A nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para os ensinos infantil e fundamental foi aprovada no Conselho Nacional de Educação (CNE), em dezembro de 2017, com a tarefa de oferecer diretrizes para a elaboração dos currículos das redes municipais, estaduais e federal. O documento aprovado, contudo, foi submetido a inúmeras alterações em comparação às suas duas versões anteriores. Para a doutora em educação e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Mônica Ribeiro da Silva, as mudanças fizeram com que a BNCC perdesse seu caráter de interesse popular.

“Houve a tentativa de conferir legitimidade a um documento de gabinete, sem participação das escolas, de professores, de estudantes, gestores e pesquisadores”, decreta. “A ausência de participação ocorreu após o impeachment e a consequente mudança nos quadros do Ministério da Educação. A atual gestão iniciou um novo processo com atores ligados ao setor privado e empresarial, inclusive, o que diz muito acerca do que foi produzido e aprovado”, contextualiza.

Desigualdade de gênero

A terceira e última versão da BNCC retirou as menções à “orientação sexual” e “gênero” e implementou a oferta obrigatória do ensino religioso nas escolas brasileiras. Para o ex-ministro da Educação, Renato Janine, o novo texto substitui o respeito à diversidade pela exclusão.

“Educar não é apenas instruir, mas formar para o mundo, o que exige valores éticos. Isso está na origem da palavra ‘educação’, do latim, ex-ducere, ou conduzir para fora, para o mundo. Reduzir a escola à transmissão de conhecimento a faz perder a sua função”, analisa. “A instituição de ensino precisa proteger o aluno homossexual e transgênero, reforçando que eles merecem respeito e possuem tanto direito de estarem ali quanto qualquer outra pessoa”, complementa.

Ainda para o educador, o Ministério da Educação cedeu a interesses fundamentalistas. “Há pessoas extremamente competentes no ministério, mas que ficam caladas por estarem politicamente enfraquecidas”, opina. “Ao contrário do que se diz, um aluno formado sem respeitar à diversidade está descolado do mundo moderno e não terá condição alguma de competir internacionalmente”, decreta.

Padronização

A padronização do currículo nacional em face das avaliações nacionais e internacionais (Enem, Prova Brasil, Pisa) é outra questão que preocupa os educadores. “A BNCC passa a definir o que as escolas precisam priorizar. Isso coloca escolas em situações distintas diante da mesma tarefa. As com piores condições estarão distantes de cumprir o que está prescrito, aumentando ainda mais as desigualdades de aprendizagem entre os estudantes”, aponta Silva. “Certamente, essas escolas e seus professores ainda serão responsabilizados, equivocadamente, por isso”.

Opinião semelhante possui David Chaves, doutorando em educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Avaliações em larga escala e políticas de bonificação segregam ainda mais aqueles que já estão segregados”, aponta.

Já para Janine, as avaliações devem ser entendidas como bússolas. “Elas mostram onde estamos indo bem e os problemas que exigem políticas públicas para serem sanados. É uma forma de analisar se o direito à aprendizagem está ocorrendo”, assinala.

Influência do mercado

Outra novidade da BNCC é que as habilidades socioemocionais foram colocadas em igualdade com as habilidades cognitivas. Em sua pesquisa, Chaves analisa a prevalência de valores empresariais na nova base por meio deste novo conteúdo. “A questão é: são apenas técnicas ou há interesses econômicos e políticos nesses valores difundidos?”, questiona.

Para o pesquisador, as avaliações em larga escala e seus rankings introduzem a ideia de competitividade entre as escolas – uma medida empresarial. “Outro valor que ganhou força é a resiliência. Será que não estamos induzindo que, em momentos críticos, troca-se a postura combativa e de luta por direitos pela passividade?”, adverte.

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