Leonardo Valle

A estudante de engenharia de produção Talita da Silva Soares, 22, estava um dia em sua casa, menstruada, e se deu conta de como seria ruim se não tivesse condições financeiras para comprar um absorvente. “Foi quando percebi que essa era a realidade de muitas mulheres, principalmente as que estão em situação de rua”, conta.

Era final de 2018 e ela e a geógrafa Carolina Chiarello, 25, resolveram arregaçar as mangas e tentar transformar um pouco essa realidade. Assim, a dupla criou o projeto “Tô de Chico”, que, desde então, coleta absorventes e os distribui mensalmente para mulheres que vivem nas ruas do centro do Rio de Janeiro (RJ) e Niterói (RJ).

Devido à falta de condições para adquirir o absorvente, é comum que moradoras de rua contenham o sangramento de forma improvisada, o que pode deixar o organismo vulnerável a infecções urinárias. “Muitas nem sequer usam ou dizem que só estão com a calcinha. Em toda a coleta, alguma mulher desabafa: ‘Graças a Deus, não sabia como faria esse mês'”, revela Chiarello.

O “Tô de Chico” aceita apenas doações de absorventes, não de dinheiro, e se compromete a buscar os itens com quem deseja doar. Para Soares, a iniciativa tem mais o intuito de promover a empatia do que apenas a doação do item. “O projeto é sobre estimular as pessoas a refletirem sobre o problema e a se colocarem no lugar do outro. É uma questão de segurança, saúde e dignidade, que a mulher em qualquer situação merece”, ressalta.

Espalhando a ideia

Segundo Chiarello, a maioria das doações é realizada por mulheres. “Provavelmente porque homem não tem essa vivência da menstruação, então é mais fácil, para a mulher, saber o que a outra está passando”, analisa. “Também há uma cultura feminina de compartilhamento do pacote de absorvente. De uma amiga perguntar para a outra se ela tem um absorvente na bolsa para emprestar”, reflete.

As idas a campo também fizeram a dupla repensar os estereótipos dos moradores de rua. “Ao contrário do que pensa o senso comum, não são pessoas que estão ali ‘porque querem’. Há muitas famílias, mulheres casadas e trabalhadoras, que catam latinha, fazem faxina e se viram como pode”, desmistifica Soares. “Uma das assistidas é uma moradora da Baixada Fluminense que faz tratamento no Sistema Único de Saúde no Rio de Janeiro. Como não tem o dinheiro para o transporte de ida e volta, dorme na rua”, lamenta.

Como a população de rua é nômade e transitória, é comum as fundadoras do “Tô de Chico” se depararem com mulheres diferentes e novas histórias. “Algumas, contudo, são atendidas desde o começo do projeto”, aponta Soares.

Elas ainda alimentam o sonho de que a iniciativa possa inspirar outras pessoas, em diferentes lugares do Brasil. “Uma das ideias do projeto é que você não precisa vir até nós para colaborar, mas ajudar quem está à sua volta. Comprar um absorvente para uma pessoa carente quando fizer a compra do mês ou doar aqueles cinco ou seis itens que sobraram ao final do ciclo para quem precisa”, orienta. “Ou, ainda, ajudar uma amiga que está passando por dificuldades financeiras. Saiba que, com certeza, ela vai menstruar em algum momento do mês” recomenda.

A estudante de engenharia de produção Talita da Silva Soares e a geógrafa Carolina Chiarello, com as doações

 

Saúde pública

Uma das justificativas para o alto preço dos absorventes no Brasil são as taxas sobre o produto. Segundo levantamento realizado pelo projeto Impostômetro, que mapeia impostos de diferentes artigos, a tributação dos absorventes é de 34,48%.

Para facilitar o acesso ao artigo por mulheres de diferentes condições econômicas, países como Canadá e Índia aboliram os impostos sobre absorventes. Em 2013, o governo federal vetou parte do texto da Medida Provisória (MP) nº 609, que reduziria a zero a alíquota do PIS/PASEP e Cofins para os absorventes, escovas de dente e fraldas descartáveis.

“Consideramos a falta de acesso ao absorvente um problema de saúde pública. Ele poderia ser fornecido no posto de saúde, como a camisinha, não apenas para as mulheres em situação de rua, mas para as mais carentes também”, defende Soares.

No Brasil, a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro aprovou, em 3 de junho, a lei 6.603/2019, que prevê a distribuição gratuita de absorventes nas escolas da rede municipal. “Muitas meninas, por exemplo, deixam de ir à escola porque não têm absorvente, comprometendo o desempenho escolar”, explica Soares.

Para ela, a menstruação ainda é um tabu. “Aquilo que não é falado fica invisível, mas, se não discutirmos o assunto, não pensaremos em soluções no âmbito social”, finaliza.

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