Conteúdos

● Apresentação do autor e o movimento literário;

● Apresentação do livro A Relíquia;

● Identificação da diegese da narrativa;

● Reflexão sobre a sociedade da época.

Objetivos

● Compreender a obra A Relíquia, de Eça de Queirós;

● Conhecer o autor e seu contexto literário.

Proposta de Trabalho:

Neste roteiro de estudos, você irá aprender sobre o autor Eça de Queirós e sua escola literária, o Realismo. Em seguida, estudará o livro A Relíquia e a diegese da narrativa. Ao final do roteiro, faremos uma reflexão histórica sobre a narrativa. Sugerimos que realize a leitura integral da obra para entender suas particularidades e, ao final, faça um fichamento para fixar as ideias principais.

1ª Etapa: O autor e sua escola literária

Iniciamos nossos estudos a partir da compreensão da dimensão da importância do autor para os estudos literários. José Maria Eça de Queirós, nascido em Portugal em 1845, concluiu seus estudos em Direito, na Universidade de Coimbra, em 1866. Envolveu-se na etapa de introdução da perspectiva realista nas Artes, pois estabeleceu uma visão crítica da sociedade, sendo um dos maiores representantes da prosa realista em Portugal.

Distanciou-se das tendências estéticas do estilo clássico romântico e trouxe à narrativa uma dimensão social de análise de costumes, que exigia uma observação atenta da realidade, com duras críticas aos valores da burguesia portuguesa e da corrupção da Igreja. Além de escritor, chegou a exercer a profissão de advogado e jornalista, em Coimbra.

Suas primeiras obras foram publicadas em forma de artigos e crônicas, depois foram compiladas em livro sob o nome de Prosas Bárbaras. O crime do Padre Amaro (1875) é considerado um dos principais romances do período realista. No livro, o autor discute ideias questionando o celibato clerical. A obra é tida como romance de tese, pois defende uma posição crítica em relação aos pressupostos da sociedade, retratando de forma objetiva os problemas sociais e explicando a realidade.

O Realismo em Portugal é marcado por um período de agitação cultural, política e social, refletindo o pensamento anticlerical e antimonarquista da elite intelectual da época. A “Questão Coimbra”, também conhecida como a “Questão do Bom Senso e do Bom gosto”, foi desencadeada por um grupo de jovens que era contra os ideais românticos e defendia uma nova forma de observar o mundo, longe de ser considerada uma arte conservadora. Um dos principais autores envolvidos na Questão Coimbra foi Antero de Quental, amigo de Eça de Queirós, que demonstrava grande necessidade de modernização nas Artes e no modo de pensar. É importante lembrar que o Realismo se iniciou na França com a publicação de Madame Bovary, de Gustave Flaubert, em 1856.

Para saber mais sobre o contexto histórico e a importância do Realismo para Eça de Queirós e sua prosa, acesse:

Realismo e seu contexto histórico
https://www.portalsaofrancisco.com.br/periodos-literarios/realismo
Acesso em: 8/10/2020.

A Questão Coimbra
https://www.todamateria.com.br/o-que-foi-a-questao-coimbra/
Acesso em: 8/10/2020.

Sobre a vida de Eça de Queirós
http://dp.uc.pt/conteudos/entradas-do-dicionario/item/35-quei
Acesso em: 8/10/2020.

Podcast sobre a obra
https://www.institutoclaro.org.br/educacao/nossas-novidades/podcasts/a-reliquia-de-eca-de-queiros-usa-ironia-para-criticar-individualismo-e-falta-de-etica/ Acesso em: 8/10/2020.

A Relíquia – Eça de Queirós
http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/eb000017.pdf
Acesso em: 8/10/2020.
Para encontrar o livro no site do Domínio Público, preencha os campos obrigatórios da pesquisa básica da seguinte forma: Tipo de Mídia (Texto); Categoria (Literatura); Autor (Eça de Queirós); Título (A relíquia); Idioma (Português).

2ª Etapa: Apresentação da obra “A Relíquia”

Publicada em 1887 por Eça de Queirós, A Relíquia é um romance realista, pois trata-se de uma obra cheia de críticas sociais, protagonizada por Teodorico Raposo, um pícaro*, que busca sua ascensão social através de sua tia rica. No Brasil, a história chega através de folhetins publicados no jornal A Gazeta de Notícias.

Teodorico Raposo, o “Raposão”, era neto de padre e ficou órfão muito cedo. Foi cuidado por sua tia beata e severa, Dona Maria do Patrocínio da Neves, ou Titi, como ele a costumava chamar. Aos nove anos foi encaminhado para um orfanato, onde concluiu seus estudos e conheceu seu melhor amigo e futuro cunhado, Crispim. Entre o comportamento desejado pela sua tia beata e seus impulsos picarescos, Teodorico se dividia entre as farras e as rezas.
Assim que se formou nos primeiros estudos fundamentais, partiu para Coimbra para cursar Direito na Universidade. Em Portugal seu comportamento se consolida através de muita bebedeira, rodeado de mulheres, muitas delas casadas ou prostitutas. Durante as férias, voltava para Lisboa para tentar conquistar o afeto da tia para que continuasse a custear sua boa vida. Seu maior medo era que sua tia deixasse toda a sua fortuna para a Igreja. Por isso, interpretava, na presença da tia, uma fé que não possuía, só para provar a ela que era um bom homem cristão.

Formado, voltou para Lisboa e apaixonou-se por Adélia. Porém, para agradar a tia, a deixava de lado para exagerar em sua devoção. Adélia se sentia abandonada por Raposão, estava cansada de não receber atenção. Frustrado e deprimido, D. Patrocínio sugere uma viagem para que seu sobrinho se anime. Entusiasmado, pensando que iria para Paris, onde conheceria muitas mulheres, fica decepcionado com a negativa de sua tia, que só permitiria a viagem se fosse para Jerusalém, a Terra Santa, onde Jesus teria sido sacrificado na fé cristã. Teodorico aceita a viagem e promete à tia uma “relíquia” religiosa da Terra Santa.

Ao longo de sua viagem, aproveitou os momentos regado a festas e noitadas em Alexandria. Conhece uma inglesa chamada Mary, com quem teve um breve envolvimento. Na despedida, Mary entrega uma camisola sexy com um bilhetinho embrulhado em um pacote, para que ele sempre se lembrasse dela e daquela inesquecível viagem.

Chegando em Jerusalém, não gosta do lugar sagrado nem das pessoas que circulavam por lá, porém parte em busca das relíquias que havia prometido levar. Nessa busca encontra um pedaço de madeira que diziam fazer parte da coroa de espinhos que crucificou Jesus. Com isso, teve a ideia de fazer uma coroa parecida para que sua tia pensasse ser a mesma utilizada pelo filho de Deus em sua morte. O rapaz embrulha a coroa na mesma cor do papel do embrulho que Mary tinha deixado para ele, deixando os pacotes quase idênticos.

Fonte da imagem: https://images.app.goo.gl/yy9NBF9W3Y5p5PRE9, acesso em: 9/10/2020.

No retorno de sua viagem, encontra uma família passando necessidades e acaba entregando um dos pacotes para que a família pudesse vender e ganhar algum dinheiro. Pensando ter entregado a camisola de Mary, se confunde e entrega a “relíquia” da tia. Na chegada em Lisboa, não percebe seu erro e entrega a camisola para sua tia. Revoltada com a atitude de seu sobrinho, o deserda de sua herança e o deixa na rua da amargura.

Fonte da imagem: https://images.app.goo.gl/bJN4dNWorFqXEatg6, acesso em: 10/10/2020.

Para sobreviver sem a ajuda da tia, vende as supostas “relíquias” extras que trouxe de Jerusalém. Nesse período, começa a se envolver com a irmã de Crispim e acaba casando com ela e arranjando um emprego na empresa da nova família. Um tempo depois, sua tia morre e deixa toda sua fortuna para um padre da paróquia, o que deixa Teodorico revoltado.

A história é encerrada com o protagonista refletindo sobre o que deveria ter feito para ludibriar a tia, quando entregou o presente errado. Se tivesse dito que a camisola tinha sido de Maria Madalena, poderia ter enganado a tia e salvado sua herança.

*Pícaro
https://pt.wikipedia.org/wiki/P%C3%ADcaro
Acesso em: 9/10/2020.

3ª Etapa: Identificação da diegese da narrativa

Narrador: A história é narrada em primeira pessoa pelo protagonista, Teodorico Raposo, que vai relembrando suas aventuras – desde sua infância até os dias atuais. O personagem inicia a narrativa justificando a história que será contada ao leitor:

“Decidi compor, nos vagares deste verão, na minha quinta do Mosteiro (antigo solar dos condes de Lindoso), as memórias da minha vida — que neste século, tão consumindo pelas incertezas da inteligência e tão angustiado pelos tormentos do dinheiro, encerra, penso eu e pensa meu cunhado Crispim, uma lição lúcida e forte.” (QUEIRÓS, 1887, p. 1)

A intenção do narrador autodiegético* inicialmente é narrar suas memórias a fim de mostrar sua lição de vida de forma que outras pessoas aprendam com seus erros, segundo seu ponto de vista. Teodorico Raposo é um legítimo representante de uma sociedade que almeja uma vida de luxos e belezas, porém cheia de vaidades e hipocrisias. O narrador tem o objetivo de ironizar e criticar a sociedade portuguesa da época.

“Esta jornada à terra do Egito e à Palestina permanecerá sempre como a glória superior da minha carreira; e bem desejaria que dela ficasse nas letras, para a posteridade, um monumento airoso e maciço. Mas hoje, escrevendo por motivos peculiarmente espirituais, pretendi que as páginas íntimas, em que a relembro, se não assemelhassem a um Guia Pitoresco do Oriente. Por isso (apesar das solicitações da vaidade), suprimi neste manuscrito suculentas, resplandecentes narrativas de ruínas e de costumes.” (QUEIRÓS, 1887, p.1)

*Narrador autodiegético
https://www.infoescola.com/redacao/tipos-de-narrador/
Acesso em: 9/10/2020.

Tempo e Espaço: A narrativa das lembranças que Teodorico compartilha com o leitor se divide em um tempo psicológico desde sua infância com o pai, até sua adolescência no orfanato e sua juventude em Lisboa – é uma narrativa cronológica e linear. O personagem segue suas memórias da faculdade de Direito e suas aventuras em Coimbra e, em seguida, narra a grande viagem de sua vida à Terra Santa, ambiente central da narrativa. Por fim, a história se encerra com o desenrolar da morte de sua tia, com reflexões do rumo que sua vida levou sem a fortuna da tia.

“Casei. Sou pai. Tenho carruagem, a consideração do meu bairro, a comenda de Cristo. E o Doutor Margaride, que janta comigo todos os domingos de casaca, afirma que o Estado, pela minha ilustração, as minhas consideráveis viagens e o meu patriotismo – me deve o título de Barão do Mosteiro. Porque eu comprei o Mosteiro. O digno magistrado uma tarde, à mesa, anunciou que o horrendo Negrão, desejando arredondar as suas propriedades em Torres, decidira vender o velho solar dos condes de Lindoso.”
(QUEIRÓS, 1887, p. 182)

Personagens

Teodorico Raposo: Protagonista da narrativa, um pícaro que aproveita da fé de sua tia para conseguir uma vida de luxos. Sempre se envolvia com prostitutas, mulheres casadas e até mesmo tinha mais de um caso ao mesmo tempo. Tenta a todo custo fazer sua tia acreditar que é um bom homem cristão, porém gosta da vida fácil.

Dona Maria do Patrocínio das Neves: Tia rica de Teodorico, não gosta de nada que não seja religioso. Sempre incentivou o sobrinho a seguir os preceitos da religiosidade.

Crispim: Grande amigo e cunhado de Teodorico, o conheceu durante a adolescência, no orfanato. Teodorico casou-se com a irmã de Crispim.

Adélia: Primeira paixão do protagonista, deixada de lado, se cansa de ser ignorada e se separa.

Miss Mary: Romance passageiro de Teodorico em sua viagem à Terra Santa. Deixa o fatídico presente para Teodorico, que o levará à desgraça.

Topsius: Amigo que Teodorico conhece durante a viagem. Historiador, escreve um livro colocando Teodorico como personagem.

Padre Negrão: Fica com toda a herança que o personagem não ganhou da tia.

Jesuína: Irmã de Crispim e esposa atual de Teodorico.

Dr. Margaride: Amigo do pai de Teodorico, recebeu uma grande herança de seu irmão.

Vivência: Empregada de Dona Maria do Patrocínio.

Fonte da imagem: https://images.app.goo.gl/2EAeGeboKCiUeUqB7, acesso em: 12/10/2020.

Foco Narrativo: Podemos chamar o foco narrativo como ponto de vista do narrador, isto é, a forma que o narrador conta a história. Quando o narrador conta uma história a partir da perspectiva de um observador, o foco narrativo é em terceira pessoa. Quando participa da história, o foco narrativo será em primeira pessoa. Portanto, o foco narrativo da obra se dá em perspectiva da 1ª pessoa.

4ª Etapa: Reflexões sobre a sociedade da época

Os personagens da obra de Eça de Queirós servem como alegorias de uma sociedade que é decante, hipócrita e que estabelece relações de interesse. A desmoralização de Teodorico é o maior exemplo disso, pois denuncia a falta de moral em nome do interesse financeiro.

Eça, através da nova visão de mundo do Realismo, critica a futilidade da burguesia lisboense que se utiliza das máscaras religiosas para buscar ascensão pessoal.
Para o pesquisador Antônio Augusto Nery (2009), em “Bíblia, história e ficção: a intertextualidade no terceiro capítulo de A Relíquia (Eça de Queirós)”:

“Toda a narração é desenvolvida explicitamente a partir de uma paródia do texto bíblico e informações provenientes de várias exegeses laicas publicadas por historiadores durante o século XIX que fizeram muito sucesso por questionarem a Bíblia e as interpretações ortodoxas emitidas, até então, sobre ela. A desconstrução e a dessacralização dos evangelhos canônicos são claras e avultantes. […] Eça, apropriando-se da Bíblia e dos discursos de historiadores como Ernest Renan (1823-1892) e David Strauss (1808-1874), constrói um ‘novo’ evangelho pautado em questionamentos de verdades e ideologias que para os seguidores do cristianismo são incontestáveis.” (NERY, 2009, p.1)

Antônio Augusto Nery – Bíblia, história e ficção: a intertextualidade no terceiro capítulo de A Relíquia (Eça de Queirós)
http://e-revista.unioeste.br/index.php/rlhm/article/view/2111/1679
Acesso em: 11/10/2020.

Exercícios sobre o livro A Relíquia, de Eça de Queirós:

1. (UNICAMP, 2000)
Em A Relíquia, de Eça de Queirós, várias são as mulheres com quem Teodorico Raposo, o herói e narrador, se vê envolvido. Dentre elas, podemos citar Mary, Adélia, Titi, Jesuína e Cibele.
a) Uma dessas personagens é importantíssima para a trama do romance, já que acompanha o narrador desde a infância, e deve-se a ela a origem de todos os seus infortúnios posteriores. Quem é e o que fez ela para que o plano de Raposo não desse certo?
b) A qual delas Raposo se refere como “tinha trinta e dois anos e era zarolha”? Que relações tem essa personagem com Crispim, a quem o narrador denomina como “a firma”?

2. (UNICAMP, 1999)

O trecho que segue relata um diálogo entre o narrador-personagem de A RELÍQUIA e o DOUTOR MARGARIDE, e contém referências básicas para o desenvolvimento do romance:
Eu arrisquei outra palavra tímida.
– A Titi, é verdade, tem-me amizade…
– A Titi tem-lhe amizade – atalhou com a boca cheia o magistrado – a você é o seu único parente. Mas a questão é outra, Teodorico. É que você tem um rival – Rebento-o! – gritei eu, irresistivelmente, com os olhos em chamas, esmurrando o mármore da mesa. O moço triste, lá ao fundo, ergueu a face de cima do seu capilé. E o Dr. Margaride reprovou com severidade a minha violência.
– Essa expressão é imprópria de um cavalheiro, e de um moço comedido. Em geral não se rebenta ninguém. E, além disso, o seu rival não é outro, Teodorico, senão Jesus Cristo!
Nosso Senhor Jesus Cristo? E só compreendi quando o esclarecido jurisconsulto, já mais calmo, me revelou que a Titi, ainda no último ano da minha formatura, tencionava deixar a sua fortuna, terras e prédios, a irmandades da sua simpatia e a padres da sua devoção.

a) Localize no trecho ao menos uma dessas referências e explique qual a sua relevância para a trama central.
b) O trecho fala da importância da figura de Jesus Cristo para a personagem denominada “Titi”. Descreva essa personagem, segundo o prisma do próprio narrador, Teodorico Raposo, e tente demonstrar como ele trata sarcasticamente o seu “rival” de herança.

RESPOSTAS
1. (UNICAMP, 2000):
a) Entre as diversas personagens femininas citadas no enunciado da questão, apenas uma acompanhou Teodorico Raposo desde a infância. Trata-se de Titi, sua tia, a cuja herança ele teria direito, caso se comportasse como um perfeito católico (na acepção de sua tia). Como tal não aconteceu e, tendo sido descoberto o engodo que Raposo lhe preparava, Titi deserdou-o.
b) Jesuína é a referida personagem. O candidato deveria ter observado que é finalmente com ela que Teodorico se casa. Trata-se da irmã de Crispim, o próspero amigo, herdeiro da firma Crispim & Cia. Não sem ironia, Teodorico o chama de “a firma” para sugerir que a identidade do amigo se sustentava mais no valor financeiro do que no afetivo.

2. (UNICAMP, 1999):
a) Teodorico, em sua peregrinação, desejava chegar ao Egito, à Palestina e à Terra Santa. Com essa viagem visava se reabilitar junto à Titi, Dona Maria do Patrocínio.
b) Titi criara Teodorico desde pequeno. É uma velha alta, solteira a virgem. O narrador espera por sua morte para tornar-se o herdeiro.

Link dos exercícios: https://beduka.com/blog/materias/literatura/resumo-de-a-reliquia/
Acesso em: 12/102020.

Roteiro de Estudos elaborado pela Professora Fernanda Alves de Souza

Tags relacionadas

Receba NossasNovidades

Receba NossasNovidades

Assine gratuitamente a nossa newsletter e receba todas as novidades sobre os projetos e ações do Instituto Claro.