que nos faz sentir bem.

Música: “Nada se Repete” (Teago Oliveira)
Presenciei tantas mazelas
E pessoas desleais
Feridas imortais
Os tempos vêm, os tempos vão
E nada se repete mais

Edgar Morin / Daniel Grecco:
A segunda razão é que acho que precisamos de um grande motivo, de um incentivo para nos manter acreditando e lutando pelo nosso amanhã, pelos nossos filhos, nossa relação com o meio, com as pessoas, e que devemos fazer de tudo para evitar o pior e a retaliação. Devemos fazer o melhor. Por isso penso que a esperança viverá como uma imagem.

Marcelo Abud:
A apresentação que fez no lançamento do livro, em Lyon, em novembro, foi uma das mais recentes aparições de Morin antes de completar 100 anos. No final, ele utiliza a arte para demonstrar a importância de se resgatar o humanismo como uma das lições que devemos aprender com a pandemia.

Edgar Morin / Daniel Grecco:
Há uma peça de teatro de um dramaturgo húngaro, romântico, do século 19, chamada “A Tragédia do Homem”. Começa no paraíso. Tudo tem início muito bem entre Adão e Eva, e então o mal deve ser afugentado. A partir daí, há diferentes quadros da história: vemos Cleópatra e Antônio – que estão felizes nos braços um do outro – e que tanto serviram ao mal. Então, finalmente todos os episódios de arte cairão e o que começa perfeitamente maravilhoso passa a dar tudo errado. Então, no último episódio, o sol resfria, a terra fica coberta de gelo, pouco resta dos esquimós, estes estão em um estado lamentável. E aí há uma mulher grávida que dá à luz. O casal sorri porque seu filho nasceu. Digo que a esperança é viver esses momentos em que sentimos que algo lindo está acontecendo. Nós vivemos para esses momentos. O fato de nos sentirmos juntos é algo importante. Então, se quisermos, podemos reprimir o desespero.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Admitir que a ciência é muito importante, mas que não é possível deixar tudo por conta dela; resgatar a convivência entre as pessoas; e revigorar o humanismo para que se viva bem em sociedade: essas são algumas das lições trazidas por Morin para que se evite uma catástrofe generalizada. O futuro imprevisível do pós-pandemia está em gestação hoje. O pensador ainda acredita que o amanhã possa nascer para a regeneração da política, para a proteção do planeta e para a humanização da sociedade, mas, para isso, defende que é urgente mudarmos de via.
Este episódio especial contou com tradução de Reynaldo Bessa; locução e apoio de produção de Daniel Grecco. A música utilizada é “Nada se Repete”, de Teago Oliveira.
No centenário de Edgar Morin, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

 

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