Os vídeos curtos das redes sociais são produções de poucos segundos ou minutos que surgiram no TikTok e foram gradativamente incorporados por outras plataformas, como o reels do Instagram e o shorts do YouTube.
“Eles são caracterizados pelo excesso de estímulos sensoriais, com cortes e transições rápidas, sobreposição de fala, música e recursos de interação”, descreve o líder de educação digital do Instituto Alana Rodrigo Nejm.
O médico psiquiatra Rodrigo Menezes Machado, coordenador do Grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), explica que os vídeos curtos hiperestimulam áreas do cérebro ligadas ao prazer e oferecem pouco tempo para a tomada de decisões.
“O algoritmo das redes sociais filtra novos vídeos a partir de interesses prévios. Quando um termina, outro de potencial interesse inicia automaticamente, deixando pouco espaço para escolha”, afirma.
Segundo Nejm, esse design é intencional. “As plataformas estruturam seus vídeos curtos para maximizar o tempo de tela e a retenção, mantendo o consumidor preso. São feitos para serem irresistíveis, não necessariamente para educar, informar ou enriquecer.”
No caso de crianças e adolescentes, o problema vai além do conteúdo. “Podemos pensar na relação das crianças com conteúdos digitais como uma dieta. Os vídeos curtos e rápidos criam um padrão fragmentado e altamente estimulante, gerando recompensas imediatas de prazer no cérebro. É como um alimento ultraprocessado: dá satisfação momentânea, mas pouco nutre”, compara Nejm.
“Quando esse é o cardápio principal da vida digital de uma criança, sem contato com vídeos médios, longos e de baixo estímulo, há risco de empobrecimento cognitivo e cultural”, complementa.
Impactos no cérebro em formação
Machado explica que os vídeos curtos podem causar dependência: “As redes sociais têm mecanismos de gratificação extraídos dos jogos de azar. Nos vídeos curtos, o caráter aditivo ocorre porque estimulam frequentemente o sistema de recompensa.”
“Quando o cérebro percebe a possibilidade de prazer, libera o neurotransmissor dopamina. A exposição recorrente causa hipersensibilização: o prazer diminui e é preciso cada vez mais tempo de tela para obter a mesma sensação.”
A hiperestimulação afeta de forma diferente crianças e adolescentes, na comparação com os adultos. “O córtex pré-frontal, importante para tomada de decisão e avaliação de riscos, ainda amadurece até os 25 anos. Crianças e jovens têm um freio regulatório imaturo, tornando mais difícil controlar impulsos diante de prazeres. Por isso, é importante que os pais auxiliem no uso da tecnologia”, enfatiza Machado.
Além disso, há menor capacidade de atenção sustentada. “Com vídeos curtos, o cérebro é treinado para atividades breves e fragmentadas, ficando menos hábil para tarefas longas, como estudar ou ler um livro. Ao final, podem surgir sintomas semelhantes ao Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) pelo uso excessivo de tecnologia”, acrescenta.
Menos diversidade, mais intolerância
Nejm alerta também para os riscos ligados à publicidade: “No Brasil, a propaganda infantil é proibida, mas nos vídeos curtos muitas vezes aparece disfarçada, feita por outras crianças ou influenciadores. Isso induz consumo e promove comparações sociais em uma fase em que crianças não têm maturidade para interpretar publicidade.”
O algoritmo pode criar uma visão de mundo enviesada, limitando o contato, o respeito e a tolerância à diversidade.
“Como o algoritmo mostra apenas conteúdos que a criança já demonstrou gostar, reforça bolhas e dá a impressão de que todos pensam, agem e consomem da mesma forma, reduzindo experiências culturais e informacionais”, afirma Nejm. “Ao reforçar crenças, o algoritmo diminui a reflexão crítica”, complementa Machado.
Para combater esses problemas, Nejm recomenda apresentar às crianças outros formatos digitais com experiências mais ricas: “Séries infantis em streaming, canais pensados para crianças, obras de animação com ritmo mais lento e menos estímulos sobrepostos são opções para diversificar o cardápio.”
Machado reforça a importância de limitar e supervisionar o acesso às redes sociais. “Redes sociais, em tese, não são ambientes prioritários para crianças”.
“É possível acompanhar junto, sugerir alternativas, explorar perfis e plataformas adequadas para cada idade e, principalmente, abrir espaço para diálogo em casa. Não basta proibir, é preciso ensinar a usar”, diz Nejm.
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Crédito da imagem: FG Trade – Getty Images