Em 2016, o estudante de economia da Universidade de São Paulo (USP-Ribeirão Preto), Vinícius Andrade, visitou quatro turmas de ensino médio de escolas públicas da sua cidade para aplicar um questionário socioeconômico. O objetivo era identificar o que os jovens sabiam sobre o ingresso no ensino superior.
“O que me motivou era uma questão pessoal. A universidade pública não fazia parte da minha realidade ou dos meus amigos e vizinhos”, conta ele, que nasceu e cresceu em um bairro de periferia.
Ao final da pesquisa, Andrade teve uma surpresa: dos 193 alunos entrevistados, apenas três sabiam o que era o vestibular da Fundação Universitária para o Vestibular (Fuvest), responsável por selecionar alunos para a USP, que possui um campus na cidade de Ribeirão Preto.
A mesma falta de conhecimento dos secundaristas de baixa renda sobre como ingressar na universidade também chamou a atenção do professor de administração da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Marcos Abilio Bosquett. Durante as aulas de gestão de projetos sociais, ele e seus universitários decidiram pesquisar o tema a fundo em uma escola da região. “Durante a visita, uma aluna disse que somente conseguiria pisar na universidade pública se fosse na equipe da limpeza”, relembra.
Realidade distante
Os dois casos revelam uma realidade comum: o sentimento de distância, por parte do aluno de baixa renda, das faculdades e universidades. “Em primeiro lugar, as formas de acesso ao ensino superior no Brasil ficaram mais complexas, como o sistema de cotas e suas subvariáveis, o SISU e o próprio Enem”, esclarece o professor de Departamento de Fundamentos Sócio-Filosóficos da Educação, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Flávio Brayner.
“Mas não é esta complexidade que impede as pessoas oriundas das classes menos favorecidas de ‘compreender’ os sistemas de acesso: o problema é que elas não dispõem da mesma qualidade de informação que as classes abastadas, assim como as escolas públicas, onde normalmente estudam, também não dispõem de meios que mostrem aos alunos como estabelecer um itinerário escolar estratégico que desemboque no ensino superior. Algo que os ricos têm”, compara.
Opinião semelhante possui Bosquett. “A informação não chega e não existe estímulo. A expectativa é terminar o ensino médio para trabalhar e ajudar em casa. Assim, é necessário um passo antes: estimular esses jovens a sonharem e a planejarem um projeto de vida“, destaca.
“A ideia geral dos secundaristas é terminar o ensino médio, começar a trabalhar e construir um futuro, mas sem atrelá-lo ao ensino superior. Eles também não entendem o estudo como uma possível ferramenta de ascensão social. Afinal, seus pais e avós não estudaram”, acrescenta Andrade.
Informação diversificada
Para tentar mudar essa realidade, Andrade criou o projeto Salvaguarda, no qual uma equipe de aproximadamente 300 voluntários se divide entre 14 escolas públicas de Ribeirão Preto. A ideia é levar informações sobre as políticas públicas, além de tirar dúvidas sobre profissões e conteúdos.
“No começo do ano, os alunos votam nas profissões que gostariam de conhecer. Mensalmente, um graduando e um profissional vão ao encontro dos estudantes para contar suas histórias. Além da questão da profissão, buscamos que cada palestrante tenha um perfil diferente: ter cursado a universidade via Sisu, Fies, ProUni etc., explica.
Voluntários também corrigem redações dos alunos e um canal de Whatsapp é disponibilizado 24 horas por dia para os secundaristas tirarem dúvidas. “O objetivo é mostrar que há diferentes caminhos: se o estudantes não quiser a faculdade pública, há a privada ou cursos que não exigem formação superior”.
Já em Florianópolis, Bosquett e seus alunos criaram o projeto Futuração, que, em 2017, atuou com mais de 200 alunos da escola pública de educação básica Júlio da Costa Neves. A experiência será publicada no livro “Dicas para ingresso e permanência no ensino superior”, que será publicado pela editora da UFSC. “Esses estudantes podem ter acesso a bolsas, moradia estudantil, entre outros. Podem ganhar mais como estagiários do que em um subemprego”, aponta.
Nos dois anos de atuação, o Salvaguarda já possui alunos do programa aprovados na USP. Contudo, para Andrade, este não é o maior termômetro do sucesso. “A conquista é fazer alunos que nunca cogitaram estudar a pensar novos caminhos”, garante.