Humilhação e insegurança eram sentimentos rotineiros para o estudante João, de 17 anos, aluno transgênero da rede pública de Porto Alegre (RS). “Havia muitas piadinhas e desrespeito na escola. As pessoas não compreendiam quando eu pedia que me tratassem no masculino”, relembra.

João não gostava de responder a chamada, por causa do nome de registro, e evitava ir ao banheiro. “Teve um momento que eu não aguentei mais. Houve uma discussão com a diretora da escola, que insistia em me tratar pelo feminino. Decidi não voltar mais para a escola e estudar de casa”, desabafa.

Interromper os estudos também foi a escolha de Victoria Helena, de 19 anos, do blog Trans Adolescente. Apesar de ter tido uma experiência satisfatória na escola quando ainda se apresentava como menino, a estudante do Rio de Janeiro (RJ) trancou o primeiro ano do ensino médio para fazer a transição de gênero.

“Na escola, eu era reservada e ficava no meu canto. Mas eu não tinha o psicológico fortalecido para continuar estudando e passar pela transição ao mesmo tempo. Isso ia me afetar gravemente”, confessa.

Invisibilidade social

Casos como o de João e Victoria são comuns, ainda que seja difícil quantificar os estudantes trans da rede pública do Brasil. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) não monitora os pedidos de uso de nome social nas escolas. Os poucos dados são fornecidos apenas por alguns estados e municípios. Em São Paulo, 358 estudantes travestis ou transgêneros solicitaram o uso do nome social nas escolas estaduais – número 51% superior ao de 2015.

Segundo o professor do Núcleo de Inclusão Educacional do Estado de São Paulo, Thiago Sabatine, o aumento se deu justamente após a adequação do sistema da rede para acolher o nome social dos estudantes. Agora vem impresso nos boletins, listas de chamada e no material pedagógico.

“Reconhecer a identidade de gênero é garantir o acesso à educação e combater a exclusão. É importante não apenas incluir o aluno transgênero como também fazer o sistema de educação para refletir sobre essa marginalização, tornando-o um parceiro”, sugere.

Desafios diários

Além da chamada, o uso do banheiro é outro momento que causa angústia nos estudantes transgêneros, pois há a possibilidade de violência e discriminação por parte dos colegas. “Certa vez, três meninas me impediram de usar o banheiro. Elas disseram que eu não era menina, porque não usava brinco, batom e que minha roupa era azul. Disse que o short de uma delas era da mesma cor e que eu usava as roupas que me faziam feliz. Precisei chamar a professora”, conta Lila, estudante de nove anos, de Salvador (BA).

Segundo a sexóloga e psiquiatra Carmita Abdo, do Projeto de Sexualidade (ProSex), da USP, a discriminação em relação ao banheiro é reflexo da confusão entre identidade de gênero e de orientação sexual.

“Professores e colegas confundem a pessoa transgênero com a homossexual e lidam de forma inadequada com a divisão de atividades entre meninos e meninas. Por isso, é necessária uma formação dos docentes”, explica.

Falta de conhecimento

O pouco conhecimento dos professores em relação ao transgênero é outro problema apontado pelos estudantes trans e travestis. “A única vez que eu conversei abertamente com duas professoras da escola, uma delas nada sabia sobre o assunto e a outra tentou me convencer de que eu era muito novo para saber se era transgênero. Mas ela não achava o mesmo dos meus amigos cisgêneros”, compara Saulo, estudante de 18 anos da rede particular de São Paulo.

Janaina, hoje com 21 anos, enfrentou dificuldades com o diretor de uma escola particular de São Paulo, quando finalizou sua transição, no ensino médio. “Ele não entendeu quando eu comecei a usar roupas femininas. Disse que eu poderia ser o que eu quisesse do lado de fora da escola, mas do lado de dentro, era para eu estudar e não chamar a atenção”, lembra. Expulsa de casa, Janaina finalizou os estudos na rede pública. Contudo, optou por se apresentar como mulher cisgênero. “Ser aluna nova já era difícil. Ser aluna trans, então, seria mais ainda”, relata.

Já Carla, aluna da rede particular de São Paulo, sugere que os professores olhem os alunos trans da mesma forma que lidam com os cisgêneros. “Meu recado é: vejam além da informação de que eu sou trans. Ajam naturalmente, afinal, vocês só estão conversando com uma aluna”, destaca.

Opinião semelhante possui a psiquiatra Carmita Abdo. “O professor precisa ter a mesma receptividade e disponibilidade que teria com uma criança não trans. Para alcançar esse nível, é preciso tirar dúvidas, inibir preconceitos e estigmas”, orienta.

Pierre, aluno de 23 anos, sofreu preconceito em um colégio de Santos (SP). Apenas encontrou acolhimento na Educação de Jovens e Adultos (EJA). “Antes de assumir trans, as piadas eram muitas. Após a transição, houve mais respeito. Muitos alunos e professores são curiosos e perguntam coisas, mas na base do respeito. Tem que ser assim”, finaliza.

Autora do blog Diário de uma Trans Adolescente, Victoria Helena optou por interromper
o ensino médio durante o período de transição de gênero (Crédito: arquivo pessoal)
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