Se pensarmos na complexidade de algumas questões do nosso dia a dia, uma área do conhecimento não oferece sozinha todos os apontamentos importantes para a sua compreensão. “O ensino interdisciplinar se torna importante no ambiente escolar, porque ajuda a entender determinados problemas a partir de diferentes pontos de vista”, explica o professor adjunto da área de Educação Química da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ), Wallace Alves Cabral.

No caso das disciplinas de química e biologia, essa relação é ainda mais estreita. “A biologia se encarrega de estudar os componentes da vida, que, por sua vez, são baseados em moléculas, átomos e suas interações. Esses últimos são justamente a base do estudo da química”, justifica a bióloga e professora da rede estadual de São Paulo (SP), Mayra Deltreggia Trinca.  “As características de moléculas e suas reações determinam como se formam e como agem componentes biológicos”, acrescenta.

No ensino fundamental 2, as duas matérias compõem o currículo da disciplina de ciências, facilitando a interdisciplinaridade. Já no ensino médio, quando elas passam a ser ministradas em aulas diferentes, a interdisciplinaridade exige um olhar integrado dos dois professores.

Segundo Trinca, uma forma de unir essas duas áreas do conhecimento em um mesmo projeto é estudar com os alunos os modelos de membranas celulares. “É um ótimo exemplo de como as características das moléculas, – que são fosfolipídios, com uma região da molécula hidrofílica (se aproxima da água) e outra hidrofóbica (se afasta da água) – é determinante para a estruturação de um componente biológico, que é a bicamada da membrana plasmática. Organização é essencial para o funcionando das células”, explica.

“O trabalho pode ser avaliado pelas duas frentes: os aspectos biológicos do funcionamento dessa membrana e os aspectos químicos da organização e funcionamento dessas moléculas”, acrescenta.

Estudando evidências 

Como tema para o ensino médio, Cabral sugere abordar o recente desastre do rompimento da barragem de rejeitos em Brumadinho (MG), por meio de um caso simulado – uma espécie de júri popular. O rompimento da barragem em Brumadinho foi acidente ou crime ambiental? A partir da questão, a turma é dividida em grupos, que irão defender os argumentos. Os grupos podem representar a mineradora, o governo, a associação de moradores e os ambientalistas”, apresenta.

“O debate é feito por meio de perguntas, respostas, réplicas e tréplicas, sendo o professor o mediador do processo. Para argumentar, os alunos devem buscam suporte nos dois campos do conhecimento”, indica.

Já o professor de biologia, Alexsandro Vieira, sugere, como tema, o aquecimento global e os elementos químicos que fazem parte desse processo. “É possível ver os elementos químicos, suas representações e como eles compõem os seres vivos, assim como o gás carbônico, o metano e o óxido nitroso, que são componentes que aceleram o processo de aquecimento global”, indica.

Pelo lado da biologia, pode-se estudar o sequestro de carbono e o processo de fotossíntese. “É produzido o alimento para a planta que, por sua vez, pode beneficiar o ser humano pela alimentação”, comenta Vieira. “A fotossíntese e a respiração são processos chamados bioquímicos, uma reorganização de átomos e moléculas que ocorre apenas em organismos vivos”, complementa Trinca.

“Pensando no tema específico da digestão, a química nos dirá como essas moléculas são formadas e, consequentemente, como serão quebradas durante o processo. Já a biologia se ocupa de tentar entender como será a interação dessas moléculas com o organismo, que tipo de célula entrará em ação e como esses componentes serão utilizados”, acrescenta a professora.

Trabalhando em conjunto

A comunicação entre os professores e a definição dos objetivos comuns a serem alcançados com os alunos são importantes para o trabalho colaborativo entre química e biologia.

“Na rede estadual de São Paulo, por exemplo, há um momento específico para o trabalho conjunto entre professores: a Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC)”, conta Trinca. Antes, o processo era realizado com professores de todas as disciplinas, mas, em 2020, passou a ser dividido por áreas. “Com isso, os professores das chamadas ciências da natureza possuem um horário de trabalho em comum nas escolas, que pode ser utilizado para pensar em estratégias de ensino conjuntas”, sugere.

Veja mais:

Biologia com geografia: abordagem interdisciplinar pode tratar do ciclo da água e impacto das enchentes
Horta na escola possibilita o ensino de educação alimentar, ambiental e de conteúdos curriculares

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