O Conselho Nacional de Educação (CNE) foi criado pela Lei nº 9.131, de 1995, para exercer funções normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministério da Educação (MEC).

“A lei definiu que a escolha e a nomeação dos conselheiros são feitas pelo presidente da República, sendo que pelo menos a metade destes deveria vir da consulta às entidades representativas da sociedade civil”, explica a professora da pós-graduação em sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ex-conselheira, Silke Weber.

O CNE possui 24 membros e é composto por duas câmaras: da Educação Básica e do Ensino Superior. A cada dois anos, metade das cadeiras são renovadas. Em julho de 2020, chamou a atenção o fato do presidente da República ter excluído – pela primeira vez desde a criação da instituição – o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

Juntos, Consed e Undime são responsáveis por 27 redes estaduais e 5.568 redes municipais.

“Este último estava presente na lista indicada pelas entidades representativas da sociedade civil”, lembra Weber.

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No lugar, foram indicadas pessoas ligadas a setores da educação privada, ao Olavo de Carvalho e defensores do projeto Escola Sem Partido.

“Temos que nos reger pela Constituição e tradição da entidade. A lei afirma que o CNE deve assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional. Como nossa sociedade é plural, são necessários representantes de diferentes regiões do país e modalidades da educação, tais como rural, indígena, quilombola, especial, de jovens e adultos, entre outras”, descreve o professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e ex-conselheiro, Carlos Roberto Jamil Cury.

“Infelizmente, não vi indicações que refletissem essa pluralidade. Além da exclusão da Undime e do Consed, que representam 80% das matrículas no país, não há instituições que pensam a educação e relações étnico-raciais”, analisa ele.

Iniciativa privada ganha espaço

Segundo o sociólogo e ex-conselheiro Cesar Callegari, a nova configuração do CNE aparenta um desiquilíbrio entre setores públicos e privados. Essa, contudo, não é a primeira vez na história recente que representantes do setor público perdem espaço no colegiado. Em 2016, após o impeachment de Dilma Rousseff, entidades que representavam os trabalhadores da educação foram limadas da pasta.

“A tendência de privilegiar o setor particular já ocorre na Câmara de Ensino Superior e parece ser replicada na de Educação Básica”, reflete Callegari.

“A exclusão da Undime e do Consed parece indicar que o foco do CNE desconsiderará o processo de construção e retificação de prioridades educacionais, estabelecidas em sintonia com a experiência brasileira e internacional, para privilegiar orientações de comportamentos e lógicas próprias da iniciativa privada”, opina Weber.

Para os ex-conselheiros, uma possibilidade é que as diretrizes indicadas pelos novos membros não dialoguem com a realidade do chão da escola pública.

“A exclusão é uma atitude negativa de quem não quer estabelecer diálogo mais ágil com setores importantes que operacionalizam as políticas públicas de educação, como as secretarias, que estão na base. Também dá margem que ideias se façam à revelia da realidade operacional que ocorrem nas escolas”, complementa Weber.

A professora também vê o papel do CNE comprometido em um momento de pensar medidas emergências para a volta às aulas no contexto de pandemia do novo coronavírus.

“É possível supor que o debate educacional alimentado pelo CNE, sem a participação de estados e municípios, deverá suscitar mais conflitos do que propostas efetivas de ação compatíveis com a urgência da situação.”

Guerra ideológica

Outra preocupação é que os novos conselheiros usem o espaço para guerras ideológicas.

“Parece-me que a nomeação foi para ajudar ideologias que o governo gostaria de ver o conselho legitimando”, pontua Cury.

“Trata-se de um governo conservador, e o CNE tende a adotar as sentenças do Supremo Tribunal Federal (STF), principalmente em relação à igualdade de gênero, respeito ao nome social de pessoas transgêneras, entre outros”, acrescenta.

Para Cury, é importante ressaltar que o CNE é um órgão de Estado, não de governo. “Os novos conselheiros devem deixar de lado a guerra cultural para priorizar pautas que atendam a educação básica e que mobilizem as escolas, como o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) e o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).”

Para o professor da UFMG, isso não quer dizer que pautas governamentais não devem ser trazidas ao plenário. “Tanto que há um representante do ministério dentro do conselho justamente para esse diálogo com os demais representantes”, exemplifica.

Já Callegari se preocupa com possíveis desmontes de medidas já aprovadas pelo conselho. “Como as decisões que foram tomadas mediante amplo debate na sociedade nos últimos 20 anos, entre elas as diretrizes curriculares”, contextualiza.

Caso o novo conselho tome medidas que desconsiderem os interesses de professores, alunos e funcionários das escolas públicas, Callegari indica que a população deve pressionar o Judiciário para reverter a situação.

“De toda forma, é esperado que os conselheiros estejam abertos ao diálogo e construam respostas para questões educacionais considerando a diversidade e a complexidade da sociedade brasileira”, finaliza Weber.

Crédito da imagem: Pornpak Khunatorn – iStock

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