A tradicional mensagem de fim de ano do Instituto Claro navega, em 2023, pela crônica inédita do escritor e músico Reynaldo Bessa. Em “Minhas férias”, a história oscila entre a dor de não ter e a imaginação capaz de transportar cada pessoa a viagens únicas.

“Quando a professora me pediu para escrever sobre algo que eu tinha – ou que ela achava que eu tivesse, sei lá por que –, foi o momento decisivo para eu entender que eu poderia escrever sobre algo que eu não tinha. E isso é literatura. Fui saber muito depois”, explica o autor em depoimento ao final da narração da história.

Na crônica, o menino conta que tirou zero duas vezes, em dois anos seguidos, porque não fez a redação pedida pela professora, mas quando decidiu escrever o seu texto de “minhas férias”, queria mostrar uma história diferente de tudo o que já havia sido contado.

O podcast tem a locução de Walkíria Brit e o violão do próprio Reynaldo Bessa. A gravação foi realizada na produtora Zanzar, com produção executiva de Andre Minnassian e produção sonora e mixagem de Caio Zan e Marcelo Abud.

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Veja mais:

A vida de um pretinho: uma mensagem de fim de ano com esperança e representatividade

Transcrição do Áudio

Transcrição:

Walkíria Brit:

Algumas lembranças são muito sem noção, sem educação. Lembrei-me agora que, na escola, a professora pedia pra gente escrever uma redação com o tema “minhas férias”.

(violão fica de fundo até o fim da leitura)

Walkíria Brit:

Logo de cara fiquei de castigo, também levei um zero, pois não entreguei o texto. Numa mescla de inquietação e curiosidade, ficava me virando na cadeira, ora para um lado, ora para o outro, para ouvir os textos dos colegas.

Falavam das manhãs na fazenda, do cuscuz fresquinho feito pelas mãos carinhosas de uma vó de fala doce… os banhos de rio. Eufóricos, remexendo-se nas cadeiras, falavam que bom mesmo era cavalgar o Corisco, o Raio & Trovão, o Turbilhão, o Napoleão. Estes eram os cavalos que todos eles, nas férias, montavam até dizer chega.

Eu ia pra casa pensando nessas coisas, nessas férias de felicidade. Até trotava na rua e fazia barulho com a boca como se estivesse montando aqueles cavalos: “Oiê, Corisco. Chi…chi, vai, Napoleão”.

Depois, cansava deles e pensava no gosto do cuscuz fresquinho. Até via as mãos da doce vovó passando para eles a manteiga, o pão, a coalhada, a geleia.

Sobre o que eu poderia escrever? Quem, em sã consciência, Deus, iria querer saber que nas minhas férias eu viajava com o meu pai para vender as mercadorias que ele precisava vender logo? Acho que ninguém. Nas minhas férias eu trabalhava até morrer, pois eu ajudava o meu pai nos ajudar.

No ano seguinte, lembro que pensei muito em escrever algo. Quebrei muito a cabeça, mas não escrevi nada. Tomei outro zero, pra se somar ao do ano passado, no que juntei os dois e fiz um infinito. Ouvi mais histórias. Tanta coisa linda. Um colega disse que andou na montanha russa. Uau!

Fui para casa e logo estava na montanha russa. Acho que se alguém me viu ali, na rua, abaixando e subindo, deve ter achado que eu era louca.

Sobre o que eu poderia escrever? Quem, mãe de Jesus, em sã consciência, quereria saber que nas minhas férias eu tive que viajar de novo com o meu pai, e tive de puxar água para encher os potes, para aguar o jardim, para lavar a louça? Acho que ninguém. Nas minhas férias eu trabalhava até morrer, pois eu ajudava o meu pai a lamentar os nossos lamentos.

Mas eu já não aguentava zero. Então escrevi algo. Mas não queria saber de fazenda, nem de cavalos de nomes estranhos, não. Se era pra inventar, então que eu inventasse mesmo, pra valer. Pensei. Minhas férias foram em Marte. Sim, o planeta, e na companhia de inúmeros homenzinhos engraçados e inteligentes. A sala parou. Ninguém respirava. Todos estavam em Marte, e quando terminei de ler, eles ainda estavam lá. Não tirei dez não, a professora não era fácil… Tirei um sete. Abracei aquele sete como uma mamãe abraça seu filho logo que nasce. Mas melhor que o sete foi ter aprendido que se não temos um mundo podemos inventá-lo e que a literatura é uma poderosa ferramenta para conseguirmos isso. Podemos criar uma viagem e fazer com que as pessoas comprem passagens imaginárias para embarcar num foguete imaginário rumo a um planeta fabuloso.

Sempre que me encontro…

(Voz de Walkíria vai saindo e a de Reynaldo Bessa surge)

… sem o que escrever, penso na minha redação sobre Marte. Logo os dedos põem-se em movimento, a cabeça ferve, pinta um sorrisinho e a página vai se enchendo de coisinhas. Mas isso não quer dizer que eu esteja isento de alguns zeros, não. Não é fácil. É a vida.

(som de violão sobe e depois sai, ficando só a voz do escritor)

Reynaldo Bessa:

Eu sou Reynaldo Bessa, sou escritor e sou autor desse texto “Minhas férias”.

Há dois momentos cruciais na minha formação como ser humano e, enfim, como escritor, que acredito me despertar para a escrita, e o “Minhas férias” é um deles.

Quando a professora me pediu para escrever sobre algo que eu tinha – ou que ela achava que eu tivesse, sei lá por que –, foi o momento decisivo para eu entender que eu poderia escrever sobre algo que eu não tinha. E isso é literatura. Fui saber muito depois.

Partindo de um ponto real – ou seja, as minhas “não-férias” –, escrever uma história e fazer com que as pessoas, por um momento que seja, suspendam as suas crenças e embarquem na narrativa.

O episódio triste, porém também lírico, lúdico e muito recentemente transformado por mim em crônica, é um tipo de talismã, a volta ao ponto primordial, quando eu saio um pouco da rota e fico me perguntando: “Por que escrever?”. Porque escrever é uma das formas de se manter são diante das hecatombes, porque quando tudo mais falha, é a arte que segura as pontas. E, por isso, escrevo.

Volta trilha composta por Reynaldo Bessa, que fica de fundo

Marcelo Abud:
Você ouviu “Minhas férias”. Texto e trilha sonora original: Reynaldo Bessa. Locução: Walkíria Brit. Produção sonora e mixagem: Caio Zan e Marcelo Abud. Produção Executiva: Andre Minnassian. Gravado na Produtora Zanzar. Dezembro de 2023.

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