Como visto na segunda reportagem da série “TIC na Educação”, a atual geração de alunos compõe um grupo intitulado “nativos digitais”, isto é, são crianças e adolescentes que já nasceram conectados. Por isso, os métodos tradicionais de ensino não correspondem ao que é natural a esses estudantes, que esperam aulas mais dinâmicas, participativas e conectadas. De que forma, portanto, é possível alinhar essas expectativas às possibilidades do professor e da escola?

Por que ser tecnológico?

Para desenvolver essa questão é preciso, em primeiro lugar, compreender o papel que os recursos digitais desempenham na educação. Segundo Alexandre Sayad, diretor do projeto Media Education Lab, a tecnologia é um meio de equalizar o acesso ao ensino, pois alunos e educadores de todo o país podem encontrar os mesmos conteúdos na internet. Por esse motivo, é ideal que todas as escolas tenham banda larga, independentemente de qual meio é utilizado para navegar na web.

Além disso, uma vez que os estudantes já estão conectados, levar a rede para dentro da sala de aula é uma forma de inserí-la nesse contexto e, consequentemente, torná-la mais atrativa, afinal, neste momento, “a escola está um século atrás do aluno”, como afirma Alexandre. Deste modo, é essencial que as tecnologias não sejam usadas apenas para reproduzir os modelos analógicos, mas sim como um meio de inovar o formato de ensino e aprendizagem.

Do ponto de vista didático, uma das grandes vantagens do mundo digital é permitir uma maior conexão com a disciplina, isto é, o conteúdo passa a fazer mais sentido para o aluno. Por exemplo, durante uma aula de História em que o professor descreve as Cruzadas é muito mais fácil para o aluno compreender este acontecimento com um game que se passa neste contexto ou até mesmo com um mapa interativo.

Na perspectiva do desenvolvimento do indivíduo, essas ferramentas também apresentam uma função importante. Glaucia da Silva Brito e Ivonélia da Purificação descrevem em seu livro Educação e Novas Tecnologias: um repensar as possibilidades que o computador abre para que o aluno possa “representar suas ideias, resolver problemas, criar soluções, desenvolver algo”.

As autoras retomam ainda o pensamento do educador Eduardo O. C. Chaves, que escreve sobre o uso da máquina em O uso de computadores em escolas: fundamentos e críticas e afirma que o contato com ela “contribui positivamente para a aceleração do desenvolvimento cognitivo e intelectual, em especial no que diz respeito ao raciocínio lógico e formal, à capacidade de pensar com rigor e de modo sistemático”.

Alexandre também relembra esse aspecto ao destacar o papel que as tecnologias desempenham no desenvolvimento das competências socioemocionais, as “habilidades do século 21”. Por meio desse contato, os estudantes admitem uma postura mais participativa na construção do próprio conhecimento e tornam-se de fato atores de suas próprias experiências e amadurecimento intelectual e emocional.

As Cinco Grandes Competências Socioemocionais de Oliver P. John e Sanjay Srivastava

  • Abertura a novas experiências: pressupõe ser curioso, criativo, imaginativo, artístico, não ter medo de errar
  • Consciência: relacionado à responsabilidade, persistência, resiliência, organização, disciplina, autonomia, foco nos objetivos
  • Extroversão: exige uma postura sociável, amigável, autoconfiante, energética, aventureira e entusiasmada
  • Amabilidade: diz respeito a alguém que seja tolerante, altruísta, modesto, simpático, pouco teimoso e que saiba cooperar com os outros
  • Estabilidade Emocional: referente a autocontrole, constância e consistência
Desafio

Para que todo o potencial desses recursos digitais seja verdadeiramente explorado na sala de aula – e não haja apenas uma reprodução de métodos antigos – é preciso haver uma adaptação da escola e dos educadores. O currículo das disciplinas precisa ser adequado a essas mudanças, incorporando e integrando computadores, tablets e até mesmo celulares à rotina de ensino.

Glaucia e Ivonélia apresentam duas perspectivas diferentes na abordagem educacional do computador, que podem ser estendidas às outras ferramentas existentes. A primeira é instrucional, na qual os alunos aprendem o funcionamento dos dispositivos, adquirindo noções de programação e compreendendo seu lugar na sociedade. A segunda é construcionista, conceito desenvolvido pelo educador e matemático americano Seymour Papert com base do construtivismo de Piaget. Neste paradigma, o conhecimento é construído utilizando esses instrumentos na realização de uma ação concreta, na produção de um objeto palpável.

Essas noções vão ao encontro da opinião de Alexandre acerca do assunto. Para o educador, não há restrições em relação a quais conteúdos devem ser trabalhados com tecnologia, isso depende da criatividade e das possibilidades do professor. Entretanto, coloca uma delimitação no que diz respeito à idade, de forma que na Educação Infantil deve haver um uso mais regrado, com um foco maior no brincar.

Já o Ensino Fundamental é o momento em investir na conquista da autonomia de uso, ensinar os alunos a dominar esses recursos e como aproveitá-los de forma mais vantajosa. No Ensino Médio, por sua vez, tem-se jovens extremamente conectados e grandes conhecedores da tecnologia, o que permite uma maior liberdade em termos do que pode ou não ser explorado.

A transformação para a educação do século 21

Os três educadores citados acima chegam a um ponto comum sobre a inclusão da tecnologia na escola: a quebra da hierarquia da sala de aula, derivada do grande conhecimento que as crianças e adolescentes têm sobre as novas tecnologias. “Essa característica já começa a exigir do professor (…) uma mudança na postura em sala de aula, onde a interação com seus alunos passará a ser uma atitude necessária para o bom andamento do trabalho pedagógico”, escrevem Gláucia e Ivonélia, cuja afirmação pode ser resumida na fala de Alexandre: “hoje em dia trabalha-se muito mais em rede do que em pirâmide”.

Além disso, os recursos digitais permitem que a aprendizagem extrapole os limites da escola e possa acontecer a qualquer momento e em qualquer lugar. Neste sentido, o estudante admite uma posição de protagonista e pode também ir atrás de conteúdos que queira aprender. Dessa forma, nasce a Sala de Aula Invertida, em que o professor torna-se muito mais um moderador do que um detentor do conhecimento.

Para Alexandre, as tecnologias não podem mais ser vistas como luxo, ao passo que o acesso à banda larga e às TIC é uma questão de cidadania. “Não duvido de professores que afirmam fazerem bem seu trabalho de forma analógica, mas com esse discurso criam uma desigualdade, deixam de abrir oportunidades para seus alunos. A tecnologia não é mais um apêndice da educação, é a própria educação”, diz.

Não se pode negar que é de fato um desafio integrar as tecnologias à educação. É preciso haver uma mudança no formato da sala de aula e, principalmente, na postura dos educadores. Além disso, muitas vezes as atividades desenvolvidas dependem exclusivamente da criatividade do professor, do conhecimento prévio que tem sobre os recursos disponíveis, já que a formação profissional neste sentido ainda é deficiente.

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