Conteúdos

●    Apresentação do autor;
●    Apresentação do livro e do contexto histórico;
●    Análise da obra;
●    Exercícios de fixação.

Objetivos

Estudar em casa: entenda “A Relíquia”, de Eça de Queiros●    Compreender a obra “A Cidade e as Serras”;
●    Conhecer o autor e seu contexto literário.

Palavras-Chave:

Literatura Portuguesa. Eça de Queirós. A Cidade e as Serras.

Veja também:

Estudar em casa: entenda “A Relíquia”, de Eça de Queiros

Estudar em casa: explore ‘O Ateneu’, de Raul Pompeia

Proposta de Trabalho:

Neste roteiro de estudo, você irá conhecer a obra de Eça de Queirós e sua escola literária. Em seguida, encontrará a apresentação do contexto histórico do qual o autor se inspirou para o desenvolvimento da obra. Além disso, verá a apresentação do livro e a análise de alguns trechos escolhidos. Ao final, terá acesso aos exercícios de fixação para compreender melhor a linguagem temática do autor. Sugerimos que, durante a leitura do romance, realize um fichamento para fixar melhor as ideias principais. Assista aos vídeos, ouça o podcast e acesse os links sugeridos. Bons estudos!

1ª Etapa: Apresentação do autor

José Maria Eça de Queirós foi um escritor português nascido em 1845, na cidade de Póvoa de Varzim, Portugal. Filho do brasileiro José Maria Teixeira de Queirós e da portuguesa Carolina Augusta Pereira de Eça, passou a infância e adolescência longe da família, sendo criado pelos avós paternos. Concluiu seus estudos em Direito na Universidade de Coimbra, em 1866, e dedicou-se à introdução da perspectiva realista nas Artes, estabelecendo uma visão crítica da sociedade, sendo um dos maiores representantes da prosa realista em Portugal.

Distanciou-se das tendências estéticas do estilo clássico romântico e trouxe à narrativa uma dimensão social de análise de costumes, que exigia uma observação atenta da realidade com duras críticas aos valores da burguesia portuguesa e da corrupção da Igreja. Além de escritor, chegou a exercer a profissão de advogado e jornalista em Coimbra.

Sua carreira literária é dividida em três fases. A primeira foi marcada pela publicação de Prosas Bárbaras (publicação póstuma em 1905) e Mistério da Estrada de Sintra (1871), que sofreram influências estéticas da literatura romântica, principalmente das obras de Victor Hugo*. Sua segunda fase literária é marcada pelo romance de tese, onde a narrativa parte de uma ideia central que será demonstrada pela ação das personagens. Nessa fase, o autor retrata a sociedade portuguesa sob vários aspectos, criticando principalmente a decadência dos valores morais, a burguesia e o clero. As principais obras desse período são: O Crime do Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), O Mandarim (1879), Os Maias (1888) e A Relíquia (1887). A terceira fase da carreira literária de Eça de Queirós é marcada por sua visão madura sobre a sociedade, pois passa a ver o comportamento humano de maneira mais compreensiva, voltando-se aos valores de uma existência baseada na simplicidade. Suas principais obras são: A Correspondência de Fradique Mendes (1900), A Cidade e as Serras (1901) e A ilustre casa de Ramires (1900).

A carreira literária de Eça de Queirós pode ser considerada uma radiografia sobre o comportamento humano, em geral da burguesia, da qual apontou suas críticas. Ao final de sua vida, conclui que a dignidade e honra existem na simplicidade das pessoas comuns e pobres, que não buscam viver de aparências e hipocrisias, comuns à sociedade burguesa.

Biografia Eça de Queirós
Acesso em: 04.02.2021.

Biografia de Victor Hugo
Acesso em: 04.02.2021.

2ª Etapa: Apresentação do livro e contexto histórico

Os primeiros e os últimos anos do século XIX foram marcados pelas diversas teorias cientificistas, como o Darwinismo social, o Positivismo, o Determinismo, o Socialismo, entre outras correntes que deixaram marcas profundas no estudo da natureza e da sociedade. Essas teorias buscavam responder de forma racional, através de uma visão empírica, a lógica da natureza, da vida social e até do sobrenatural.

Na literatura, o Realismo e o Naturalismo foram uma tendência estética que visava a representação da realidade apontando as falhas do comportamento humano e das instituições, como a Igreja, por exemplo. O Realismo em Portugal é marcado por um período de agitação cultural, política e social, refletindo o pensamento anticlerical e antimonarquista da elite intelectual da época. A Questão Coimbrã, também conhecida como Questão do bom senso e do bom gosto, foi desencadeada por um grupo de jovens que era contra os ideais românticos e defendiam uma nova forma de observar o mundo, longe de ser considerada uma arte conservadora. Um dos principais autores envolvidos na Questão Coimbrã foi Antero de Quental, amigo de Eça de Queirós, que demonstrava grande necessidade de modernização nas artes e no modo de pensar.

O livro “A Cidade e as Serras”, de Eça de Queirós, foi publicado em 1902, um ano após a sua morte. Considerada uma de suas principais obras, o livro é, também, seu último trabalho e centraliza as características do período de sua maturidade literária. A narrativa de Eça traz uma crítica à vida urbana versus a simplicidade da vida no campo. A obra é ambientada no século XIX, no período da belle époque*, onde os avanços tecnológicos facilitavam o cotidiano e consolidavam a crença de uma prosperidade. Já o ambiente rural era considerado o lugar da simplicidade e remetia à ideia do atraso.

A cidade (Paris, a capital do mundo) é representada pelo personagem Jacinto, e as serras (Portugal, considerado um país agrário e atrasado) são representadas pelo narrador José Fernandes. O narrador conta a história da vida tranquila na mansão número 202, de Jacinto, chamado de Príncipe da Grã-Ventura em Paris. Repleto de regalias tecnológicas na França, Jacinto já não sente mais prazer na vida e se deixa levar pela angústia existencial, pois tudo o que quer, ele consegue, devido ao seu status econômico, deixando de lado o prazer da conquista. Vendo a situação de Jacinto, José Fernandes o aconselha a passar um tempo no campo para renovar suas energias, porém sua ideia foi rejeitada por Jacinto que, mesmo desinteressado por Paris, não quer largar as tecnologias e mordomias que possui.

Certo dia, Jacinto fica sabendo que a igreja que pertenceu à sua família, em Portugal, está caindo aos pedaços e será demolida, ele então determina sua restauração. Assim que as obras terminam, decide visitá-la. Sua viagem é planejada por meses, Jacinto ordena que seus pertences sejam levados junto para Tormes, porém, ao chegar, fica sabendo que seus pertences foram enviados para a cidade de Tormes na Espanha, ficando no campo sem sua mobília. Por algumas semanas teve que dormir em cama de palha e viver uma vida mais simples, logo acaba se acostumando e gostando da experiência. Enquanto José Fernandes viaja pela Europa, Jacinto conhece uma moça no interior, Joaninha, e acaba se apaixonando e se casando tempos depois. Assim que sua mobília e equipamentos chegam a Portugal, Jacinto deixa tudo guardado no sótão e termina vivendo uma vida mais simples no campo.

Realismo e Naturalismo
Acesso em: 05.02.2021.

A Questão Coimbrã
Acesso em: 05.02.2021

A Cidade e as Serras
Acesso em: 05.02.2021

Podcast sobre a obra “A cidade e as Serras”:
Acesso em: 05.02.2021.

Belle Époque
Acesso em: 05.02.2021.

3ª Etapa: Análise da obra

O romance é uma análise sobre a vida na cidade e a vida rural, o narrador é em primeira pessoa, José Fernandes, amigo de Jacinto. O narrador conta a história de Jacinto desde o começo de sua vida até o momento da virada de vida.

O meu amigo Jacinto nasceu num palácio, com cento e nove contos de renda em terras de semeadura, de vinhedo, de cortiça e de olival. No Alentejo, pela Estremadura, através das duas Beiras, densas sebes ondulando pôr e vale, muros altos de boa pedra, ribeiras, estradas, delimitavam os campos desta velha família agrícola que já entulhava o grão e plantava cepa em tempos de el-rei d.Dinis. A sua Quinta e casa senhorial de Tormes, no Baixo douro, cobriam uma serra. Entre o Tua e o Tinhela, pôr cinco fartas léguas, todo o torrão lhe pagava foro. E cerrados pinheirais seus negrejavam desde Arga até ao mar de âncora. Mas o palácio onde Jacinto nascera, e onde sempre habitara, era em Paris, nos Campos Elísios, nº.202. Seu avô, aquele gordíssimo e riquíssimo Jacinto a quem chamavam em Lisboa o D.Galião, descendo uma tarde pela travessa da Trabuqueta, rente dum muro de quintal que uma parreira toldava, escorregou numa casca de laranja e desabou no lajedo.    (pg. 1 – A cidade e as Serras – domínio público)

Jacinto já nascera rico e recebeu a herança que seu avô, D. Galião, possuía em Tormes, Portugal. Jacinto nasceu e foi criado em Paris, conheceu todas as modernidades que a cidade pode oferecer e nunca precisou passar por nenhuma necessidade. Seus poucos amigos sempre lhe conservaram uma amizade pura e sincera. Jacinto era visto por José Fernandes como uma pessoa de muita sorte na vida:

(JACINTO)
Não teve sarampo e não teve lombrigas. As letras, a Tabuada, o Latim entraram pôr ele tão facilmente como o sol pôr uma vidraça. Entre os camaradas, nos pátios dos colégios, erguendo a sua espada de lata e lançando um brado de comando, foi logo o vencedor, o Rei que se adula, e a quem se cede a fruta das merendas […] O seu valor, genuíno, de fino quilate, nunca foi desconhecido, nem desaparecido; e toda a opinião, ou mera facécia que lançasse, logo encontrava uma aragem de simpatia e concordância que a erguia, a mantinha embalada e rebrilhando nas alturas. Quando um dia, rindo com descrido riso da Fortuna e da sua roda, comprou a um sacristão espanhol um Décimo de Lotaria, logo a Fortuna, ligeira e ridente sobre a sua roda, correu num fulgor, para lhe trazer quatrocentas mil pesetas. E no céu as Nuvens, pejadas e lentas se avistavam Jacinto sem guarda-chuva, retinham com reverência as suas águas até que ele passasse. (pg. 3 – A cidade e as Serras – domínio público)

Para Jacinto, o homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado, para isso desenvolveu até uma equação que definia o sucesso da felicidade, já que nesse período estavam em voga as teorias positivistas. Conhecida por seus amigos como “Equação Metafísica de Jacinto: Suma Ciência X Suma Potência = Suma Felicidade”, Jacinto concluía assim sua teoria:

A teoria que me governa, bem comprovada. Com estes olhos que recebemos da Madre natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada. Mais nada! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples dum binóculo de corridas, percebo, pôr trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geléia e caixas de ameixa seca. Concluo, portanto, que é uma mercearia. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia dum astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e tremenda! Tens aqui pois o olho primitivo, o da Natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreenderás o meu princípio. Enquanto à inteligência, e à felicidade que dela se tira pela incansável acumulação das noções, só te peço que compares Renan e o Grilo… Claro é, portanto, que nos devemos cercar da Civilização nas máximas proporções para gozar nas máximas proporções a vantagem de viver. Agora concordas, Zé Fernandes?
(pg. 4 – A cidade e as Serras – domínio público)

Assim, Jacinto justificava sua teoria “Suma Ciência X Suma Potência = Suma Felicidade”, ou seja, quanto mais civilizado e tecnológico o ser humano é, mais felicidade ele pode alcançar.

José Fernandes foi visitar sua família em Guiães, por algumas semanas, e acabou ficando por sete anos, se afastando de seu amigo Jacinto e das modernidades de Paris. Em seu retorno, a primeira pessoa a encontrar na rua é justamente Jacinto, porém com aspecto envelhecido e aparentemente entediado.

Era de novo fevereiro, e um fim de tarde arrepiado e cinzento, quando eu desci os Campos Elísios em demanda do 202. Adiante de mim caminhava, levemente curvado, um homem que, desde as botas rebrilhantes até às abas recurvas do chapéu de onde fugiam anéis dum cabelo crespo, ressumava elegância e a familiaridade das coisas finas. Nas mãos, cruzadas atrás das costas, calçadas de anta branca, sustentava uma bengala grossa com castão de cristal. E só quando ele parou ao portão do 202 reconheci o nariz afilado, os fios do bigode corredios e sedosos.
-Ó Jacinto!
-Ó Zé Fernandes!
O abraço que nos enlaçou foi tão alvoroçado que o meu chapéu rolou na lama. E ambos murmurávamos, comovidos, entrando a grade. (pg. 6 – A cidade e as Serras – domínio público)

Em seu retorno, Jacinto convida José Fernandes a passar sua estadia em sua mansão e, ao entrar na casa, José Fernandes percebe que muitas coisas mudaram, muitas tecnologias foram instaladas para o conforto dos moradores, água quente, telefone, livros diversos, entre outras tecnologias que facilitavam a vida do “Príncipe da Grã Ventura”. Acostumado com seus luxos, não passava pela cabeça de Jacinto largar suas mordomias na cidade.

Com o passar do tempo, entre festas e grandes eventos, Jacinto recebe a notícia de que o solar que pertencia a sua família, em Tormes (Portugal), foi arrasado após uma tormenta. Jacinto fica muito triste com a notícia e manda reformá-lo para preservar a memória de sua família:

Sobre a sua Quinta e solar de Tormes, pôr toda a serra, passara uma tormenta devastadora de vento, corisco e água. Com as grossas chuvas, “ou pôr outras causas que os peritos dirão” (como exclamava na sua carta angustiada o procurador Silvério), um pedaço de monte, que se avançava em socalco sobre o vale da Carriça, desabara, arrastando a velha igreja, uma igrejinha rústica do século XVI, onde jaziam sepultados os avós de Jacinto desde os tempos de el-rei D. Manuel. Os ossos veneráveis desses Jacintos jaziam agora soterrados sob um montão informe de terra e pedra. O Silvério já começara com os moços da Quinta a desatulhar os “preciosos restos”. Mas esperava ansiosamente as ordens de sua Exª… Jacinto empalidecera, impressionado. Esse velho solo serrano, tão rijo e firme desde os Godos, que de repente ruía! Esses jazigos de paz piedosa, precipitados com fragor, na borrasca e na treva, para um negro fundo de vale! Essas ossadas, que todas conservavam um nome, uma data, uma história, confundidas num lixo de ruína! (pg.21)

Para José Fernandes a cidade transformou seu amigo Jacinto em alguém dependente da civilização, e o fez perder a vivacidade e a alegria de viver.

Na Cidade perdeu ele a força e beleza harmoniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido e escanifrado ou obeso e afogado em unto, de ossos moles como trapos, de nervos trêmulos como arames, com cangalhas, com chinós, com dentaduras de chumbo, sem sangue, sem febra, sem viço, torto, corcunda – esse ser em que Deus, espantado, mal pode reconhecer o seu esbelto e rijo e nobre Adão! Na Cidade findou a sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade o arremessa para uma dependência; pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; e rico e superior como um Jacinto, a Sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel. (pg.26)

No fim daquele inverno, Jacinto recebe uma carta de Tormes dizendo que a reforma do Solar estava completa, o que o animou a visitar suas terras nas Serras:

Ao fim desse Inverno escuro e pessimista, uma manhã que eu preguiçava na cama, sentindo através da vidraça cheia de sol ainda pálido um bafo de Primavera ainda tímido – Jacinto assomou à porta do meu quarto, revestido de flanelas leves, duma alvura de açucena. Parou lentamente à beira dos colchões, e, com gravidade, como se anunciasse o seu casamento ou a sua morte, deixou desabar sobre mim esta declaração formidável:
 -Zé Fernandes, vou partir para Tormes.
O pulo com que me sentei abalou o rijo leito de pau-preto do velho D.Galião:
-Para Tormes? Ó Jacinto, quem assassinaste?…
Deleitado com a minha emoção, o Príncipe da Grã-Ventura tirou da algibeira uma carta, e encetou estas linhas, já decerto relidas, fundamente estudadas: -“Ilmº e Exmº sr. – Tenho grande satisfação em comunicar a V.Exª que toda esta semana devem ficar prontas as obras da capela…” (pg.34)

Após muito resistir, Jacinto parte para Tormes para visitar sua propriedade, mas sem antes enviar suas mobílias para que tenha todo o conforto e regalias que possui na cidade, já que José Fernandes o avisara antes que a casa de seus avós estava quase que inabitada, precisando de reformas. A preparação da viagem demorou meses, e assim que abril chegou, ele partiu para as serras de Tormes.

Começou então no 202 o colossal encaixotamento de todos os confortos necessários ao meu Príncipe para um mês de serra áspera – camas de pena, banheiras de níquel, lâmpadas Carcel, divãs profundos, cortinas para vedar as gretas rudes, tapetes para amaciar os soalhos broncos. Os sótãos, onde se arrecadavam os pesados trastes do avô Galião, foram esvaziados – porque o casarão medieval de 1410 comportava os tremós românticos de 1830. De todos os armazéns de Paris chegavam cada manhã fardos, caixas, temerosos embrulhos que os embaladores desfaziam, atulhando os corredores de montes de palha e de papel pardo, onde os nossos passos açodados se enrodilhavam. O cozinheiro, esbaforido, organizava a remessa de fornalhas, geleiras, bocais de trufas, latas de conservas, bojudas garrafas de águas minerais. Jacinto, lembrando as trovoadas da serra, comprou um imenso pára-raios. Desde o amanhecer, nos pátios, no jardim, se martelava, se pregava, com vasto fragor, como na construção duma cidade. E o desfilar das bagagens, através do portão, lembrava uma página de Heródoto contando a marcha dos Persas. (pg.36)

Ao chegar em Tormes, o pior aconteceu. Seus pertences não haviam chegado a tempo. Ficou sabendo que foi enviado para a cidade de Tormes na Espanha, o que fez Jacinto estremecer ao pensar que teria que viver sem suas mordomias e suas mobílias.

E subiu a gasta escadaria do seu solar com amargura e rancor. Em cima uma larga varanda acompanhava a fachada do casarão, sob um alpendre de negras vigas, toda ornada, pôr entre os pilares de granito, com caixas de pau onde floriam cravos. Colhi um cravo amarelo – e penetrei atrás de Jacinto nas salas nobres, que ele contemplava com um murmúrio de horror. Eram enormes, duma sonoridade de casa capitular, com os grossos muros e enegrecidos pelo tempo e o abandono, e relegadas, desoladamente nuas, conservando apenas aos cantos algum monte de canastras ou alguma enxada entre paus. Nos tetos remotos, de carvalho apainelado, luziam através dos rasgões manchas de céu. As janelas, sem vidraças, conservavam essas maciças portadas, com fechos para as trancas, que, quando se cerram, espalham a treva. Sob os nossos passos, aqui e além, uma tábua podre rangia e cedia. -Inabitável! – rugiu Jacinto surdamente. – Um horror! Uma infâmia! (pg.43)

Inconsolável, Jacinto foi obrigado a aguardar suas caixas no Solar e a viver a simplicidade do campo por algumas semanas. Já na sua primeira noite, filosofa sobre as diferenças entre a cidade e as serras.

Na Cidade (como notou Jacinto) nunca se olham, nem lembram os astros – pôr causa dos candeeiros de gás ou dos globos de eletricidade que os ofuscam. Pôr isso (como eu notei) nunca se entra nessa comunhão com o Universo que é a única glória e única consolação da vida. Mas na serra, sem prédios disformes de seis andares, sem a fumaraça que tapa Deus, sem os cuidados que, como pedaços de chumbo, puxam a alma para o pó rasteiro – um Jacinto, um Zé Fernandes, livres, bem jantados, fumando nos poiais duma janela, olham para os astros e os astros olham para eles. Uns, certamente, com olhos de sublime imobilidade ou de sublime indiferença. Mas outros curiosamente, ansiosamente, com uma luz que acena, uma luz que chama, como se tentassem, de tão longe, revelar os seus segredos, ou de tão longe compreender os nossos. (pg. 46)

Ao entrar em contato com a natureza e suas raízes, Jacinto admira a beleza da natureza serrana, o que o faz perceber o quão era iludido pelas facilidades da vida na cidade. Em pouco tempo, conhece a prima de José Fernandes, Joaninha, e se casa em uma cerimônia simples na capelinha de sua família.

Mas, à porta, que de repente se abriu, apareceu minha prima Joaninha, corada do passeio e do vivo ar, com um vestido claro um pouco aberto no pescoço, que fundia mais docemente, numa larga claridade, o esplendor branco da sua pele, e o louro ondeado dos seus cabelos – lindamente risonha, na surpresa que alargava os seus largos, luminosos olhos negros, e trazendo ao colo uma criancinha, gorda e cor-de-rosa, apenas coberta com uma camisinha, de grandes laços azuis. E foi assim que Jacinto, nessa tarde de setembro, na Flor da Malva, viu aquela com quem casou em maio, na capelinha de azulejos, quando o grande pé de roseira se cobrira todo de rosas. (pg. 73)

Assim termina o romance de Eça de Queirós, trazendo uma reflexão sobre como encontrar um ponto de equilíbrio em seu modo de viver. A preservação das tradições da vida no interior convivendo com a modernização é o ponto chave da crítica do livro. Para Jacinto, seu equilíbrio veio a partir do momento que aceitou a viver na terra dos seus antepassados, deixando para trás a mesmice da vida parisiense.

Análise da obra – Guia do Estudante
Acesso em: 12.02.2021.

4ª Etapa: Exercícios de fixação

1. (Fuvest/2014)

Ora nesse tempo Jacinto concebera uma ideia… Este Príncipe concebera a ideia de que o “homem só é superiormente feliz quando é superiormente civilizado”. E por homem civilizado o meu camarada entendia aquele que, robustecendo a sua força pensante com todas as noções adquiridas desde Aristóteles, e multiplicando a potência corporal dos seus órgãos com todos os mecanismos inventados desde Teramenes, criador da roda, se torna um magnífico Adão, quase onipotente, quase onisciente, e apto portanto a recolher[…] todos os gozos e todos os proveitos que resultam de Saber e Poder…[…]
Este conceito de Jacinto impressionara os nossos camaradas de cenáculo, que[…] estavam largamente preparados a acreditar que a felicidade dos indivíduos, como a das nações, se realiza pelo ilimitado desenvolvimento da Mecânica e da erudição. Um desses moços[…] reduzira a teoria de Jacinto[…] a uma forma algébrica: Suma ciência x Suma potência = Suma felicidade. E durante dias, do Odeon à Sorbona, foi louvada pela mocidade positiva a Equação Metafísica de Jacinto.
Eça de Queirós, A cidade e as Serras.

O texto refere-se ao período em que, morando em Paris, Jacinto entusiasmava-se com o progresso técnico e a acumulação de conhecimentos. Considerada do ponto de vista dos valores que se consolidam na parte final do romance, a “forma algébrica” mencionada no texto passaria a ter, como termo conclusivo, não mais “Suma felicidade”, mas sim Suma
a) simplicidade.
b) abnegação.
c) virtude.
d) despreocupação.
e) servidão.

2. (Albert Einstein/2017) Jacinto, personagem do romance A cidade e as serras, de Eça de Queirós, apaixonado pela cidade de Paris e pelo conforto da vida urbana, resolve, em um determinado momento, viajar para Portugal, a cidade de Tormes. Tal decisão se dá porque:

a) sente uma efusão patriótica por Tormes, sua terra natal, de onde lhe provêm as rendas para seu sustento.
b) está plenamente convencido de que apenas no contato com a natureza e com o clima das serras poderá encontrar a felicidade.
c) vê-se compelido a acompanhar a reforma de sua casa em terras portuguesas, bem como assistir à trasladação dos restos mortais dos avós, particularmente os do avô Galeão.
d) está farto da vida elegante e tecnológica de Paris e, por isso, prazerosamente, busca uma experiência nova que, infelizmente, lhe resulta frustrante.

3. (PUC-SP/2016) O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, é o desenvolvimento de um conto chamado “Civilização”. Faz a oposição entre a cidade cosmopolita e a vida do campo, além de, também:

a) ambientar a ação dos personagens apenas nas cidades de Tormes, aldeia portuguesa, e na civilizada Lisboa do final do século XIX.
b) narrar a história de Jacinto, um jovem muito rico, que alcança a felicidade porque tem por objetivo apenas ser o mais possível contemporâneo ao próprio tempo.
c) apresentar desde o início um narrador que tem um ponto de vista firme, qual seja, o de depreciar a civilização da cidade e de exaltar a vida natural.
d) caracterizar a vida do protagonista somente na cidade de Paris, rodeado de muita tecnologia e conhecimento e com uma vida social muito ativa e feliz.

Respostas
1) Alternativa e: servidão.
Jacinto adquiriu tudo o que havia de mais moderno no seu tempo, porque a sua teoria era que a felicidade vinha da potência e da Ciência. Mas apesar de não lhe faltar nada, Jacinto não era feliz e obrigava-se a usar tudo o que possuía.

2) Alternativa c: vê-se compelido a acompanhar a reforma de sua casa em terras portuguesas, bem como assistir à trasladação dos restos mortais dos avós, particularmente os do avô Galeão. O avô Galeão era muito rico e, portanto, o responsável por todo o luxo de que Jacinto desfrutava na sua mansão em Paris.

3) Alternativa c: apresentar desde o início um narrador que tem um ponto de vista firme, qual seja, o de depreciar a civilização da cidade e de exaltar a vida natural. Ao longo da narrativa, Zé Fernandes questiona a forma de vida que o seu amigo considera ser a chave da felicidade.

As questões aqui apresentadas podem ser acessadas em Toda Matéria
Acesso em: 10.02.2021.

Roteiro de estudos elaborado pela Professora Fernanda Alves de Souza   

Receba NossasNovidades

Captcha obrigatório
Seu e-mail foi cadastrado com sucesso!

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.