Ao substituírem os carros que usam combustível fósseis, os automóveis elétricos ajudarão a melhorar a qualidade do ar. Mas o que será feito com as baterias que precisarão ser trocadas de tempos em tempos? Esse exemplo ajuda a perceber que toda inovação científica e tecnológica tem, inevitavelmente, efeitos colaterais, principalmente quando expandidas para uma escala global.

Essa interação constante entre natureza e tecnologia está por trás do conceito de “sociedade de risco”, que pode ser usado para estimular o olhar crítico dos estudantes sobre a tomada de decisões diversas da vida.

“A educação ajuda o aluno a lidar com questões do seu dia a dia e a pensar que tudo o que ele faz precisa ser bem avaliado pois possuirá, inevitavelmente, prós e contras. Como o risco é inevitável, é preciso fazer com que seja o mais baixo possível”, explica o professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), e pesquisador do tema, Maurício Pietrocola.

“A escola ajuda a criar bons cientistas e pessoas cientificamente educadas para não comprar qualquer solução dos outros, e a pensar antes de tomar decisões.”

O que é “sociedade de risco”?

Maurício Pietrocola: sociedade de risco foi um conceito forjado pelo sociólogo alemão Ulrich Beck (1944-2015), em 1986, e que trata da modificação das relações sociais. Ciências e tecnologia não apenas tiveram o papel de servir para resolver problemas, ajudar a indústria, medicina etc., mas possuem efeitos colaterais. Em outras palavras, quando se inventa um sistema tecnológico e científico novo, espera-se somente resultados positivos, mas haverá outros reflexos. Pode até causar mais prejuízo do que resolver um problema. E os impactos são de espera global. A fotossíntese da floresta amazônica, por exemplo, é influenciada pela poluição dos automóveis da China. Ciência e tecnologia impactam a natureza, em uma interação constante.

Como esse conceito se relaciona com a educação?

Pietrocola: Não é mais possível separar natureza e tecnologia. Por exemplo, quero desenvolvimento e preciso da Amazônia preservada, não somente porque os europeus defendem isso, mas porque eu vivo nesse mundo e serei o primeiro a ser prejudicado com sua devastação. O que acontece é que as políticas públicas possuem um limite de atuação mais limitado quando as pessoas não entendem essa nova dinâmica entre sociedade e natureza. E isso deve ser ensinado na escola. Por exemplo, há uma defesa dos carros elétricos para substituir os que usam combustíveis fósseis. Mas outros problemas aparecerão: o que iremos fazer com a quantidade de baterias que precisarão ser trocadas periodicamente? Ou de onde virá a eletricidade? Se for de uma fonte poluente, trocaremos seis por meia dúzia. A educação ajuda o aluno a lidar com questões do seu dia a dia e a pensar que tudo o que ele faz precisa ser bem avaliado pois possuirá, inevitavelmente, prós e contras. Como o risco é inevitável, é preciso fazer com que seja mais baixo possível. A escola ajuda a criar bons cientistas e pessoas cientificamente educadas para não comprar qualquer solução dos outros, e a pensar antes de tomar decisões.

O que é importante ensinar?

Pietrocola: Que não existe receita pronta. Cada decisão é tomada avaliando riscos e contextos locais, nacionais e globais. Outro ponto é que qualquer decisão terá sempre uma boa justificativa. Por exemplo, troco meu carro antigo por um novo porque terei três anos de garantia e não precisarei me preocupar com manutenção. Dou ele como entrada, mas o valor do financiamento pode ser maior do que eu gastaria se precisasse consertar algum problema que meu carro antigo viesse, eventualmente, a ter. Ou seja, se a pessoa quiser um ponto positivo, ela encontra. Mas a questão é que nossa vida está mergulhada em um sistema complexo. São diversas causas envolvidas, uma influenciando a outra. Não posso mais pensar somente em causa e efeito, mas ter um pensamento em rede. Pensar usando informações, consultando especialistas etc., porque a complexidade dos problemas demanda isso. Essa habilidade deve ser ensinada e aprendida.

“Escola ajuda a criar pessoas cientificamente educadas para não comprar qualquer solução”, diz professor (crédito: arquivo pessoal)

 

Qual é o desafio para os professores ao trabalharem o tema com os alunos?

Pietrocola: Os alunos são capazes de perceber riscos civilizatórios que estão próximos da sua realidade, relacionados à sua maneira de viver e cotidiano. Contudo, possuem dificuldade de enxergar riscos menos imediatistas e de alcance global. Por exemplo, que a poluição do meu carro pode contribuir para a queimada no Pantanal, uma vez que modifica os ciclos climáticos e a umidade do ar. É preciso ajudá-los a perceber uma dimensão menos imediatista. Um estudo mostrou que havia traços de DDT – inseticida proibido há mais de cinquenta anos na Europa – no leite materno. Mas esse produto químico foi proibido em outras partes do mundo há menos de 20 anos. Provavelmente, entrou no ciclo da água e contaminou lençóis freáticos. O impacto é global e atinge outras localidades. Depois de orientar a análise dos impactos a curto, médio e longo alcance, é preciso ensinar os alunos a colocar todas as opções na mesa. Todas irão impactar o meio ambiente, mas qual impactará menos?

Como trabalhar esse conceito de sociedade de risco em sala de aula?

Pietrocola: Temáticas sociocientíficas já são contempladas no currículo. O conceito de sociedade de risco ajuda a materializar situações e exemplos para os alunos desenvolverem competências já previstas. É menos sobre currículo e mais como implementá-lo.

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Crédito da imagem principal: yacobchuk – iStock

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