Educadores e secretarias de educação ficaram perdidos durante a suspensão das aulas motivada pela pandemia do novo coronavírus (covid-19). “A primeira etapa da quarentena foi desesperadora, com informações desencontradas, órgãos sempre esperando a informação de um superior e pais ligando para pedir orientações”, resume a professora de inglês e língua portuguesa da rede estadual em Itatinga (SP), Ana Paula Munhoz.

“Foi horrível: não sabíamos como ficaria a situação dos alunos, se o período seria suspenso e se haveria um novo calendário letivo”, compartilha o docente de biologia da rede estadual em Barreirinhas (MA), José Francisco Batista Silva Filho.

José Francisco Filho tem utilizado plataformas diversas em suas aulas, como WhatsApp e Facebook (crédito: reprodução Facebook pessoal)

 

O momento atual, contudo, trouxe novos desafios relacionados ao uso de tecnologias digitais, desigualdades no acesso à internet pelos estudantes, falta de materiais e dificuldades para personalizar atividades.

Iniciativa própria

No estado de São Paulo, professores e alunos utilizam o aplicativo Centro de Mídias. É o caso de Munhoz, que leciona no ensino médio e fundamental II em duas escolas de Itatinga, com 25 mil habitantes.

“A instituição de ensino do centro atende crianças e jovens da região rural, onde muitos não possuem energia elétrica. Ainda assim, atingimos 80% dos estudantes”, calcula ela. Na de bairro, estima-se que 55% dos alunos acessem o aplicativo. “São famílias de nível socioeconômico inferior e cujos responsáveis precisam trabalhar, não conseguindo orientar as crianças.”

Segundo a docente, o governo disponibilizará materiais impressos para quem não acessa a internet, a serem retirados na escola. Até lá, a professora imprimiu, por conta própria, aproximadamente mil folhas para os alunos do terceiro ano.

“É um momento decisivo para eles, que vão prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O coração falou mais alto”, justifica.

Professora de inglês e língua portuguesa, Ana Paula Munhoz esclarece dúvidas dos alunos via WhatsApp (crédito: reprodução Facebook pessoal)

 

As atividades sugeridas focam mais nas habilidades previstas na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do que em conteúdos.

“Esclareço as dúvidas por WhatsApp”, diz ela.

Engajamento via Facebook

Mariana Lazarin é professora de história em duas escolas estaduais de Jaú (SP), com 120 mil habitantes.

“Elas adotaram plataformas digitais diferentes: Google Classroom (unidade escolar do centro) e Facebook (do bairro). Ambas se mostraram parcialmente eficientes”, opina ela.

Já a aceitação da rede social Facebook foi maior em uma escola pequena, de perfil rural e comunidade vulnerável. “Adicionamos os 300 alunos e responsáveis em grupos. Seria inviável transferi-los para o Google Classroom”, defende.

Mariana Lazarin, ao centro com uma folha nas mãos, com seus alunos (crédito: arquivo pessoal)

 

As aulas criadas pelos professores são revisadas e postadas pela coordenadora pedagógica. “Nesse período, dificulta não saber se o estudante viu ou realizou a atividade.”

Na capital de São Paulo (SP), a rede municipal adotou o material didático impresso “Trilhas de Aprendizagens” e o Google Classroom.

“De 35 alunos, apenas cinco usam a plataforma virtual, sendo que três ainda não receberam o material impresso”, relata a professora do ensino fundamental I, Viviane Jacob.

“O uso da tecnologia no fundamental II é maior. Ainda assim, a orientação é retomar todo o conteúdo na volta às aulas”, tranquiliza.

Professora do ensino fundamental I, Viviane Jacob, está usando material didático impresso e o Google Classroom (crédito: reprodução Facebook pessoal)

 

De acordo com a educadora, os professores são orientados a não postarem na plataforma vídeos ou materiais pedagógicos que não os disponibilizados pela rede.

Conteúdos para Instagram

Professor de Barreirinhas (MA), cidade de 65 mil habitantes, Filho foi orientado a utilizar métodos diferentes para atingir o maior número de alunos, incluindo WhatsApp, Facebook e criação de materiais próprios. Em uma sala de 40 matriculados, 35 deles costumam participar. Estudantes da zona rural, contudo, são os que menos acessam a web.

“Temos que motivá-los constantemente, caso contrário, o engajamento despenca.”

Para o período de isolamento, professora Marliane criou um projeto de literatura no Instagram (crédito: arquivo pessoal)

 

Professora de língua portuguesa para o ensino médio da Escola Estadual Berilo Wanderley, em Natal (RN), Marliane Azevedo Lira de Medeiros Costa não recebeu orientações sobre como trabalhar. “A rede está estruturando um projeto de estudos pela televisão”, pontua.

Nesse tempo, ela criou atividades de literatura no Instagram para suas turmas. “Compartilhei lives com temáticas voltadas ao Enem”, revela ela, que ainda se inscreveu em um curso EaD para a produção de videoaulas.

Sua escola também apostou nessa rede social para o projeto “Rotina de Estudos”. Semanalmente, novos materiais são adicionados em um Google Drive compartilhado com os alunos. Postagens no Instagram os relembram de acessar os conteúdos.

Materiais padronizados

As escolas em aldeias indígenas possuem uma realidade particular. “Ao contrário da cidade, nosso isolamento é coletivo, porque os moradores habitam ocas compartilhadas e sem divisão por cômodos”, diferencia o professor da Aldeia Afukuri, do povo Kuikuro, Douglas Floresta.

“Como uma sala de aula tem menos gente do que uma oca, consideramos desnecessária a suspensão das aulas. Mas fomos desestimulados pelo estado e os alunos passaram a receber um caderno semanal de atividades para fazerem em casa”, lamenta.

Para o docente Douglas Floresta, materiais padronizados não contemplam culturas, atividades e tradições distintas de cada povo indígena (crédito: reprodução Instagram pessoal)

 

Para o educador, a desconsideração das particularidades de cada comunidade é um problema. “O mesmo material pedagógico é distribuído a todos os indígenas do estado. São culturas, atividades e tradições distintas. E há diferenças no acesso à energia e internet”, explica.

Os professores de sua aldeia, contudo, adaptam as atividades aos saberes locais. No ensino médio, por exemplo, os secundaristas realizam o “Trabalho de Conhecimento Cultural (TCC)”.

“O aluno escolhe um aspecto cultural do povo, como uma festa, conto, canto, remédio natural, artefato ou comida. Depois, pesquisa com seus pais, com o ancião e nos livros para escrever sobre”, descreve Floresta.

O projeto conta com introdução, desenvolvimento, metodologia, conclusão e bibliografia.

“Outro desafio é que os estudantes compartilham o único notebook da aldeia”, revela ele, que esclarece as dúvidas dos alunos no pátio do centro da aldeia. “É um lugar arejado”, finaliza.

Veja mais:
Dicas para o professor da rede pública ajudam a preparar aulas EaD
6 atividades pedagógicas que podem ser desenvolvidas a distância

Crédito da imagem principal: undrey – iStock

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