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Medo constante, luto, angústia e melancolia. Essas são algumas das principais reações na saúde mental, geradas pela necessidade de distanciamento social. Para o psicanalista Joel Birman, autor do livro “O trauma na pandemia do coronavírus – a dimensão psíquica da pandemia da covid-19”, após mais de um ano convivendo com a presença do vírus, a população brasileira está diante de uma crise humanitária que encontra similaridade em períodos de guerra.
“A semelhança entre as guerras e a pandemia é que as duas mostram que nós somos expostos a um trauma de dimensão coletiva, onde a espécie humana está em risco, de maneira que depressão, melancolia, angústia, o uso de drogas, tudo isso a gente vê que se passa perfeitamente em ambas as experiências”, afirma o psicanalista nesta entrevista ao Instituto Claro.

No áudio, Birman aborda diferentes dimensões de traumas. “O sintoma inicial é aquilo que Freud chamava de ‘neurose de angústia’, que os psiquiatras chamam de síndrome do pânico. Você começa a sentir falta de ar, o coração começa a acelerar, seu pulso acelera, você tem suores frios. Você tem a sensação de que vai morrer de uma hora pra outra. E a partir desse efeito traumático inicial, uma série de sintomas se organizam”.
Ao lado das contaminações provocadas pela pandemia, ocorre também a produção de inúmeras perturbações psíquicas ligadas ao campo da saúde mental: pânico, depressão, melancolia. O especialista observa também um aumento do uso de álcool e drogas e da violência doméstica contra mulheres e crianças.
Birman ressalta, ainda, que uma das faces mais traumáticas diante da pandemia é não poder realizar o trabalho de luto para os milhares de mortos que o Brasil tem acumulado diariamente.

Despedida virtual

O psicanalista aponta caminhos para a diminuição do impacto desses traumas gerados pelo luto e isolamento social. A cerimônia virtual é um deles. “Fazer cerimônias virtuais antes ou depois do enterro, convocar os amigos, é uma maneira de fazer um ritual coletivo de luto onde o amigo ou o parente é perfeitamente respeitado”.

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Joel Birman resume o que mais pode ser feito para lidar com as questões que envolvem a saúde mental: “Não se entreguem, acordem de manhã, troquem de roupa, não andem em casa como se estivessem usando a roupa que dormiu, tente estabelecer minimamente uma vida digna de produção e de trabalho, que isso ajuda”.
Quando a situação parece sair do controle, a procura por especialista da área de saúde mental é outra forma de lidar melhor com as principais perturbações psíquicas verificadas desde o início da quarentena.

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Transcrição do Áudio

Transcrição do áudio:
Música: “Final Reckoning”, de Asher Fulero, de fundo

Joel Birman:
A semelhança entre as guerras e as pandemias é que as duas mostram no que nós somos expostos, a um trauma de dimensão coletiva, onde a espécie humana está em risco, de maneira que depressão, melancolia, angústia, o uso de drogas – tudo isso a gente se vê que se passa perfeitamente em ambas as experiências.
Joel Birman, eu sou psicanalista, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro; membro do Espaço Brasileiro de Estudos Psicanalíticos no Brasil e do Espace Analytique, de Paris.

Vinheta “Instituto Claro – Cidadania”

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
O Brasil vive uma espécie de “epidemia de saúde mental”? Neste episódio, você acompanha um diagnóstico e o que é possível fazer para diminuir os impactos do distanciamento social gerado pela pandemia do novo coronavírus. Para isso, o Instituto Claro consultou o psicanalista Joel Birman, autor do livro “O trauma na pandemia do Coronavírus”.

Joel Birman:
A pandemia desorganiza todo o tecido social, nos leva a ter formas de vida social marcados pelo distanciamento – e as classes populares vão viver isso de uma maneira mais difícil, porque elas têm espaços domésticos restritos –, provoca uma crise econômica de grandes proporções, comparável à crise econômica de 29, segundo alguns economistas; essas bases vão por água abaixo, a gente quebra psiquicamente.

Marcelo Abud
A teoria do trauma foi criada por Freud, no período que sucedeu a Primeira Guerra Mundial.

Joel Birman:
E ele tentou mostrar basicamente o seguinte: quando a gente é capaz de antecipar um perigo, nós criamos uma forma de defesa que se chama “angústia sinal”, então, a partir do momento em que a gente sente medo, a gente se defende. Agora quando a gente não consegue antecipar um perigo, que a nossa vida se vê ameaçada, nós temos aquilo que o Freud chama não de angústia sinal, mas “angústia real”. O que que acontece no caso da pandemia do Covid 19? Nós estamos diante de um mal invisível; o vírus é uma doença microscópica, ninguém vê o vírus. Então a gente não sabe nunca como é que a gente pode se antecipar a esse vírus que pode nos contaminar na invisibilidade.

Música: “Lá vou eu” (Luiz Sérgio Carlini / Rita Lee), com Rita Lee
A gente não consegue
Ficar indiferente
Debaixo desse céu

Joel Birman:
Então a gente é traumatizado pelo vírus. No nosso psiquismo, o sintoma inicial é aquilo que o Freud chamava de “neurose de angústia”, que os psiquiatras chamam de síndrome do pânico. Você começa a se sentir com falta de ar; você sente que o coração começa a acelerar; o seu pulso acelera; você tem suores frios; e você tem a sensação de que você vai morrer de uma hora pra outra. E a partir desse efeito traumático inicial uma série de sintomas se organizam: a gente passa a desnaturalizar tudo o que vem no nosso corpo. Então, por exemplo, a gente não pode ter uma dor de garganta, ter uma coriza, diarreia, ter uma dor de cabeça, sem achar que a gente está com a Covid. Isso é o que caracteriza uma experiência hipocondríaca.

Marcelo Abud:
Segundo Birman, além de produzir angústia e hipocondria, a pandemia tem resultado em quadros de depressão.

Joel Birman:
Pelo fato de que a gente está vivendo num mundo de interação social muito restrita, a gente começa a ter um certo esvaziamento vital. Então a gente cai num estado depressivo; tem muitos idosos que ao viverem isolados, longe dos filhos e dos netos, eles começam a se autoabandonar e, com isso, eles param de comer, de tomar banho, quer dizer, eles caem num estado melancólico.

Música: “Melancolia” (Denis Brean), com Elizeth Cardoso e Cyro Monteiro
Melancolia companheira
Das horas frias
Sem ternura, que loucura

Joel Birman:
Uma formação sintomática importante é a seguinte: essas regras de higiene e controle sanitário que a gente está utilizando – lavar a mão, usar o álcool em gel, usar sabonete, manter distanciamento, não tocar em maçanetas, não tocar em parede – tudo isso faz com que alguns sujeitos, que se sintam mais vulneráveis diante desse vírus invisível, acham que vão ser contaminados a qualquer momento. Então eles entram numa espécie de aceleração dessas normas higiênicas, aquilo que eu chamo de rituais obsessivo compulsivos, ligados às normas de limpeza.

Marcelo Abud:
Diante da pandemia, outro sintoma que tem sido observado é o aumento no consumo de drogas lícitas e ilícitas.

Joel Birman:
É o incremento enorme do uso de álcool ou de drogas, ou alguns medicamentos antidepressivos, tranquilizantes, ou então de drogas ditas ilícitas: maconha, cocaína, drogas sintéticas, né, que as pessoas utilizam numa tentativa desesperada de elas se automedicarem. Uma outra forma também dessa espécie de autocuidado que as pessoas utilizam é aumentar a ingestão de comida, tentam preencher o vazio provocado pela depressão e pela falta de interação social.

Marcelo Abud:
O aumento da violência doméstica cometida contra mulheres e crianças é outro trauma gerado a partir da pandemia.

Joel Birman:
Você tem um aumento gigantesco da violência feita por homens que, ao se sentirem fragilizados, vulneráveis, perdendo o controle, perdendo a condição viril deles, é como se através da força física eles tentassem afirmar o quão potentes eles são e quem está fragilizado na história são as crianças e as mulheres.

Marcelo Abud:
A convivência diária com a presença da morte e a impossibilidade de se despedir das pessoas que ama também geram trauma.

Joel Birman:
Então, a gente está com uma montanha de cadáveres em torno de nós. E esses cadáveres eles são enterrados de uma forma indigna, isto é, pra que a gente possa enterrar alguém de uma maneira digna, é necessário, né, fazer um ritual funerário. As pessoas estão sendo enterradas em covas, com a presença de uma ou duas pessoas da família; elas nem podem ver a cara do morto pra não serem contaminados. Esses mortos estão sendo tratados como gado. Então se a gente não faz esse ritual funerário, a gente não pode fazer o trabalho de luto. E segundo uma antiga hipótese do Freud, quando a gente não faz o trabalho de luto, a gente cai numa situação melancólica, de maneira que a gente vive com esses mortos. Pra retomar um título famoso, do Sartre, como se eles fossem “Mortos Sem Sepultura”.

Marcelo Abud:
Em maio de 2020, o podcast de Cidadania do Instituto Claro ouviu Tom Almeida, que criou um manual para auxiliar a realização de cerimônias virtuais. De acordo com Birman, essa é uma das importantes maneiras de se diminuir os traumas diante da pandemia.

Joel Birman:
Fazer cerimônias virtuais antes ou depois do enterro, convocar os amigos, é uma maneira de fazer um ritual coletivo de luto, onde o amigo ou o parente ele é, perfeitamente, respeitado.

Música: “Não tenho medo da morte” (Gilberto Gil)
“Quem sabe eu sinta saudade, hein? / Como em qualquer despedida”

Joel Birman:
Se protejam; respeitem às normas sanitárias; lavem as mãos; usem álcool; respirem, tentem falar com seus amigos pelo telefone; trabalhem, se possível; não se entreguem; acordem de manhã e troquem de roupa, não andem dentro de casa como se estivessem usando a roupa que dormiu; tente estabelecer minimamente uma vida digna de produção e de trabalho, que isso ajuda.

Música de Reynaldo Bessa, instrumental, de fundo

Marcelo Abud:
Medo persistente, luto, angústia, são algumas das principais reações na saúde mental, a partir do impacto do isolamento social. Ao sentir que está tendo dificuldade para lidar com a situação, é hora de procurar ajuda. No texto que acompanha este podcast, você encontra os links para o Mapa da Saúde Mental e também para o áudio sobre o guia de despedidas virtuais.
Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

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