Ouça também em: Ouvir no Claro Música Ouvir no Spotify Ouvir no Google Podcasts Assina RSS de Podcasts

Viver o luto é essencial para superar uma perda. No caso da morte, os rituais se tornam importantes para familiares e amigos homenagearem aquele que amavam.

Em momentos que exigem o distanciamento social, como o vivido durante a pandemia do novo coronavírus (covid-19), essas pessoas têm tido de lidar de uma maneira diferente em relação aos velórios.

Diante dos riscos de transmissão do vírus, o protocolo do Ministério da Saúde indica que o sepultamento deve ser feito com, no máximo, 10 pessoas, respeitando a distância mínima de, pelo menos, dois metros entre elas, além de outros cuidados. Isso, independente se o motivo da morte foi pela doença.

Tom Almeida criou um guia para despedidas virtuais, a partir das notícias sobre o avanço do novo coronavírus (crédito: Bruno Martin)

Pensando nessa limitação das cerimônias e na ausência de velório, o Movimento inFINITO – grupo que tem como objetivo ajudar famílias e amigos na elaboração do luto – criou um Guia de Rituais e Despedidas Virtuais.

O Instituto Claro conversou com o fundador, Tom Almeida, que conta por que desenvolveu o passo a passo para orientar a despedida a partir do uso de recursos de vídeo. “Quando eu comecei a ouvir as notícias do que estava acontecendo, das pessoas não poderem participar do velório, que eu entendi que algo precisava ser feito […] Esses rituais de despedida têm uj papel muito importante para trazer concretude – a pessoa absorver que aquilo aconteceu Também é um espaço social onde é permitido expressar a dor.”

No Guia, que pode ser acessado gratuitamente no site do Movimento inFINITO, são apresentadas dicas para a escolha da plataforma de transmissão, o que o convite deve conter, quais aspectos devem ser levados em conta no roteiro da cerimônia e como evitar desconforto, tanto por parte de quem conduz quanto dos participantes.

Tom sugere que a cerimônia seja marcada com antecedência e que o organizador oriente os participantes (crédito: reprodução YouTube)

A proposta de Tom Almeida é que haja um ressignificado dessa passagem por meio da tecnologia. “A relação que a gente tem com a morte, no geral, ela é só medo e dor. E quando você entra nesse processo, você inclui outros sentimentos, que são amor, gratidão, pertencimento”, conclui. 

Transcrição do Áudio

Trilha Spring, de Hovatoff, fica de fundo.

Tom Almeida:
Quando eu comecei a ouvir as notícias do que estava acontecendo, das pessoas não poderem participar do velório, não poderem participar desses rituais de despedida, que eu entendi que algo precisava ser resolvido.

Eu sou Tom Almeida, fundador do “Movimento inFINITO”, que é um espaço de conversa sobre viver e morrer.

Vinheta: “Instituto Claro – Cidadania”

Marcelo Abud:
Os rituais são importantes para familiares e amigos organizarem a experiência e manterem o vínculo com quem morreu. Em momentos que exigem o distanciamento social, como o vivido durante a pandemia do novo coronavírus, essas pessoas têm tido uma relação diferente com o luto. Pensando nisso, o fundador do “Movimento inFINITO”, Tom Almeida, criou um guia de rituais e Despedidas Virtuais.

Tom Almeida:
O luto faz com que a gente acesse sentimentos importantes: a ligação que a gente tem com a pessoa que se foi, que morreu. E é importante pra gente concretizar, elaborar esse sentimento de perda pra eu conseguir seguir uma nova vida sem essa pessoa. E os rituais eles têm um papel muito importante para: primeiro, criar concretude, entender que aquilo aconteceu. Eu começo a elaborar um processo pra eu ir pra essa nova vida sem aquela pessoa. Então ele tem esse papel; o outro, é o pertencimento social, é esse momento que eu vou e eu percebo o quanto eu sou amado, eu percebo que as pessoas que são queridas estão ali pra compartilhar aquela dor comigo, me abraçar. É um espaço social onde é permitido eu expressar toda a minha dor, que não existe julgamento, naquele momento eu posso expressar a minha tristeza sem problemas. E daí que surgiu a ideia.

A minha proposta foi: é importante e veja aqui uma nova opção pra sair desse papel de refém, pra criar algo novo a partir disso.

Música: “Não tenho medo da morte” (Gilberto Gil)
“Quem sabe eu sinta saudade, hein? / Como em qualquer despedida”

Tom Almeida:
Quem que deve fazer isso? Quem é a pessoa mais indicada pra organizar esse tipo de ritual?

Tem o núcleo familiar e o núcleo estendido. E daí a gente sugere que seja o núcleo estendido, ou seja, que não é aquela pessoa que mais está sofrendo, aquela que está impactada, mas ainda ela tem uma certa organização emocional e cognitiva pra poder pensar num passo a passo. E independente de quem – por exemplo, se é o núcleo estendido que vai organizar, o núcleo familiar ele tem que sempre ser envolvido no processo.  Ele tem que ser consultado pra que a gente não invada a dor da outra pessoa. Às vezes até com intuito de ajudar, a gente acaba atropelando a outra pessoa, então é muito importante que ela seja consultada.

Marcelo Abud:
Depois definir porquê e quem deve fazer a cerimônia, Tom Almeida traz um passo a passo da despedida virtual.

Tom Almeida:
Então o primeiro ponto é o planejamento estrutural: qual a plataforma que eu vou usar? Será que eu já tenho familiaridade com alguma plataforma? Será que eu preciso convidar alguém pra me ajudar a organizar? Então pensando nessa parte técnica.

Dois: definir a data. Eu posso fazer nas datas que eu achar mais adequado, quando a família já está mais organizada emocionalmente pra fazer isso. Desta forma virtual, é quando a família achar que ela precisa, então pode ser três dias depois; pode ser no sétimo dia; pode ser no mesmo dia, pode ser um mês depois. Ela é atemporal.

Marcelo Abud:
Após o planejamento inicial, com a definição da plataforma, da data e de quem vai ajudar na organização, o próximo passo é definir quem serão os convidados.

Tom Almeida:
Será que vai ser uma cerimônia mais íntima, só dos familiares? Será que é uma cerimônia que tem familiares e amigos próximos? Será que é uma cerimônia mais abrangente onde eu vou também chamar colegas de trabalho? Como é que vai ser isso? Então de novo ir consultando sempre os familiares mais impactados. Como pra eles é importante? Como é que eles vão se sentir mais acolhidos? Será que vão ser cerimônias separadas, um só pra a família, um só para os amigos? Será que são grupos diferentes? Está é uma possibilidade também.

E daí na criação do convite, deixar muito claro: quando vai ser, o horário; questões bem simples e básicas, mas que são importantes pra que ocorra tudo certo. E, principalmente, colocar o link de onde vai ser essa plataforma.

Música: “O Anjo mais velho” (Fernando Anitelli), O Teatro Mágico
“O fim é belo incerto / Depende de como você vê”

Tom Almeida:
Daí o terceiro passo é planejar o encontro. No roteiro da cerimônia, vai ser uma cerimônia que vai durar meia-hora ou uma cerimônia que vai durar uma hora? O que vai ser falado na abertura? O que vai ser falado durante ou então no final também? Outras pessoas vão falar? Então é importante que se convide as outras pessoas, importante que as pessoas se preparem. Será que você vai ler um texto? Você vai escrever algum texto, essa pessoa que vai organizar? É importante que ela se prepare, ela planeje pra tudo isso. Será que ela vai convidar um religioso pra fazer uma participação, vai ser tocada uma música? Tem algo específico daquela pessoa que faleceu, bastante representativo, para tornar a cerimônia personalizada? Por exemplo, vamos falar sobre a receita daquela comida que a pessoa fazia ou um time de futebol? Como é que eu torno aquela reunião, aquele encontro, bastante personalizado? E, de novo, sempre incluindo familiares nessas decisões.

Música: “Naquela mesa” (Sergio Bittencourt), com Elizeth Cardoso
“Naquela mesa ele juntava gente e contava contente / O que fez de manhã / E nos seus olhos era tanto brilho / Que mais que seu filho, eu fiquei seu fã”

Tom Almeida:
E daí a cerimônia. Então, primeiro, marcar um horário pra que as pessoas cheguem, pra que todo mundo fique confortável com a parte técnica. Que todo mundo entenda como é que funciona aquela plataforma. Onde que eu aperto pra ficar mudo, onde eu ligo a câmera? Como é que vai funcionar? Então reservar ali um tempo, uns quinze, vinte minutos, só para cuidar dessa parte. Eu falo que é quase que quando você está preparando a cerimônia: ensinar para as pessoas onde elas vão sentar, explicar onde é o banheiro, explicar se vai ter um intervalo. Então só para todo mundo ficar confortável, para que isso não atrapalhe o andamento da cerimônia. Só depois que todo mundo já está organizado e entendeu essa parte técnica, daí você começa, oficialmente, a cerimônia.

Daí você tem tempo de realmente viver aquela cerimônia e criar aquele ambiente com bastante emoção, e que a gente possa eliminar toda essa parte técnica pra gente realmente estar presente e criar essa conexão.

Marcelo Abud:
O fundador do “Movimento inFINITO” destaca outros aspectos que podem ser levados em conta em função de a cerimônia ser virtual.

Tom Almeida:
A pessoa pode gravar. Ela tem a possibilidade de assistir novamente. E recorrer para essas memórias é uma forma de eu processar o meu luto, que na cerimônia presencial isso não existe. Muitas vezes, inclusive, a gente escuta depoimentos de a pessoa falar: ‘eu nem lembro que estava no velório’. Porque a pessoa está totalmente abalada. E assistir e ver todas essas declarações de carinho, de afeto e tudo o mais, ajudam a pessoa a elaborar este processo.

A outra coisa é a possibilidade de pessoas de fora, por exemplo, pessoas que estão em outras cidades, em outros países, participarem também. Então, assim, reforça muito esse acolhimento pra quem participa. Então eu acho que é uma grande possibilidade de reescrever os rituais; de criar da forma que isso me acolha e que traga mais paz.

A relação que a gente tem com a morte, no geral, ela é só medo e dor. E quando você entrar nesse processo, você inclui outros sentimentos, que são amor, gratidão, pertencimento. E esses sentimentos fazem com que a experiência da morte fique mais completa. Então, você leva vários sentimentos bons. Eu acho que isso é bonito também.

Música instrumental, de Reynaldo Bessa, de fundo

Marcelo Abud:
Além do guia de Rituais de Despedidas Virtuais, no site e nas redes sociais do Movimento inFINITO , Tom Almeida tem realizado várias ações que buscam ajudar familiares e amigos na elaboração do luto.

Com apoio de produção de Daniel Grecco, Marcelo Abud para o Instituto Claro.

0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.