É interessante perceber, no curso de uma vida, mudanças sociais. O site Reddit pediu aos seus usuários com mais de 50 anos que comentassem algo do passado que mudou significativamente em comparação com os dias de hoje. A lista foi traduzida para o português (aqui), e possui itens curiosos, como a possibilidade das mulheres usarem calças e a disseminação do uso de tatuagens. Se pudesse adicionar um aspecto, lembraria da prática bastante comum, ainda na década de 1970, de separação dos alunos em classes pelo aproveitamento estudantil. Assim, para uma mesma série, havia a “turma a”, “b”, “c” ou “d”, num gradiente dos “melhores” aos “piores” alunos.
Esse procedimento, na verdade, ainda não foi eliminado em todas as escolas no Brasil, mas não é mais majoritário. A formação de “classes seletivas” (conforme a terminologia pedagógica do país; no contexto anglo-saxão a mesma ideia é expressa pelo termo tracking) foi desafiada pela valorização pedagógica da diversidade no convívio entre crianças e jovens, bem como pela necessidade da educação evitar o tratamento desigual dos alunos. O agrupamento de estudantes supostamente homogêneos contribui para as desigualdades sociais. As evidências sugerem que o resultado da separação das turmas tende a ser um aprendizado desigual entre os grupos.
Quando criança, lembro que as classes eram separadas em filas para determinadas atividades (organização da entrada nas salas de aula, canto de hinos, por exemplo) e tinha a estranha percepção de que, de “a” para “d”, as filas se tornavam menos brancas, com estudantes com roupas mais modestas e com mais disparidade etária. Só mais tarde aprendi o conceito de “classe social”, que explica a diferenciação.
Enfim, a escola como lugar de “reprodução” de desigualdades e hierarquias sociais tem dado lugar, no aspecto apontado e em outros, a um espaço que promove mais a igualdade e o bem-estar coletivos. Entretanto, uma dimensão em que o progresso é urgente e necessário é a luta conta a homofobia, como mostrou a notícia do NET Educação, do final do ano passado, divulgando a Pesquisa Nacional Sobre o Ambiente Educacional no Brasil – 2016, que apresenta dados sobre as experiências de adolescentes e jovens LGBT no país.
Na conclusão, o estudo comenta que há um “cenário nada alentador. É um cenário caracterizado pela insegurança dos/das estudantes LGBT nas instituições educacionais, com alta incidência de agressão verbal, física e violência, sem o devido apoio ou medidas para contornar essas situações, e sem um número adequado de profissionais de educação capacitados/as para dar conta dessas situações e revertê-las por meio de ações educativas” (p. 69).
Essa realidade infelizmente é mundial, como aponta o interessante caderno da Unesco Respostas do Setor de Educação ao Bullying Homofóbico (2013). Também lamentáveis são as notícias (como essa aqui) de prefeituras que censuram materiais didáticos que discutem questões de gênero, no Brasil.
Porém, dois dados positivos relacionados à internet merecem destaque. Como mostra um artigo da revista do The New York Times(aqui), de setembro do ano passado, sobre a realidade dos estudantes LGBT nos Estados Unidos, as dificuldades e violências no cotidiano escolar enfrentadas pelos jovens desses grupos são igualmente preocupantes no país em questão. Porém, lá (e provavelmente também no Brasil), vários jovens têm utilizado a internet para obter informações, encontrar fóruns de apoio e aconselhamento, que lhes dão recursos para enfrentar preconceitos, construindo uma identidade positiva. Assim, o artigo nota que: “Para todos os adolescentes, a internet oferece um periscópio para o mundo exterior, mas ela é particularmente importante para os alunos que não se percebem representados e não são compreendidos em seu entorno imediato”, caso, muitas vezes, das/dos LGBTs.
Talvez isso ajude a explicar a profusão de documentários brasileiros sobre a temática no YouTube, destacando-se, entre outros, Vozeria (2015), dirigido por Raphaela Comisso, e Não Gosto dos Meninos (2011), realizado por Andre Matarazzo e Gustavo Ferri, inspirado no projeto internacional It Gets Better.
Mas seria injusto dar somente às/aos jovens a tarefa de enfrentar problemas complexos, como o bullying homofóbico na escola. A literatura sobre o tema destaca constantemente a importância dos professores e equipes escolares, para tanto. Apesar disso, uma queixa comum dos educadores é a respeito da formação para essa tarefa. Nesse ponto, a internet também tem colaborado, ao propiciar o acesso a um crescente conjunto de materiais didáticos ou paradidáticos.
Nessa perspectiva, é recomendável a consulta ao catálogo de materiais elaborado há algum tempo pelo MEC (aqui). É claro que os materiais requerem uma utilização contextualizada e criteriosa, no entanto, podem ajudar na reflexão para a montagem de possíveis processos formativos em serviço (e ações de enfrentamento a problemas), a partir das realidades, preocupações e necessidades percebidas por grupos de professores, coordenações pedagógicas e diretorias escolares.
Enfrentar a homofobia na escola, hoje, é o caminho para que ela se torne uma antiquada lembrança do passado daqui a alguns anos.
Veja também:
– Programa NET Educação – Como lidar com a homofobia nas escolas?

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